A Associação Cabo-verdiana das Mulheres Juristas (AMJ) apresentou esta quarta-feira, o projecto “Rede Segura – Fortalecer a Sociedade Civil contra o Tráfico de Pessoas”, durante uma conferência na cidade da Praia. A iniciativa, financiada pela Embaixada da Irlanda em Portugal, visa fortalecer a prevenção, a proteção das vítimas e a capacidade de resposta institucional e comunitária perante um fenómeno considerado invisibilizado e subnotificado no país.
Em Cabo Verde, o tema do tráfico de pessoas tem ganhado cada vez mais notoriedade por parte das entidades e organizações da sociedade civil. Há uma percepção de que o país enfrenta uma crescente vulnerabilidade ao fenómeno, sobretudo devido à sua posição geográfica.
Além disso, os fluxos migratórios intensos, os factores socioeconómicos, as desigualdades sociais, o desemprego e as limitações institucionais são apontados como aspetos que agravam o risco de exploração, especialmente de mulheres e meninas. Embora o país tenha vindo a reforçar o seu quadro jurídico e institucional nesta área, têm sido identificadas algumas fragilidades que comprometem a eficácia da resposta nacional, nomeadamente no que se refere à identificação e encaminhamento dos casos, formação de profissionais, coordenação entre as instituições, produção de dados, estigmatização das vítimas e sensibilização das comunidades.
De acordo com a presidente da AMJ, Helena Ferreira, no âmbito da sua actuação jurídica e comunitária, a associação tem identificado um aumento de situações de vulnerabilidade, especialmente entre jovens que têm saído do país com promessas de oportunidades de trabalho no exterior duvidosas.
“Este projecto surge da necessidade de trabalhar este tema na comunidade, com os profissionais, escolas e outros setores, mas também de reforçar a nossa capacidade de intervenção e de proteção de mulheres, meninas e outros grupos vulneráveis”, explica.
O objetivo, adianta, é contribuir para “uma maior consciencialização sobre o tráfico e reforçar a capacidade da sociedade civil na intervenção, na abordagem e na denúncia de casos”. Tratando-se de uma problemática que exige coragem, empatia e determinação, a dirigente reitera que o projeto é “um apelo à ação para cooperar, denunciar, proteger e transformar, com solidariedade e, sobretudo, com humanidade”.
Especialistas alertam para desafios judiciais, sociais e psicológicos
Alinhado com o Plano Nacional de Ação para Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas (2022–2026), o projecto conta com o financiamento da Embaixada da Irlanda em Lisboa, no âmbito do In-Country Micro-Projects Scheme (ICMPS).
A cerimónia de lançamento contou com a intervenção da representante da entidade financiadora, Kathryn Glen. A sessão foi presidida pela Ministra da Justiça, Joana Rosa, que salientou que o projeto reafirma, de forma clara, que “Cabo Verde não aceita que a dignidade de nenhuma pessoa seja colocada à venda”. A governante recordou que o tráfico de pessoas é um crime global e complexo, que faz milhões de vítimas por ano, a que o país não é imune.
A juíza Ângela Rodrigues explorou os desafios judiciais na investigação e julgamento dos crimes de tráfico de pessoas. O sociólogo Redy Wilson Lima abordou factores sociais e económicos que potenciam as vulnerabilidades ao tráfico em Cabo Verde, enquanto o psicólogo social Jacob Vicente analisou o impacto psicológico do tráfico nas vítimas. Por fim, a perita médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, Cleonice Centeio, destacou a importância da perícia na proteção das Vítimas de Exploração e Violência.
Acções comunitárias, formações e estudo
O projecto vai ser implementado durante dois anos nas ilhas de Santiago, pela densidade da população, São Vicente, pela sua relevância enquanto centro urbano, e Sal, por ser uma ilha essencialmente turística e caracterizada por um intenso fluxo de entrada e saída de pessoas.
O plano inclui a realização de ações comunitárias, formações técnicas especializadas para profissionais da justiça, educação, proteção social e segurança, um estudo diagnóstico nacional para mapear vulnerabilidades e orientar políticas públicas, assim como acções de advocacy e campanhas de sensibilização pública.
Para a implementação dessas acções, o projecto vai contar com o apoio técnico do Colectivo Mulher Vida, uma reconhecida organização do Brasil que actua há mais de três décadas no combate ao turismo sexual e ao tráfico de mulheres, crianças e adolescentes. Para a Presidente da AMJ, “o intercâmbio vai permitir reforçar acções de capacitação, mobilização social e partilha de boas práticas”.
No entender de Helena Ferreira, só uma resposta integrada poderá tornar visível um crime que continua oculto nas comunidades e nas estatísticas nacionais. Assim, espera que o projeto contribua para que a resposta nacional ao fenómeno seja mais estruturada, colaborativa e sustentável, e se assuma como “um compromisso com a dignidade humana, com a igualdade e com a justiça”.
Ilda Fortes
Publicado na Edição 953 do Jornal A Nação, de 04 de Dezembro de 2025



