Na sua senda de “terminar sete guerras”, o presidente americano Donald Trump pretende introduzir uma mudança na condução do dossiê Sara Ocidental, até agora seguido pelas Nações Unidas. Dentro de nove dias o Conselho de Segurança da ONU deverá voltar a pegar no dossiê que nos últimos cinquenta anos opõe Marrocos e o Sara Ocidental. A proposta de resolução americana pretende afastar o referendo de autoderminação da ONU pela autonomia proposta por Marrocos.
Com o objectivo de provocar uma mudança no ‘status quo’ deste processo, a administração americana preparou um projecto de resolução para pressionar o CS da ONU, escreve o jornal espanhol El Independiente. A vontade de Trump é que este organismo abandone definitivamente o princípio da autodeterminação e adopte um plano para uma “verdadeira autonomia sob a soberania marroquina”, como “a solução mais realista” para o conflito. O projecto americano, que goza do apoio expresso da França, vai directo aos anseios de Rabat.
Se o texto “reafirma o seu compromisso a ajudar as partes a encontrar uma solução política justa, durável e mutualmente aceitável”, o projecto de Trump “toma nota do apoio expresso pelos EstadosTrump favorece Marrocos e manobra para detonar autodeterminação de Sara Ocidental -membros à proposta de autonomia de Marrocos, séria, credível e realista”.
A proposta preparada pela administração americana sugere ainda “o apoio às negociações baseadas na proposta de autonomia de Marrocos com vista a chegar a uma resolução justa e definitiva do diferendo”. Sublinha ainda que a futura resolução deverá “proporcionar uma autonomia autêntica no seio do estado marroquino, garantindo a autodeterminação do povo do Sara Ocidental.”
Na prática, como afirmam vários observadores, trata-se da primeira tentativa explícita de substituir o referendo de autodeterminação da ONU por um modelo de descentralização controlada, na linha da estratégia que Rabat defende desde 2007, a partir de uma proposta de três páginas marroquina, elaborada em conjunto com a França.
A natureza autocrática da monarquia marroquina e a falta de liberdade e de respeito pelas minorias, segundo os críticos desta proposta, tornam ‘de facto’ impossível qualquer ideia de autonomia.
Outra curiosidade no texto do projecto americano é este “saudar a liderança do presidente Trump na resolução do conflito”, uma referência inabitual da linguagem oficial do Conselho de Segurança, que os observadores consideram que pretende ser um eco dos “sete conflitos” resolvidos, desde a entrada de Trump em funções.
Rússia e Argélia
A grande dúvida agora é o que vai fazer a Rússia de Putin, que preside neste momento o CS, face a esta proposta de resolução de Trump. Para além de ser um velho aliado da Argélia, a Rússia é o único membro permanente com a capacidade e motivos para vetar a iniciativa de Trump.
Apesar de ter recebido recentemente, em Moscovo, o seu homólogo marroquino, Nasser Bourita, Serguei Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, referiu na sua declaração, depois do encontro, que os conflitos africanos devem ser resolvidos “pelos meios políticos e diplomáticos e no respeito pleno da Carta das Nações Unidas”. Mas se Moscovo decidir-se pela abstenção, a resolução será adoptada sem problema.
Por seu lado, a Argélia, principal aliado da Frente Polisário e do Sara Ocidental, é esperado que introduza emendas de último minuto à proposta de Trump. E vai avisando que o povo sarauí “não renunciará à direito inalienável de decidir o seu destino”. Sublinha, ainda, que mesmo aprovada a resolução não será vinculativa, pois não foi aprovada no quadro do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas.
Quanto a Marrocos, é esperado que reafirme o apoio da Espanha, da França, do Reino Unido e dos Estados Unidos, que consideram que a autonomia marroquina como “a base mais realista e duradoura” para uma solução definitiva.
Joaquim Arena
Publicado na Edição 947 do Jornal A Nação, de 23 Outubro de 2025



