Os protestos da sociedade civil contra os aumentos salariais de 64% dos titulares de cargos políticos em Cabo Verde demonstram um “acordar cívico inédito” na população, pelo que “nada será como dantes”, afirmou hoje um investigador cabo-verdiano.
Numa entrevista à agência Lusa, Corsino Tolentino, antigo ministro da Educação e ex-diretor-geral da Fundação Calouste Gulbenkian, lembrou que os motivos dos protestos, promovidos pelo Movimento de Ação Cívica (MAC), criado em janeiro, “nunca foram tão fortes” e trarão “mudanças” daqui por diante.
Em causa está o aumento dos salários dos políticos, aprovado por unanimidade no Parlamento a 25 de março último, medida que Corsino Tolentino considera ter não ter tido em conta o momento económico do país, assolado pela crise internacional, pela seca, pelo vulcão do Fogo, pelas greves e pelo desemprego, maioritariamente jovem.
Para o também diplomata e um dos “históricos” do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, no poder), os 72 deputados “subestimaram” os eleitores cabo-verdianos, ao aprovarem, por unanimidade, um diploma que só beneficia os políticos, dando a perceção à opinião pública de que foi a única vez que se entenderam e que votaram uma lei em conjunto.
Questionado sobre o que pode fazer o Presidente da República – vetar ou não o diploma -, Corsino Tolentino considerou que “muito dificilmente” Jorge Carlos Fonseca o ratificará, tendo em conta o ano e meio para o fim do primeiro mandato presidencial.
“Sendo um candidato natural às presidenciais, acredito que devolva o diploma ao Parlamento, com o argumento de que, naquelas condições, o documento terá de ser expurgado de algumas alíneas, sobretudo a tabela remuneratória”, sustentou, antevendo que haverá, então, novo acordo entre o PAICV e o Movimento para a Democracia (MpD, principal partido da oposição) para “deixar cair” a questão.
Corsino Tolentino lembrou que Jorge Carlos Fonseca já deixou indicações quanto à sua opinião sobre a questão quando, em Portugal, onde esteve esta semana, “avisou” que não estava “nem surdo nem cego” aos protestos que decorreram no país.
No meio de todo o processo, Corsino Tolentino admitiu que, do ponto de vista dos eleitores, os deputados agiram com “arrogância, mentiras e joguinhos políticos obscuros”, algo que “já não passa” em Cabo Verde, vindo daí a forte adesão popular aos protestos que se realizaram nas principais cidades do país a 30 de março último.
Questionado sobre se há espaço para uma nova força política em Cabo Verde como alternativa às duas maiores do país, PAICV e MpD, Corsino Tolentino indicou que não acredita na multiplicação dos partidos e disse que ficaria surpreendido se o MAC se transformasse num após se consolidar como “fiscalizador” da classe política.
Sobre se se pode considerar os protestos como o prenúncio de uma espécie de “primavera cabo-verdiana”, à semelhança do que se passou recentemente em vários países do norte de África e do Médio Oriente, o investigador respondeu que dificilmente acontecerá em Cabo Verde, “até porque o MAC não põe em causa o regime”.
“Sim, poderá considerar-se uma ‘primavera’ pelo facto inédito de a sociedade civil se ter manifestado. Mas as ‘primaveras políticas’ nunca deram frutos no caminho de uma liberdade que tantos esperavam. A situação em Cabo Verde é controlável com pequenas mudanças”, como o deixar cair a tabela remuneratória, sustentou.
Fonte: Lusa
Depois dos protestos nada será como dantes em Cabo Verde – investigador
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