De Santo Antão à Brava, vozes diversas convergem contra o colapso social e energético em Cabo Verde. Hoje, sábado, 11 de Outubro, a Praça Dom Luís, no Mindelo, e Alexandre Albuquerque, na Praia, e outros pontos do país serão palcos de uma “insurreição cívica” que deverá unir artistas, professores, jovens, trabalhadores e desempregados, contra a degradação social, económica e energética que assola o país.
Em vários pontos do país, a mobilização começou com vídeos caseiros e cartazes digitais, mas rapidamente ganhou corpo. Cidadãos como Tonga, Alberto Koenig, ou Toy de Caravela, e professores universitários juntaram-se a pessoas anónimas para denunciar o que consideram ser “um colapso silencioso” das estruturas sociais do país.
“Não é só falta de água ou luz. É falta de respeito, de escuta, de dignidade”, afirma Alberto Koenig, que tem coordenado reuniões virtuais entre representantes das ilhas. “Estamos a viver um apagão ético”, sublinha.
Na Praça Nova, no Mindelo, encontramos Elizângela, mãe solteira e funcionária de limpeza: “O meu salário não chega para pagar a água que não vem. E ainda querem que fiquemos calados?”
Já Djony, estudante universitário, vê na manifestação de sábado uma oportunidade de um novo despertar político: “Nunca fui a uma manifestação. Mas desta vez vou. Porque não é só política, é sobrevivência.
A socióloga Mariana Tavares analisa o fenómeno: “É raro ver uma mobilização tão transversal. Há aqui uma dor comum que ultrapassa ideologias. É o país real a falar”.
Preocupado, Gilson Fortes pronunciou-se com cautela: “Respeitamos o direito à manifestação, mas apelamos à serenidade. O país precisa de soluções, não de agitação”.
Como é habitual, nem todos apoiam a iniciativa. EmpresáManifestação nacional desafia silêncio institucional “No bai nha povo”, a insurreição cívica que atravessa as ilhas rio mindelense, Rui Monteiro teme impactos económicos: “Já temos turismo a cair. Uma manifestação pode afastar ainda mais”. A professora reformada, dona Clarisse, é mais crítica: “Fui professora durante 40 anos. Já vi muitas manifestações. E depois? O que muda?”
Segurança pública: contenção ou escuta?
Fontes da Polícia Nacional confirmaram ao A NAÇÃO o reforço de patrulhas em São Vicente e na Praia, especialmente nas imediações da Praça Dom Luís e Alexandre Albuquerque, respectivamente. “Estamos preparados para garantir ordem pública”, disse um agente sob anonimato. “Mas também sabemos que o povo tem direito à voz.”
Rede de cidadãos
Segundo os organizadores, não há líderes únicos nem filiação partidária. “Somos uma rede de cidadãos. Cada um com a sua dor, mas todos com o mesmo grito”, afirma Koenig.
A estrutura da manifestação inclui momentos de fala aberta, performances artísticas, leitura de manifestos e até um minuto de silêncio pelas vítimas da negligência institucional.
Mais do que uma manifestação, 11 de Outubro será um teste à maturidade democrática cabo-verdiana. A capacidade de escuta institucional, a reação das forças de segurança e a adesão popular definirão os próximos capítulos.
“Se a praça se encher, será porque o povo decidiu não calar mais”, adianta Koenig, com o olhar firme. “E se não se encher, voltamos no dia seguinte. Porque a luta não tem hora marcada”.
A mobilização, que acontece em várias ilhas e na diáspora, pretende chamar atenção para problemas estruturais como os cortes de energia, transporte interilha, saúde, gestão de lixo e ausência de respostas governamentais.
“O povo é o elemento menos presente na democracia em Cabo Verde”, afirma Koenig, que destaca o papel da juventude como força transformadora.
Sem financiamento externo e com apoio logístico voluntário, o movimento cresceu nas redes sociais e articula-se através de grupos de WhatsApp. Os participantes são convidados a vestir branco como símbolo de paz e união. A Polícia Nacional e as autoridades locais já foram informadas.
Alberto Koenig rejeita a criação de partido e sublinha que o objectivo é despertar consciência cívica e promover soluções comunitárias. “Mais vale poucos, mas consistentes”, diz, reconhecendo os desafios de engajamento em algumas ilhas. Para ele, os artistas devem usar a sua voz não só para ganhar o pão, mas também para ajudar a sociedade a garantir o seu.
João A. do Rosário
Publicado na Edição 945 do Jornal A Nação, de 09 de Outubro de 2025
