Por: João Serra*
A Lei de Murphy é um adágio popular que afirma: “Tudo o que puder dar errado, dará errado”. Terá sido criada em 1949 pelo engenheiro aeroespacial Edward A. Murphy Jr. e expressa, de forma irónica, a tendência de os problemas ocorrerem no pior momento possível, tornando-se um lembrete – também irónico, mas útil – de que falhas são inevitáveis sempre que existe a possibilidade de erro. Em essência, recorda-nos que, quando existe essa possibilidade, é prudente preparar-se para as falhas e as suas consequências.
A história recente de Cabo Verde parece saída de um manual de má governação, onde a famosa Lei de Murphy encontra terreno fértil para se materializar: tudo o que podia correr mal, correu invariavelmente mal. Não se trata de azar nem de circunstâncias inevitáveis, mas sim do resultado direto de uma forma de governar que assenta em prioridades distorcidas, na excessiva partidarização da administração pública e no compadrio e nepotismo, em detrimento da seriedade institucional e da competência técnica. Quando um Governo se fecha sobre si mesmo, apostando mais em proteger os seus “boys” e interesses privados opacos do que em defender o interesse público e servir os cidadãos, o destino torna-se inevitável: o país desliza para um pântano de decisões com consequências gravosas, incoerências e contradições. Em vez de políticas públicas estruturadas, assistimos a uma sucessão de medidas improvisadas, falhas administrativas e promessas vazias que fragilizam as instituições e descredibilizam a democracia.
Nos transportes aéreos, a companhia aérea nacional, que deveria ser motivo de orgulho e garante de coesão territorial, transformou-se num poço sem fundo de dívidas – que acabam sempre por ser pagas pelos cabo-verdianos –, improvisações e trapalhadas. A privatização, apresentada como solução salvadora, revelou-se mais um fiasco, resultando em maior fragilidade financeira e operacional. A cada avaria de avião, a cada cancelamento de voo, a cada anúncio e recuo quanto ao Conselho de Administração, confirma-se a impressão de que não existe rumo nem estratégia. Hoje, a TACV é um exemplo paradigmático da Lei de Murphy aplicada à governação: tudo o que pode falhar, falha.
No transporte marítimo, a situação não é melhor. Em especial, as ilhas da Brava e do Maio viram-se isoladas por longos períodos, por falta de navios operacionais, enquanto contratos pouco transparentes e decisões políticas desastradas estimulam a concessionaria a não cumprir a sua função. Populações inteiras ficam reféns da ausência de ligações, condenadas a esperar por soluções que nunca se materializam. Mais uma vez, aplica-se a Lei de Murphy: se há um navio disponível, fica inoperacional; se há rota programada, é cancelada; se há promessa de melhoria, transforma-se em mais um problema. Trata-se de mais uma demonstração de como decisões apressadas e orientadas por interesses políticos imediatos geram prejuízos que acabam sempre por ser pagos pelos cidadãos.
A catástrofe natural que assolou São Vicente revelou outro lado desta mesma moeda: a impreparação e incapacidade do Governo em lidar com crises reais que afetam a vida das pessoas. A falta de meios e a desorganização na resposta a este desastre não foram exceção, mas regra. E isso é consequência, por um lado, de um Governo que insiste em gastar todos os recursos financeiros endógenos para alimentar e engordar a máquina administrativa do Estado numa dimensão nunca vista na história de Cabo Verde, criando inclusive estruturas praticamente sem serventia para acomodar os “boys”, em vez de investir em infraestruturas de ordenamento do território e na construção de habitações acessíveis. Por outro lado, a situação em São Vicente resulta de anos de enfraquecimento institucional, durante os quais a fiscalização governamental do cumprimento da legislação municipal deixou de funcionar, bem como da inexistência de diversos elementos fundamentais no que se refere à capacidade de prevenir, gerir e responder a crises. Tudo isso torna o sistema de resposta a emergências estruturalmente frágil e altamente vulnerável a perdas humanas, sociais e económicas em caso de catástrofe. Quando a prioridade não é garantir serviços públicos eficientes e a preparação para emergências é negligenciada, o resultado é sempre o mesmo: caos e sofrimento para a população.
Somam-se ainda os problemas persistentes nos serviços básicos de eletricidade e água, que agravam a sensação de desgoverno e descaso. Em especial na Cidade da Praia, cortes frequentes de energia elétrica voltaram a tornar-se parte do quotidiano, afetando famílias e pequenos operadores económicos, que veem a sua vida suspensa entre apagões sucessivos. A eletricidade – que deveria ser um serviço garantido num país que se quer moderno e competitivo –, é tratada quase como um luxo instável, sempre à mercê de falhas técnicas e má gestão. O mesmo se aplica à água, cuja escassez e distribuição irregular continuam a penalizar milhares de cidadãos, sobretudo na ilha de Santiago. Famílias inteiras são forçadas a viver com torneiras secas, ou com água cuja qualidade constitui risco para a saúde pública, enquanto o Governo anuncia projetos grandiosos que raramente se traduzem em soluções práticas. Mais uma vez, a Lei de Murphy impõe-se: quando há promessas de investimento, a execução falha; quando aumenta a capacidade de produção energética, os apagões multiplicam-se por falhas de manutenção e falta de peças de reposição; quando há mais água, faltam redes de distribuição.
Enquanto isso, o Governo tenta manipular a perceção pública através de uma propaganda intensa e descarada. Constrói-se uma narrativa que nada tem a ver com a realidade que os cabo-verdianos vivem no dia-a-dia, tentando transformar falhas em conquistas, promessas em factos, anúncios em soluções já concretizadas, como se a repetição bastasse para converter mentira em verdade.
A situação ora descrita cria a sensação de que estamos atolados num verdadeiro pântano político. O país não avança porque cada passo se transforma num tropeço, cada decisão em contradição e cada promessa em frustração.
Em vez de liderar com visão e responsabilidade, o Governo parece contentar-se com a gestão do imobilismo, confundindo estabilidade com estagnação. A estabilidade não se mede pela propaganda: mede-se na vida real das pessoas, e essa está cada vez mais difícil.
Até quando os cabo-verdianos aceitarão viver num país onde cada erro é desculpado como fatalidade, onde cada falha é atribuída a fatores externos, onde a incompetência é mascarada de estabilidade e a propaganda vendida como verdade?
O pântano em que nos encontramos não é inevitável, nem natural. É o resultado direto de escolhas políticas, de prioridades invertidas e de uma arrogância que já não pode ser tolerada.
A Lei de Murphy não é destino; é o reflexo cruel de um Governo que falhou e continua a falhar. Enquanto não houver humildade para reconhecer os erros e coragem para corrigir o rumo, Cabo Verde continuará a ser o retrato vivo de como tudo o que pode correr mal, corre mesmo mal.
Praia, 13 de setembro de 2025
*Doutorado em Economia/Blog: www.economianaserra.blogspot.com)
