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Outros natais longe da cidade grande

Por: Natalina Andrade

Alguém me perguntou como é a festa de Natal na minha aldeia. E absorvida que estou pelo Natal da “cidade grande” quase deixei escapar que não há festa de Natal na minha aldeia. De facto, onde nasci e cresci até chegar à maioridade, no interior de Santo Antão, entre montanhas imponentes e vales verdejantes, não se faz o Natal da cidade grande, da azáfama nas lojas de presentes, muito menos da corrida aos perus, ao pato e ao leitão.

Na minha aldeia não há ceia de Natal às 00 horas do dia 24, não há praça decorada para levar as crianças a ver o presépio do menino Jesus – nem praça tem -, não há luzes nem sinos pendurados pelas ruas. Na verdade, muitas vezes falta a luz do poste e da lâmpada da sala. Assim, em vez de confraternizar ao redor da mesa, vai-se mais cedo para a cama. Porque em época de muito consumo na cidade, alguém precisa pagar o pato, já que a potência disponível não chega para todos.

Na minha terra, no Natal, também não há resquícios da habitual corrida aos ovos que por esta altura, na cidade grande, parecem ser banhados a ouro. Ali os ovos são apanhados na capoeira ao lado, assim como o frango.

Mas, sim, há Natal na minha aldeia. Há lá um espírito natalício que transcende o material. Uma das memórias mais vivas que tenho do Natal e que ainda hoje me arranca suspiros de nostalgia são as “cantarolas” do vizinho logo cedo, quando chega para dar as “boas festas”, num coro que sempre mereceu a minha atenção, sem entretanto nunca o ter decorado na íntegra.

Daquilo que me vem à memória, era qualquer coisa como: “Boas festas, felizes por muitos anos. Que cheguemos ao próximo ano, no dia de hoje, com mais gosto e alegria, com menos pecados e serviço a Deus”. Claro, dito no crioulo mais puro, música para os meus ouvidos.

Era quase que uma obrigação, mas regada de muito gozo, sair de porta em porta a dar as Boas Festas, fortalecer os laços de boa vizinhança e até mesmo esquecer as desavenças, quando elas existiam.

Um pedaço de bolo? Talvez! Mas também um pedaço de cuscuz com mel de cana e queijo de terra. Papa de milho com leite de cabra, um prato de feijão verde ou guisado de cabrito, cuja carne não foi adquirida nas prateleiras de um talho, senão produzida em casa, ou comprada ao vizinho do lado.

Hoje me perguntaram como é o Natal na minha aldeia. E me veio à memória as recordações de um Natal feliz, sem presentes embrulhados, mas regado de muita alegria.

Na nossa sala não havia uma árvore de Natal. Quando muito, um postal com um Pai Natal desenhado na capa, enviado por um ente querido no estrangeiro, que cantarolava uma melodia natalícia sempre que o abríamos. E o abríamos repetidamente até secar a pequena pilha.

Hoje me perguntaram como é a noite de Natal na minha aldeia. Que prato confeccionamos? Bem. Na minha aldeia não há perus de Natal. Nem bacalhau importado. Há um vizinho que mata um porco, uma cabra ou um cabrito, e toda a gente vai lá comprar carne para o almoço do dia 25. Na véspera, papas de milho com leite de cabra. Esse último, tradição antiga e que hoje, certamente, já não vai a muitas mesas.

A bem da verdade, hoje, na minha aldeia, há muitas mesas que sequer recebem um prato, seja do que for. Muitas portas que não se abrem mais. Janelas com teias de aranha. O motivo? O que vai acontecendo um pouco por todo o nosso Cabo Verde. Zonas inteiras despovoadas, seja pela emigração, seja pela migração entre as ilhas. Vão ficando – e resistindo – apenas os mais velhos, que da vida já não esperam muito mais do que sossego e a tranquilidade da sua pacata aldeia.

Seja na aldeia ou na cidade grande, que não percamos de vista o essencial, que é aquilo que sobra quando, em Janeiro, a árvore é desmontada e engavetada à espera de um próximo Natal. Um Natal feliz e um ano novo próspero para todos.

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