Cova Minhoto, bairro costeiro da cidade da Praia, onde era permitido construir apenas moradias unifamiliares de dois pisos, está a tornar-se uma zona de especulação imobiliária, com a construção de prédios a escassos metros do mar, desrespeitando zona integrada no Domínio Público Marítimo. Tudo isso com a conivência da CMP, IMP e a Direção Nacional do Ambiente.
A NAÇÃO esteve em Cova Minhoto, a pedido de um grupo de moradores, onde pôde constatar, in loco, várias irregularidades urbanísticas e ambientais, que também colocam em risco as moradias já edificadas. Algumas já apresentam fissuras nas suas estruturas, por causa de vibrações derivadas da escavação de rochas de alguma dureza na orla marítima.
Os moradores da Cova Minhoto alertam para graves irregularidades no licenciamento e execução do projecto imobiliário de uma conhecida empresa do ramo, implantado a escassos metros do mar, numa encosta costeira sensível e sem rede de esgoto — zona integrada no Domínio Público Marítimo.
O projecto, segundo as nossas fontes, foi aprovado pela Câmara Municipal da Praia (CMP) com cinco pisos, embora a planta de localização se limite a dois pisos. Três dos pisos foram classificados como “caves”, mas encontram-se totalmente expostos, habitáveis e com piscina e jacuzzi, contrariando a definição técnica e legal de cave.
“Além disso, um lote originalmente destinado a moradia unifamiliar, está a ser construído um prédio com 10 apartamentos, sem que exista qualquer instrumento urbanístico que suporte esta mudança”, alegam os denunciantes.
Adicionalmente, conforme pudemos constatar, os afastamentos mínimos obrigatórios — tanto laterais como marítimos — não estão a ser respeitados, com partes da estrutura a invadir áreas obrigatórias de afastamento, comprometendo a segurança e acesso ao mar.
De acordo com os moradores, a autorização ambiental classifica “incorretamente” a zona como “meio urbano”, ignorando que se trata de uma encosta costeira sensível, inserida no Domínio Público Marítimo, sem rede de esgoto, com vias estreitas e infraestruturas deficitárias.
“Esta classificação contradiz os princípios legais aplicáveis ao Domínio Publico Marítimo (DPM), nomeadamente a obrigatoriedade de respeitar as servidões públicas e restrições de uso típicas dessas zonas. Além disso, a descrição do projeto constante da Autorização Ambiental diverge do projeto aprovado pela CMP — nomeadamente na área bruta de construção e na omissão de elementos significativos como uma segunda piscina e um jacuzzi.
Estas omissões, consoante os nossos interlocutores, “são particularmente graves” num terreno de rocha dura e de difícil impermeabilização, onde tais estruturas implicam risco direto de infiltrações para o mar e impactos significativos sobre o talude, as habitações vizinhas e os ecossistemas marinhos.
Acrescem ainda que toda esta zona costeira onde o projecto está a ser implantado tem um valor estratégico e simbólico para toda a cidade da Praia. “Trata-se de uma área de elevada relevância ecológica, económica e social”.
É ali, alegam os visados que “dezenas de pescadores — de bote, mergulhadores e pescadores de pedra — retiram o seu sustento diário, sendo comum observar mais de 20 embarcações em plena atividade nesta faixa marítima. É também uma zona com presença frequente de golfinhos e baleias, evidenciando a sua riqueza ecológica e sensibilidade ambiental”.
Para além disso, “esta zona é um dos principais pontos de lazer e convívio da capital, acolhendo semanalmente muitas pessoas que ali se reúnem para os tradicionais piqueniques de fim-de-semana, conhecidos como Karákas”.
Consideram, por outro lado, que, “Intervenções agressivas” nesta área comprometem não apenas o equilíbrio do ecossistema marinho, mas também o direito da população ao usufruto de um espaço público identitário e culturalmente significativo.
Os moradores relatam o surgimento de graves fissuras estruturais em casas vizinhas, resultantes do corte intensivo e descontrolado das rochas, com o objetivo de viabilizar os três pisos abaixo da cota da estrada — designados no projeto como cave, subcave e sub-subcave.
“Estas operações têm sido conduzidas com maquinaria pesada, sem qualquer contenção técnica visível. Equipamentos de grande porte, com piso rolante de ferro, circulam diariamente em ruas estreitas e com pavimento delicado, danificando calçadas e comprometendo a segurança da via pública”.
Fazem questão de sublinhar que essa zona não possui infraestrutura viária adequada para suportar esse tipo de intervenção, “o que agrava ainda mais os impactos estruturais, ambientais e urbanos já registados”.
Dizem ter contactado a CMP, a Direção Nacional do Ambiente, o Instituto Marítimo e Portuário há mais de uma semana no sentido de se fazer uma reavaliação dos licenciamentos emitidos para que se possa suspender as obras até esclarecimento das incongruências, mas ainda não obtiveram qualquer resposta nesse sentido.
Contactamos as três entidades envolvidas no processo de licenciamento dessa obra na orla marítima da Cova Minhoto, mas até o fecho desta edição as nossas perguntas não foram respondidas.
Daniel Almeida
Publicado na Edição 953 do Jornal A Nação, de 04 de Dezembro de 2025



