
Por: Sónia Almeida
Já lá vão três meses e meio desde que a tempestade Erin quase destruiu São Vicente.
Hoje, os danos continuam a aumentar com o efeito da erosão, mas com um agravante: a ilha encontra-se ainda mais frágil, vulnerável a qualquer nova chuva ou tempestade, em particular à prevista para 2 de Dezembro, que poderá transformar prédios em escombros e ruas em armadilhas mortais, com risco real de colapsos e vítimas.
No Alto do Fortim, como noutras zonas, os buracos continuam a aumentar, os cabos eléctricos permanecem expostos e os esgotos partidos exalam odores nauseabundos, uma imagem vergonhosa e indignante que denuncia a negligência e a prepotência das autoridades.
Cada alerta enviado ao Governo central ou local é recebido com silêncio absoluto. Quanto mais se protesta, mais se sente o peso da prepotência do poder. É como se cada carta, cada denúncia, nos tornasse duplamente vítimas: da tempestade e do Estado que finge ouvir enquanto nos condena à impotência.
A responsabilidade das autoridades
Não se trata apenas de negligência: trata-se de falha deliberada na proteção da população.
O Governo e a autarquia sabem que a ilha está em risco. Sabem que os buracos aumentam com o vento e que as chuvas iminentes podem provocar colapsos, mortes e destruição irreversível. E, ainda assim, escolhem o silêncio. Escolhem a inacção.
Essa postura não é acidental: é a expressão de um poder autocrático, que se alimenta do medo, da submissão e da impotência da população.
Enquanto isso, e correndo o risco de bater na mesma tecla, uma vez mais, os fundos internacionais anunciados para reconstruir São Vicente, incluindo do Banco Mundial, permanecem envoltos numa espessa névoa de mistério.
Ninguém sabe onde estão, em que projetos são aplicados ou quando começarão as obras estruturais. Nem sequer conseguiram dar números aos parceiros internacionais, o que, a meu ver, leva muita água no bico.
Depois do Fogo Gate, em 2014, já sabemos como estas promessas terminam. Agora, Mindelo Gate ameaça repetir a história.
O império da impotência e do silêncio
Quanto mais clamamos por justiça, mais sentimos a força esmagadora da prepotência.
É como estar entre o silêncio e o mal: uma população inteira vulnerável, privada de protecção e informação, refém de um poder que se comporta como regime totalitário, que quer, pode, manda e desmanda.
O que vemos não é apenas abandono: é um padrão de opressão institucionalizada, onde cada chuva é um teste à submissão da população e cada buraco um lembrete do desdém do poder.
Consequências previsíveis
A continuidade deste silêncio e desta negligência terá efeitos trágicos:
-Prédios prestes a desabar;
-Risco de mortes iminentes;
-Cratera aberta na confiança da população;
-Reforço de um ciclo de opressão e medo, típico de regimes autocráticos;
-A perpetuação da vulnerabilidade estrutural, deixando a ilha à mercê do próximo desastre natural.
A verdade é dura: não é só a tempestade que destrói São Vicente. É também a gestão prepotente e autocrática do poder, marcada pelo profundo desprezo pelos eleitores e pela ilha de S. Vicente, que transforma a catástrofe em instrumento de opressão.
Três meses e meio depois de Erin, São Vicente continua a sobreviver, mas em perigo permanente.
Enquanto o Governo se cala e a autarquia adia, o buraco cresce, os riscos aumentam e a população permanece impotente diante do silêncio e da arbitrariedade do poder.
Se nada for feito com transparência, responsabilidade e coragem, a próxima chuva não será apenas mais uma tragédia natural: será a prova de que um regime autocrático pode transformar uma catástrofe em instrumento de dominação e medo.
Dizia-me um amigo, recentemente, que o grande problema é que o Presidente da CMSV não gosta de São Vicente. Concordo.
Mas não é o único: o Governo central e a autarquia agem como farinha do mesmo saco, combinando desprezo e uma espécie de vingança deliberada, alimentada pela certeza de que ninguém será responsabilizado.
Essa impunidade transforma a inacção em instrumento de poder, agravando o risco e reafirmando a dominação sobre a população.



