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Economia

Elevados custos de eletricidade e de água têm condicionado competitividade da economia

Ao longo dos 50 anos da sua Independência, Cabo Verde tem registado desafios contínuos em relação a sectores chave determinantes para o desenvolvimento da economia e aumento da competitividade do sector empresarial nacional. Apesar de alguns avanços, os elevados custos de eletricidade e de água têm condicionado a competitividade da economia cabo-verdiana, muito por conta, da importação de combustíveis fosseis. Os custos de electricidade em Cabo Verde são dos mais caros do mundo e a tendência pode ser para aumentar ainda mais.

Não é de hoje que os elevados custos de electricidade e de água se têm assumido como factores de peso que impactam na fraca competitividade da economia cabo-verdiana, ao longo da sua história, acabando por condicionar em grande medida os custos operacionais das empresas e, naturalmente, os lucros.

Estes são alguns dos principais aspectos destacados por José Agnelo Sanches, economista e consultor, que traça um cenário realista destes dois sectores essenciais ao desempenho das empresas cabo-verdianas.

José Agnelo Sanches – Economista e Consultor

Se por um lado temos vindo a ser confrontados com a ineficiência do sector de produção de electricidade, por outro, o custo elevado das importações dos combustíveis fósseis, devido à pequenez e à fragmentação do mercado, têm sido também algumas das consequências que depois revertem no preço final do custo da energia, que é, naturalmente, repassado ao consumidor final. A situação, mesmo com oscilações, não mudou muito ao longo dos anos.

“A importação conjunta dos dois operadores que actuam no sector dos combustíveis não mudou estruturalmente esta situação, pelo que que o custo de electricidade continua a ser um dos mais elevados do mundo e o sector de abastecimento de navios e de aviões (bunkering) é menos competitivo que as Ilhas Canárias e Dakar, não obstante que a situação geoestratégica de Cabo Verde seja melhor que a dos seus concorrentes”, começa por analisar José Agnelo Sanches.

Neste contexto, esse especialista não tem dúvidas que a evolução, a longo prazo, do custo da energia é também uma grande ameaça para a competitividade de Cabo Verde, no futuro.

“Com o aumento anual da demanda de energia, em cerca de 7-8%, combinado com o aumento de preços dos combustíveis fósseis, acima dos 10%, o custo das importações de combustíveis tem conhecido aumentos galopantes, de cerca de mais de 12 vezes”, contextualiza.

Por esta razão, José Agnelo Sanches realça que se estima que a demanda de energia e os preços de combustíveis fósseis continuarem nesta década, ao mesmo nível (e as crises tem contribuído para aumentos para além das previsões), as despesas de importação poderão conhecer aumentos superiores, cerca de 20 vezes mais, pressionando fortemente a balança de pagamentos de Cabo Verde no futuro, bem como a competitividade da economia nacional.

“Neste sentido as iniciativas dos sucessivos governos de trabalhar no sentido de aumento da taxa de penetração das energias renováveis em 50% e estudos no sentido de uma opção utilizando 100% de Energia Renovável até 2050, bem como a identificação de medidas de eficiência energética, parecem muito acertados”, observa.

Custos de água e energia representam 40 a 45% dos custos de produção

Até porque, como observa, há que contrariar o cenário que aponta que os custos da água energia representam, em média, cerca de 40 a 45% dos custos de produção em Cabo Verde, sendo que o custo de água para agricultura ronda os 19 a 22%, e o custo de energia para restauração, serviços e indústrias transformadoras cerca de 25 a 30%.

A água e energia são, por isso, recursos estratégicos para toda a actividade económica em qualquer parte do mundo e Cabo Verde não foge à regra, especialmente tratando-se de um pequeno Estado insular com especificidades muito próprias.

Desta forma, este especialista reitera que a irregularidade de acesso, os seus custos elevados e a disponibilidade precária destes dois bens essenciais impactam, de sobremaneira, em toda a economia, bloqueando a produção e a distribuição e afectando a competitividade de produtos e serviços, bem como a atractividade da economia no seu todo.

Desafios

Neste contexto, persistem ainda inúmeros desafios para que o sector da água e energia em Cabo Verde possa dar resposta aos empresários nacionais e estrangeiros que querem investir em Cabo Verde, no futuro. Neste caso três desafios concretos e que não são novidade nem para as autoridades nacionais, nem para os operadores, nem para os empresários e nem para o cidadão comum. Ou seja, a disponibilidade precária, a irregularidade nos fornecimentos e os custos elevados.

Até porque, se contextualizarmos os dados do Inquérito Multi-Objectivo Contínuo (IMC-2024), analisados por Agnelo Sanches, 43,9% dos agregados familiares em Cabo Verde tiveram acesso a quantidades insuficientes de água para satisfazer as suas necessidades em 2024. A mesma fonte aponta que 52,3% da população do meio rural sentiu a necessidade de água, uma proporção maior do que no meio urbano.

“A problemática da água constitui um dos maiores desafios de Cabo Verde. Cerca de 80% da água para o consumo doméstico em Cabo Verde é dessalinizada e com um elevado custo de energia, com implicação directa na tarifa da água, considerada uma das mais elevadas em África”, observa o economista.

Progressos significativos

Porém, não obstante estes desafios, José Agnelo Sanches faz questão de realçar que, mesmo assim, o país tem feito progressos significativos na promoção do acesso da água potável às populações, tendo, antecipadamente, atingido, em 2007, os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM) nessa matéria, previstos para 2015.

“E estamos no bom ritmo quanto à realização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 2030, no caso, o ODS 6 – Água potável e saneamento: assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos, e o ODS 7 – Energia Acessível e Limpa, já referidos”, observa.

Contudo, do seu ponto de vista, esses avanços, mascaram a desafiante realidade do sector hídrico no país, ocultando as disparidades entre o meio rural e o urbano. Ou seja, os altos custos e grandes ineficiências na gestão do sector, a qualidade do serviço, a frequência dos cortes e o fornecimento ainda insuficiente.

“A realidade é que o consumo de água per capita em Cabo Verde está ainda abaixo dos mínimos globalmente recomendados pela OMS. Estima-se que ainda cerca de 30% da população do país não tem acesso à rede pública de abastecimento de água. Por outro lado, a população que abastece fora da rede paga um preço muito superior à média do preço cobrado na rede”, justifica.

Cumprir efectivamente os planos

Quanto ao que deve ser feito para aumentar a eficiência do sector com benefícios inerentes para todos, José Agnelo Sanches admite que já está tudo identificado e transformado em programas específicos, como o Plano Estratégico Nacional de Água e Saneamento (PLENAS) de 2015 e de 2025, para o sector da água e o Plano Diretor do Setor Elétrico, para o sector energético, assim como o projeto “Acesso à Energia Sustentável para a Gestão dos Recursos Hídricos: Nexo Energia-Água”.

No entanto, como finaliza, fica o “enorme desafio” de realizações atempadas, o que, no seu entender, implica uma aceleração nos investimentos previstos e nas medidas de política.

*Publicado na Revista Iniciativa nº105

Publicado na Edição 945 do Jornal A Nação, de 09 de Outubro de 2025

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