Actualmente a residir nos Estados Unidos da América, onde vem seguindo atentamente tudo o que se passa em São Vicente, também Alaúdio Ramos, formado em Relações Públicas, com especialização no digital, não tem dúvidas do papel que os influencers e criadores de conteúdos podem ter em situações do género, especialmente quando envolvem tragédias.
“A catástrofe de São Vicente veio mostrar que influenciadores e criadores de conteúdos gozam de elevada credibilidade junto dos seus seguidores. Prova disso são os milhares de contos arrecadados em campanhas de doação para todos os gostos, dúvidas e feitios. Mas isso também nos expõe a riscos: imagens chocantes são facilmente viralizadas, muitas vezes sem consentimento das pessoas envolvidas, principalmente de crianças e idosos ou responsabilização por parte de quem controla a narrativa das lives, stories, feeds e algoritmos”, começa por observar.
Na mesma linha da Carla Palavra e do Marco Silva, Alaúdio Ramos chama a atenção para o facto de a fronteira entre informar, expor, proveito próprio e solidariedade ser tênue. “E muitas vezes ultrapassada com toda a intenção. A pergunta é: se fosse o meu filho(a) ou a nossa casa, a nossa vida… estaríamos confortáveis com essa exposição?”, questiona.
A vantagem de estar do lado certo da narrativa
Contudo, admite que o facto de artistas, influencers e activistas partilharem conteúdos da situação no terreno é positivo, mas tem um senão, também. “Traz atenção, mobiliza recursos e inspira outros a agir. Mas torna-se essencial garantir que a ajuda não se transforme num espetáculo de autopromoção”.
Porém, acredita que há dois lados da moeda e que, enquanto muitos se mobilizam com expressões genuínas de ajudar, outros parecem ser motivados pelo capital social que advém de estarem do lado certo da história, ao ajudar. “Sempre foi assim e sempre assim será”.
Comunicar para ajudar
Também Alaúdio Ramos, no conhecido caso da pequena Rânia, de vestido vermelho, que viralizou sorrindo, diante do caos, não tem dúvidas sobre as questões éticas que se levantam.
“Crianças não consentem nem têm maturidade para entender o alcance de uma imagem nas redes. Em contextos como esse, usá-las como símbolos de esperança ou de desespero pode ser tão problemático quanto necessário”.
Nesse contexto, acredita que estamos todos diante de um dilema: de um lado, o direito à livre expressão, à partilha de informação, à mobilização solidária. Do outro, o dever de proteger quem está em situação de vulnerabilidade e evitar a banalização do sofrimento alheio.
“Devo dizer que a resposta não está na censura, mas sim na consciência ética, moral e na responsabilização de cada um. De quem produz o conteúdo, mas sobretudo de quem o consome”, nota.
Nesse sentido, interpela a tirarmos lições desta tragédia. “Que nos sirva para aprendermos a aplicar isso com seriedade, comunicar para ajudar, não para aparecer. Reduzir o sofrimento ao mínimo como forma de mobilização e sempre preservar a dignidade humana antes de qualquer coisa”, finaliza.
Parte integrante da reportagem Vítimas das enxurradas de São Vicente: Entre a exposição, o apoio e o marketing, onde fica a dignidade? Publicado na Edição 942 do Jornal A Nação, de 18 de Setembro de 2025
