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Cultura

Câmara, LIGOC e grupos em passos trocados

O Carnaval de São Vicente continua na berlinda em risco. Não obstante o “boicote” de três importantes grupos, a Câmara Municipal, apoiada pelo presidente do LIGOC, Marco Bento, garante que a festa vai acontecer. No meio da celeuma, acusações e contra-acusações, o rei Momo continua a ser disputado não apenas na avenida, mas também nos bastidores do poder. 

Apesar das divergências, há um ponto em que todos concordam: o Carnaval é um importante motor económico para São Vicente, principalmente agora que a ilha precisa de se erguer dos estragos causados pela tempestade de Agosto passado. 

“Os valores económicos que o carnaval do Mindelo movimenta são enormes e sem igual em Cabo Verde, pela sua complexidade social, cultural, de criatividade e financeira. É urgente que se faça um estudo para podermos falar de números porque sem dados é difícil de se pronunciar”, afirma o empresário Eduíno David Soares.

A população, contudo, não precisa de estatísticas para perceber os benefícios. As vendedeiras ambulantes garantem que é nesta altura que mais facturam. “No Carnaval, vendemos tudo. É a semana em que conseguimos pôr dinheiro de lado para o resto do ano”, diz Maria de Lurdes, que há mais de duas décadas monta a sua banca de comidas na Praça Nova. 

Os hoteleiros falam em ocupação a 100%, os restaurantes enchem-se de clientes e a cidade vive uma movimentação intensa na semana que antecede e sucede o reinado do rei Momo. Para os operadores turísticos, o Carnaval é a vitrine internacional de São Vicente, atraindo visitantes de várias partes do mundo.

A Câmara Municipal garante o espectáculo 

Perante o anúncio do Conselho Deliberativo da LIGOC-SV, em apoio aos grupos Monte Sossego, Estrela do Mar, Vindos do Oriente e Escola de Samba Tropical, de que não haverá desfile nem concurso oficial no carnaval de 2026, por culpa da Câmara Municipal, esta apressou-se a tranquilizar a população. 

Em conferência de imprensa, o edil Augusto Neves, acompanhado pelo presidente da LIGOC-SV, Marco Bento, e pelos vereadores Rodrigo Martins e José Carlos, garantiu que o Carnaval de 2026 vai acontecer, sim senhor, no Mindelo.

“O Carnaval é do povo de São Vicente. E o povo pode contar com a sua Câmara Municipal”, disse Neves, sublinhando que a edilidade não vai permitir que a cultura mindelense seja usada como instrumento de disputa política. O autarca destacou ainda que, mesmo após os impactos da tempestade Erin, a Câmara tem assegurado estabilidade e apoio institucional, com financiamento regular e transparente. Para Neves, a não participação de alguns grupos resulta de divergências internas e não de falhas da autarquia.

A divisão dentro da LIGOC 

A posição da LIGOC-SV tem sido marcada por contradições. Enquanto o Conselho Deliberativo, em apoio aos quatro grupos “revoltosos” – Monte Sossego, Estrela do Mar, Vindos do Oriente e Escola de Samba Tropical – anunciou que não vão participar em qualquer desfile oficial, o presidente da Direcção Executiva, Marco Bento, procurou demarcar-se dessa decisão.
A sua postura tem, contudo, gerado estranheza. Bento apareceu ao lado de Augusto Neves, numa conferência de imprensa, no Paços do Concelho, em que se discutiu a possibilidade de rescindir o acordo com a Liga, mas ausentou-se da conferência dos próprios elementos da LIGOC, alegando estar doente. Esta dualidade de presenças e ausências tem sido interpretada como uma demarcação em relação aos “revoltosos”, posicionando-se mais próximo da Câmara Municipal e dos grupos Cruzeiros do Norte e Flores de Mindelo.

Vozes da população 

Na rua, a população reage com preocupação e desconfiança. “O Carnaval não pode parar. É a nossa festa, é o que nos dá alegria e também sustento”, afirma João Carlos, motorista de táxi que todos os anos vê os seus rendimentos duplicarem durante a semana da folia. Para os jovens, o Carnaval é também um espaço de afirmação cultural. 

“É o momento em que mostramos a nossa criatividade, a nossa força. Não pode ser destruído por brigas de dirigentes”, diz Ana Paula, estudante universitária e integrante de um grupo carnavalesco.

Empresários pedem clareza 

Os empresários locais exigem clareza e estabilidade. “O Carnaval é uma marca de São Vicente. Não podemos brincar com isso. Precisamos de garantias para investir, para preparar pacotes turísticos, para mobilizar recursos”, afirma Jorge Lima, dono de uma agência de viagens. 

Para os hoteleiros, qualquer incerteza pode significar cancelamentos e avultados prejuízos. “Os turistas querem segurança. Se houver dúvidas sobre o desfile, eles não vêm”, alerta Carla Monteiro, gerente de um hotel no centro da cidade.

O futuro em disputa 

Com a Câmara Municipal a garantir que haverá Carnaval e a LIGOC dividida, o brilho do carnaval de 2026 permanece em aberto. Com apenas dois grupos, a competitividade estará, à partida, comprometida e com ela parte da emoção que tem caracterizado o Carnaval mindelense.

Quem também parece ter a sua sobrevivência em risco é a LIGOC. Afinal, quem representa ela neste momento, com Augusto Neves a ameaçar voltar a chamar para a Camara a responsabilidade de voltar a organizar o Carnaval, garantindo transparência, eficiência e respeito pelos artistas, trabalhadores e para com a população? 

João A. do Rosário

Publicado na Edição 951 do Jornal A Nação, de 20 de Novembro de 2025

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