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Desde o IPAJ até à Ordem

Por: Germano Almeida

Quando a Ordem dos Advogados de Cabo Verde comemorou os seus 20 anos de existência, a bastonária da mesma, na altura a dra Sofia Lima, encomendou ao dr. Brito-Semedo a elaboração de uma brochura que viria a ser publicada com o titulo de “A advocacia em Cabo Verde – Um breve Historial» no qual, além do mais, se falou do que tinha sido o desempenho dos advogados durante a longa existência do Instituto do Patrocínio e Assistência Judiciária e onde, quer nós advogados nele inscritos, quer o próprio IPAJ, saímos razoavelmente bem descritos, sem especiais razões de queixa do tratamento que nos foi concedido pelo autor.

    Agora que a Ordem dos Advogados completou 25 anos, o atual bastonário, dr Júlio Martins, não encomendou uma brochura, porém concedeu uma entrevista ao mesmo dr. Brito-Semedo, publicado no jornal Expresso das Ilhas, onde o IPAJ em si é deixado nas ruas da amargura: Da entrevista do bastonário retiro a seguinte pergunta e respetiva resposta:

     “A independência dos advogados e a defesa dos direitos fundamentais são hoje realidades sólidas?

  Resposta: Acreditamos que sim. Ao longo destes vinte e cinco anos, é importante perceber como foi tratado este tema tão relevante da independência dos advogados. Pouca gente sabe que, logo após a independência, houve um Decreto-Lei que declarava o exercício da advocacia privada em Cabo Verde incompatível com os desígnios da nação… Logo de seguida foi institucionalizado o IPAJ (Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica). O IPAJ foi criado pelo Estado de Cabo Verde para centralizar o exercício das profissões forenses, nomeada a de advogado e a de solicitador. Posteriormente, graças à luta incansável e corajosa de alguns advogados da nossa praça, conseguimos evoluir para a institucionalização da Ordem dos Advogados, precisamente porque procurávamos esse elemento estruturante do exercício da profissão – a independência”…

   Para não ter de citar toda a longa entrevista, vou retirar apenas as partes que acho mais significativas, isto é, aquelas em que o nosso bastonário diz que a atividade do advogado era organizada e controlada pelo Estado, que “o IPAJ acabou por centralizar no Estado o exercício da advocacia”; “…não era possível garantir um efetivo exercício do direito de defesa dos cidadãos. Durante esse período, os cidadãos acabaram prejudicados com a criação dessa entidade (IPAJ), porque houve uma regressão na atuação dos advogados no país”.    

   Ainda que eu não queira desmentir o nosso bastonário, a brochura acima referida, encomendada pela Ordem dos Advogados ao dr Brito-Semedo, conta algo muito diferente das palavras do mesmo, isto é, prova que o IPAJ nunca foi a instituição apagada que na entrevista se quer fazer crer.

   Aliás, a propósito dos 50 anos da nossa independência, tive oportunidade de escrever neste mesmo jornal um longo texto que, a ter sido lido, teria certamente esclarecido perfeitamente aqueles que não conhecem a história do que foi e para que serviu o IPAJ, e posso garantir que todos os advogados e solicitadores que estiveram inscritos nessa instituição se orgulham das páginas que fomos escrevendo ao longo dos anos da sua existência. Nós que conhecemos a história do IPAJ, não de ouvir contar, mas por tê-la vivido, sabemos que podemos orgulhar de nunca termos permitido que ninguém, fosse do poder político, fosse do poder judiciário, se imiscuisse no exercício da profissão de advogado ou se permitisse desrespeitar ou tratar com menos decoro um profissional do foro. Mais: sempre que se mostrou necessário apoiar um colega, o IPAJ uniu-se como um só homem e fez frente, quer ao poder político, quer ao poder judicial.

  Diz o nosso bastonário: “Houve um grupo de advogados que, no tempo do IPAJ, criticou o funcionamento do sistema de justiça, nomeadamente a forma como os magistrados eram nomeados…”

   Pois bem, fomos nós enquanto IPAJ. Não foi um grupo, foram todos os advogados inscritos, foi um documento longo no qual se escalpelizou os males da justiça em Cabo Verde na altura, 1988, por sinal exatamente iguais aos que continuam acontecendo hoje em dia. 

     O documento, publicado no Voz di Povo, foi assinado por pessoas que poucos anos depois viriam desempenhar papel político de relevo no país: o dr Carlos Veiga foi por muitos anos presidente do IPAJ, o dr Eurico Correia Monteiro igualmente; mas também assinaram os colegas Rui Araújo, Arnaldo Silva, Alfredo Teixeira, Silvestre Évora, Armindo Figueiredo e tantos outros que honraram a profissão de advogado com dignidade, indiferentes a eventuais ameaças, que nessa época já existiam, de os processos por eles patrocinados ficarem, por vingança dos magistrados, a dormir nos tribunais.

 Que fique, pois, claro que o IPAJ nunca dificultou, antes pelo contrário, possibilitou e encorajou as mais amplas liberdades para o pleno exercício de uma advocacia livre, digna, que honrou todos os profissionais nele inscritos, particularmente porque os advogados sabiam que podiam contar com o apoio ativo dos colegas (como aliás aconteceu diversas vezes).

  De modo que a extinção do IPAJ e a sua substituição pela Ordem dos Advogados não obedeceu a nenhuma busca de nenhuma maior liberdade e independência dos advogados, mas sim porque fazia parte da moda da altura, do mesmo modo que o Supremo Tribunal de Justiça substituiu o Conselho Nacional de Justiça e se trocou a bandeira nacional. 

   Porém, se a liberdade e independência se conquistasse pela simples existência de instituições, em lugar de fazerem parte integrante do nosso caráter pessoal, os profissionais do foro estariam certamente muito mais seguros no IPAJ onde a união e a solidariedade não eram palavras vãs e a perseguição a um advogado era encarada e tratada como sendo contra toda a classe que reagia prontamente e em uníssono. 

   Ora o medo que se ouve alguns advogados abertamente confessarem, medo dos males que os magistrados lhes podem causar, não obstante fazerem parte desse espaço de liberdade e independência que se diz que é a Ordem, nunca foi sequer imaginado durante a existência do IPAJ. Éramos todos felizes e não sabíamos, e o nosso Amadeu Oliveira a esta hora não estaria na cadeia!   

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