A Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC) abriu um processo de contraordenação contra o Casino Royal, por violação do Código de Publicidade vigente no país em, pelo menos, quatro artigos. A lei prevê penas que podem ir desde multa a outras sanções acessórias.
A lei é clara no que concerne à publicidade de jogos de fortuna e azar. O artigo 23 do Código de Publicidade, aprovado em Conselho de Ministros e publicado em Boletim Oficial em 2007 (Decreto-Lei n.o 46/2007, de 10 de dezembro), estabelece que “os jogos de fortuna ou azar”, exceptuando os promovidos pela Cruz Vermelha de Cabo Verde, “não podem ser objecto de publicidade, enquanto objecto essencial da mensagem”.
Entretanto, na semana passada, a ARC recebeu denúncias, por parte de cidadãos e instituições, na sequência da afixação de outdoors publicitários do Casino Royal, na ilha do Sal.
As denúncias foram movidas, não apenas pela publicidade em si, que é ilegal, mas também pela forma e conteúdos escolhidos, que recorrem a símbolos religiosos e à objectificação da mulher e da maternidade.
As denúncias, conforme deliberação da ARC, de 12 de Setembro, recaíram sobre três outdoors específicos, cujo conteúdo foi caracterizado como “possível atentado à dignidade humana”, contendo “mensagem depreciativa sobre a maternidade, com indícios de discriminação em razão do sexo e atentado à dignidade”.
Igualmente, ainda sobre os mesmos recaí o uso depreciativo de símbolo religioso e conteúdo religioso como objeto da mensagem, com indícios de publicidade de jogos de fortuna ou azar, também proibidos por lei.
Com base nisto, o conselho deliberou, por unanimidade, abrir um processo de contraordenação contra o Casino Royal, por violação do disposto nas alíneas a), c), d) e h) do n. o1, e nos números 2 e 3, todos do Artigo 7.o, bem como do Artigo 23.o do Código de Publicidade.
Ainda, como medida cautelar, a ARC ordenou a suspensão das referidas publicidades, sem prejuízo da aplicação das sanções cabíveis, nos termos dos números 1 e 4 do Artigo 66.o do mesmo código, notificando tanto o Casino quanto a Câmara Municipal do Sal.
O Código de Publicidade A publicidade em Cabo Verde rege-se, entre outros, pelo princípio da licitude (artigo 7o), o que significa dizer que é proibida a publicidade que, pela sua forma, objecto ou fim, ofenda os valores, princípios e instituições fundamentais consagrados pela constituição.
Ainda, o mesmo artigo, no seu ponto 3, define que “apenas é permitida a utilização de línguas de outros países na mensagem publicitária quando tenha os estrangeiros como destinatários exclusivos ou principais”, admitindo, por outro lado, a utilização excepcional de palavras ou de expressões em línguas de outros países quando necessárias à obtenção do efeito visado na concepção da mensagem.
Todos estes pontos foram, consoante deliberação da ARC, violados pela publicidade do Casino em questão.
Afixação sujeita a licenciamento municipal
O Código de publicidade, no seu artigo 27, determina que a afixação de mensagens publicitárias está sujeita a licenciamento municipal, e que compete às assembleias municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental nas respectivas áreas de jurisdição, definir os critérios de licenciamento aplicáveis à afixação de mensagens publicitárias.
O licenciamento, porém, não pode incumprir os princípios assentes no diploma e demais legislação aplicável.
Após queixa apresentada à ARC e denúncia pública, tanto nas redes sociais, quanto pelo Instituto Cabo- -verdiano para a Igualdade e Equidade de Género, a Câmara Municipal do Sal emitiu um comunicado a informar sobre a remoção dos outdoors, decisão baseada nos “valores culturais e identitários do país”, mas sem nunca citar a lei.
“A decisão foi tomada por entender-se que tais conteúdos atentam contra a matriz cristã que caracteriza Cabo Verde, desrespeitando os valores culturais e identitários da nossa sociedade”, referiu a autarquia, reforçando, ainda, o zelo “pelo respeito às tradições, crenças e valores”.
Embora a remoção tenha ido ao encontro das expectativas cidadãs, a referência aos valores cristãos foi duramente criticada.
“A questão vai muito além da degradação de valores, que, por mais que nos indigne, é subjetiva – a questão principal é que a CMS nem citou o facto de qualquer publicidade em outdoor para jogos de fortuna ou azar (como para bebidas alcoólicas) ser proibida pela lei cabo-verdiana, (…) talvez por saber que tolera outdoors do mesmo casino há anos. A única diferença é o teor do conteúdo dos anúncios, que antes não eram provocadores”, escreveu, por exemplo, Jeff Hessney.
Coimas podem chegar a mais de dois mil contos
As infrações aos dispostos do Código de Publicidade (CP) constituem contraordenação, punível com coimas ou sanções acessórias, sendo a sua aplicação da competência da autoridade reguladora, no caso a ARC.
No caso em questão, por violação do artigo 7o do CP, a coima pode ir de 700 contos a dois mil contos, por ser pessoa colectiva. Já por violação do artigo 23 a coima varia entre 700 a 800 contos. Acumulado, e no caso de ser aplicada a coima, o valor pode chegar a dois mil e oitocentos contos.
As sanções acessórias, entendendo-se necessárias, podem ir desde a apreensão de objectos utilizados na prática das contraordenações, interdição temporária, até dois anos, de exercer a actividade publicitária, privação de subsídio ou benefícios outorgados por entidades ou serviços públicos, entre outros.
“Em casos graves ou socialmente relevantes, pode a entidade competente determinar a publicidade da punição por contraordenação, a expensas do infrator”, lê-se no ponto 4 do artigo 61ºdo CP.
Natalina Andrade
Publicado na Edição 942 do Jornal A Nação, de 18 de Setembro de 2025
