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O esquema de pirâmide ou a perigosa ilusão do dinheiro fácil

Por: João Serra*

Segundo relatos difundidos em publicações nas redes sociais e em conversas quotidianas – nos serviços, nos cafés e nas ruas – muitos cabo-verdianos terão caído, recentemente, no golpe do chamado “esquema de pirâmide”, isto é, na ilusão do dinheiro fácil. 

Em Cabo Verde, onde a ostentação há muito vem ganhando terreno, a pressão para demonstrar sucesso imediato agrava o problema. Ver colegas de trabalho, vizinhos, familiares ou amigos a exibir lucros (temporários) gera o receio de ficar de fora – o conhecido FOMO (“Fear of Missing Out”).

É este sentimento que, frequentemente, leva famílias a levantar poupanças bancárias, vender bens ou contrair empréstimos para “investir” no vazio, atraídas por promessas de ganhos astronómicos, imediatos e supostamente garantidos.

Os esquemas de pirâmide não constituem um fenómeno marginal nem uma sucessão episódica de burlas ingénuas. São estruturas financeiras fraudulentas recorrentes, altamente adaptáveis e historicamente persistentes, que exploram expetativas económicas frustradas, défices de literacia financeira e ambientes institucionais vulneráveis.

A lógica é simples, repetitiva e inexorável: não há criação de valor económico. O dinheiro dos novos aderentes serve para pagar rendimentos aos participantes mais antigos, criando a aparência de um negócio rentável e sustentável. Enquanto a entrada de novos fundos se mantém, o sistema aparenta funcionar; quando esse fluxo abranda, o colapso torna-se inevitável. 

Este modelo foi popularizado no início do século XX por Charles Ponzi, que prometia retornos extraordinários com base em supostas oportunidades de arbitragem internacional. O esquema ruiu rapidamente, deixando milhares de lesados – mas a fórmula sobreviveu.

Ao longo da história, a pirâmide reapareceu sob múltiplas formas. Nos anos 1990, a Albânia viveu um dos exemplos mais dramáticos: esquemas financeiros ilegais envolveram cerca de dois terços da população adulta, culminando num colapso económico que desencadeou instabilidade política e quase uma guerra civil em 1997.

Em Portugal, o caso da chamada “Dona Branca” demonstrou como promessas de juros muito acima do mercado podiam prosperar durante anos, sustentadas por confiança social e fraca supervisão financeira.

Mais recentemente, o colapso do esquema de Bernard Madoff, nos Estados Unidos – avaliado em dezenas de milhares de milhões de dólares – evidenciou que nem investidores institucionais nem sistemas financeiros avançados estão imunes. A fraude persistiu durante décadas, sustentada pela reputação do seu promotor e por uma aura de sofisticação técnica. 

O episódio foi um alerta global: quando a promessa de rendimentos estáveis ignora os fundamentos económicos, a fraude pode esconder-se à vista de todos.

Na atualidade, os esquemas de pirâmide raramente se apresentam de forma rudimentar. Disfarçam-se como investimentos em criptomoedas, plataformas de negociação algorítmica, mineração digital, arbitragem cambial ou projetos associados à inteligência artificial. 

Casos recentes envolvendo colapsos de plataformas cripto, esquemas de “staking” com rendimentos garantidos ou promessas de rentabilidade fixa em ativos altamente voláteis mostram como a inovação tecnológica é usada como verniz de credibilidade para mecanismos essencialmente fraudulentos. 

A linguagem é sofisticada, os testemunhos multiplicam-se e os ganhos iniciais funcionam como prova social. Contudo, a regra fundamental dos mercados permanece inalterada: não existem rendimentos elevados e garantidos sem risco.

Em economias pequenas e abertas como a cabo-verdiana, a mecânica da fraude assume contornos particularmente perversos devido à estrutura social. Somos uma sociedade de “rosto”, onde as relações interpessoais são a moeda mais valiosa. Os arquitetos destas fraudes exploram esse capital social através da chamada “fraude de afinidade”. 

O esquema não é vendido por um estranho; é promovido pelo primo, pelo padrinho, pelo colega de escritório que a vítima conhece há anos. Esta exploração da confiança – um abuso direto do espírito de “djunta-mon” – desarma o ceticismo natural. 

A vítima pensa: “Se determinada pessoa está a ganhar dinheiro e já levantou os lucros, então é seguro”. O que não percebe é que essa pessoa, muito provavelmente, está a ser paga com o dinheiro que a própria vítima acaba de depositar. Esta cadeia de traição involuntária é o que torna o colapso tão socialmente destrutivo.

Do ponto de vista técnico, a insustentabilidade destes esquemas é inequívoca. Mesmo assumindo taxas modestas de crescimento, o número de novos participantes necessários para sustentar os pagamentos cresce de forma exponencial. 

Num país com pouco mais de meio milhão de habitantes, essa progressão torna-se rapidamente impossível. O desfecho repete-se: a maioria perde, uma minoria ganha temporariamente e os organizadores desaparecem com os recursos, frequentemente transferidos para jurisdições externas, dificultando a recuperação dos ativos e a atuação das autoridades nacionais.

Do ponto de vista comportamental, importa desconstruir a psicologia da vítima e, mais inquietante, a do cúmplice. Em muitos casos, os participantes não são totalmente ingénuos. Existe um fenómeno de “cegueira deliberada” e de cinismo oportunista. Muitos entram conscientes de que se trata de uma pirâmide, mas acreditam que serão mais espertos do que o sistema, saindo antes do colapso. 

Esta mentalidade de “entrar cedo para sair cedo” transforma a vítima em predador. Quem recruta novos membros sabendo, ou suspeitando fortemente, que o esquema é insustentável, torna-se moral e criminalmente corresponsável pela fraude.

A resposta a este fenómeno não pode ser fragmentária nem episódica. Exige coordenação institucional, clareza normativa e uma atuação firme das autoridades públicas. 

A Polícia Judiciária e o Ministério Público têm um papel central na investigação e responsabilização criminal; os tribunais, na aplicação célere e efetiva da lei; e o Banco de Cabo Verde, enquanto autoridade de supervisão, na emissão de alertas, na fiscalização de atividades não autorizadas e na prevenção da captação ilícita de poupança junto do público. Num contexto de crescente digitalização financeira, a vigilância regulatória torna-se ainda mais exigente.

Mas a repressão, por si só, chega sempre tarde. A prevenção deve ser assumida como prioridade estratégica do Estado. A literacia financeira não é um acessório pedagógico, nem uma matéria exclusiva de especialistas: é uma dimensão essencial da cidadania económica. Integrá-la de forma sistemática no sistema educativo, reforçá-la através dos meios de comunicação social e promovê-la junto das comunidades é investir na resiliência da sociedade contra a fraude e o oportunismo.

Para concluir, é crucial compreender: um rendimento garantido de 10%, 20% ou 30% ao mês é uma aberração financeira; a promessa de dinheiro fácil e rápido é o marcador mais fiável de uma fraude.

Lembre-se que, na economia como na vida, se algo parece bom demais para ser verdade, é porque, invariavelmente, é mentira. 

Praia, 20 de dezembro de 2025

*Doutorado em Economia

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