“Não à interferência! O Conselho de Administração perdeu a nossa confiança! Não nos calaremos!” Estas foram algumas das palavras de ordem proferidas pelos profissionais da Rádio e Televisão Cabo-verdiana (RTC), que se reuniram esta quarta-feira, em vigília, para exigir uma posição da tutela diante das “flagrantes interferências” do CA na esfera editorial e de conteúdos da emissora.
Os profissionais da Rádio Televisão Cabo-verdiana (RTC), em articulação com a Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), reuniram-se em vigília esta quarta-feira, 05, em frente às instalações da RTC. A ação visou defender a liberdade de imprensa e denunciar ingerência abusiva e ilegal nos conteúdos da estação pública, no caso que culminou com a suspensão da diretora da TCV, com perda de salário por 45 dias.
“É o início de uma luta. Uma luta que não vai acabar nos próximos tempos, enquanto não houver decisão do acionista Estado em relação a este CA que ultrapassou todos os limites. Todas as linhas vermelhas foram ultrapassadas por este CA que já não tem mais confiança dos trabalhadores”, afirmou o jornalista, para quem o que aconteceu .

Carlos Santos
“Aquilo que foi feito, aquilo que aconteceu é extremamente grave. Muita gente pensa que foi um problema administrativo. Um problema laboral. Não é. Este CA atingiu o coração da democracia, a liberdade de imprensa, a liberdade de programação da televisão pública deste país. Isto é grave”, reforçou Carlos Santos.
Mais do que a ingerência nos conteúdos, lembrou Carlos Santos, o CA acabou por aplicar uma sanção absolutamente desmesurável contra uma profissional que mais não fez do que salvaguardar a autonomia editorial.
“Ou seja, a barreira que é importante defender, este CA está a atacar. Quem deveria estar neste momento com uma sanção ou no olho da rua era este CA”, defendeu, garantindo que a luta dos trabalhadores não terminará até que a tutela tome uma posição.
A história da comunicação social cabo-verdiana, disse igualmente a jornalista Rosana Almeida, é uma conquista inegociável, com um percurso digno de registo, pelo que não se pode agora aceitar atropelos.

Rosana Almeida
“Isto nunca tinha acontecido antes e isso periga a democracia. E a democracia é um ganho que nós não queremos que tenha retrocesso”, alertou, manifestando preocupação com o rumo que as coisas estão a assumir na esfera da comunicação social em Cabo Verde.
Precedente grave
Para Carlos Santos, o CA da RTC está abrir um precedente institucional grave, ao disciplinar a redação por afirmar a autonomia editorial que a lei lhe confere.
“A partir do momento em que a direção de um órgão público de comunicação social aceita colocar-se na posição de depender do aval ou da autorização da administração da empresa para colocar no ar um programa, abdica da sua independência editorial”, escreve também Carlos Santos, lembrando que a RTC, embora tenha natureza empresarial, presta um serviço público de comunicação social, reconhecido pela Constituição da República.
AJOC condena ingerência política e administrativa inaceitável
Ao ser tornada pública a decisão do CA da RTC, a AJOC manifestou, na passada sexta-feira, “profunda preocupação e indignação” e classificou o acto como sendo de “represália e de intimidação grave”, e a expressão de uma “ingerência política e administrativa inaceitável na esfera editorial da televisão pública”.
À margem da vigília desta quarta-feira, a vice-presidente do sindicato, Gisela Coelho, reforçou que esta questão é nacional e não diz respeito apenas aos jornalistas da RTC.
“Quando está em causa a interferência das administrações nos conteúdos das direções estamos perante uma questão legal e a lei é clara neste aspecto, a lei da comunicação é clara, e ao perigar a liberdade de imprensa estamos a perigar a democracia”, frisou.
FIJ exige levantamento imediato de medida
A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) também juntou sua voz a esta causa e exigiu o levantamento imediato da suspensão e o fim da interferência política nos meios de comunicação, considerando que esta sanção configura-se como um “grave ato de represália e intimidação, incompatível com os princípios da imprensa independente”.
Em comunicado divulgado esta quarta-feira, o secretário-geral da FIJ, Anthony Bellanger, afirmou que as manobras políticas destinadas a desacreditar o trabalho de jornalistas independentes são um ataque direto à liberdade de imprensa e, portanto, totalmente inaceitáveis em uma sociedade democrática.
“O conselho de administração da RTC deve ser independente de manipulações políticas. Deve também defender os direitos fundamentais dos jornalistas, em vez de submetê-los a ações disciplinares injustas que prejudicam a liberdade de imprensa”, escreveu.
Quem também mostrou-se solidário é o Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social da Guiné-Bissau, que por meio da sua presidente Indira Correia Baldé manifestou a sua solidariedade com Bernardina Ferreira.
RTC alega questões internas

Karine Semedo Miranda
Em reação ao posicionamento da AJOC, o CA da RTC considerou que o processo disciplinar diz respeito “apenas a questões internas de gestão e funcionamento da empresa” e que “não tem nenhuma relação com o trabalho jornalístico nem com a liberdade editorial da TCV”.
O processo, frisou, foi conduzido por um instrutor externo, “sem qualquer perseguição”, e a colaboradora “teve todas as oportunidades para se defender”.
Natalina Andrade
Leia o artigo completo na edição 949 do jornal A Nação



