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Sociedade

Vendedeiras desafiam a lei e continuam a vender à porta das escolas

Volvidos oito meses da proibição da venda de bebidas alcoólicas e alimentos de baixo valor nutricional, a menos de 200 metros da porta das escolas, as vendedeiras continuam, de pedra e cal, nos seus lugares habituais. Cientes da lei, mas contra ela, algumas ameaçam fazer uma manifestação caso forem obrigadas a sair sem uma solução prévia para o seu problema.
Em Janeiro deste ano, o Governo anunciou a proibição, por lei, da venda de alimentos de baixo valor nutricional e/ou bebidas alcoólicas, que ponham em risco a saúde alimentar dos alunos, a menos de 200 metros das escolas. Porém, volvidos oito meses, e com o arranque do novo ano escolar, na prática, pouco ou nada mudou. As vendedeiras continuam a ganhar a vida, nalguns casos, mesmo coladas aos portões de alguns estabelecimentos de ensino.
Aliás, a propósito do novo ano lectivo, o director-geral do Planeamento, Orçamento e Gestão do Ministério da Educação (DGPOG), Pedro Brito, reiterou há dias, ao A NAÇÃO, que tudo estava a postos para que a lei fosse implementada. “A lei existe para ser cumprida e, caso não o seja, medidas serão tomadas”, avisou.
Entretanto, não é o que tem acontecido. Pelo menos na Escola Técnica “Cesaltina Ramos”, bem como na “Cónego Jacinto” e “Abílio Duarte”, todas na cidade da Praia.
Na “Cesaltina Ramos”, na Achada de Santo António, as vendedeiras continuam a vender bem junto ao portão desse estabelecimento e, ao que tudo indica, não pretendem sair do local, pelo menos, enquanto não lhes for apresentada uma alternativa do seu agrado. “Todas temos conhecimento dessa lei, mas não nos podem tirar daqui sem apresentar uma solução, porque este é o nosso ganha-pão”, afirma Maria da Luz.
A mesma vendedeira recorda que no ano passado houve um encontro entre elas e o director da Cesaltina Ramos e a fiscalização, do qual resultou um acordo que passava por uma formação em técnicas de venda e cuidados a ter, e que, posteriormente, ser-lhes-ia facultado um lugar apropriado para a venda dos seus produtos.
“Fizemos a formação durante as férias escolares mas até hoje ninguém veio até nós, mas se vierem, já estamos decididas: só saímos para um outro local de venda. Isto porque não temos nenhum outro meio de vida e ninguém nos pode tirar o nosso sustento”, diz Maria da Luz.
Mudança de sítio
Questionada sobre a possibilidade de passar a vender do outro lado da rua, respeitando os 200 metros estabelecidos pela lei, Nhanhazinha, uma outra vendedeira, também na “Cesaltina Ramos”, explica que a solução não passa por essa via, visto que a mesma já foi tentada uma vez e não deu certo.
“No ano passado, a fiscalização esteve cá, falou connosco e explicou que não podíamos ficar aqui porque tinha sido criada uma lei que proibia a venda na porta das escolas, de modo que teríamos de mudar para o outro lado da rua. Acontece que, do outro lado da rua, não vendemos quase nada, as crianças teriam de atravessar a estrada, com perigo para elas. As nossas vendas diminuíram consideravelmente, pedimos ao director e ele permitiu que voltássemos à porta da Escola”, conta Nhanhazinha.
Complacência
Questionado, o director da “Cesaltina Ramos”, Fernando Pinto, confirmou que, de facto, permitiu que as vendedeiras voltassem a vender à porta da Escola, por entender que esse é, realmente, “o único rendimento” que essas mulheres têm, mas que fossem mantidas, pelo menos, a higiene e a arrumação do passeio Isto é, que se conservasse “uma estética apresentável”.
Antes disso, confessa, “tentei afastá-las, consegui por um tempo, mas a comunicação social veio em socorro delas, a pretexto de que o director correu com as vendedeiras do passeio da Escola. Eu não corri com elas, apenas pedi-lhes que fizessem uma coisa mais organizada”.
Situação semelhante acontece na Escola “Cónego Jacinto”, na Várzea da Companhia. Este estabelecimento, no ano lectivo anterior, passou por uma polémica envolvendo o consumo de bebidas alcoólicas pelos estudantes, dentro da própria Escola. Hoje, apesar de estarem um pouco afastadas do portão do estabelecimento, as vendedeiras dizem-se insatisfeitas com a actual situação e, pior, com o que está por vir. Por isso, sem rodeios, elas dizem-se “completamente contra” a lei e recusam-se a sair do local.
“Daqui não saímos, e se nos tentarem tirar, a cantina da Escola também será fechada”, diz revoltada, Lenira Lopes, jovem de 24 anos, que diz vender no local, desde criança, com a mãe. “A venda é o único meio que temos de garantir o nosso sustento”, sublinha Lenira.
A mesma opinião é expressa por Carla (nome fictício), que aponta o edil Ulisses Correia e Silva como “o grande culpado” pela situação ora criada. “Ele é que criou esta situação. A distância de 200 metros é um absurdo, não dá. Se não vendermos na porta da Escola, que vida teremos, como chefes de família e com crianças a estudar?”, questiona.
Ameaça de manifestação
Descontentes, as vendedeiras do Liceu da Várzea ameaçam, se necessário, recorrer a uma manifestação caso não lhes forem criadas condições para manterem o seu negócio.
Esta é uma posição subscrita pelas suas colegas da “Cesaltina Ramos”.
“Precisamos alimentar os nossos filhos, se tivermos de unir para manifestar, ou mesmo brigar, vamos fazê-lo porque não podemos perder o nosso ganha-pão e nem vamos roubar para viver”, diz Lenira Lopes.
“Não queremos confusão, apenas queremos um lugar para vender e se nos forem oferecidas esse sítio não vamos criar problema”, acrescenta a jovem Carla.
Relativamente à tal possibilidade, o director da Escola Secundária da Várzea, Mário Luís Fernandes, contrapõe: “As pessoas podem manifestar-se, mas, muitas vezes, o fazem sem razão. Se há uma lei, esta para ser aprovada teve de ser ponderada, portanto, uma vez aprovada, ela tem de ser cumprida”. De modo que, garante: “Não tememos qualquer manifestação organizada pelas vendedeiras!”.
Quanto à ameaça de fecho da cantina feita pelas mesmas, aquele responsável é igualmente categórico: “É uma ameaça sem fundamento, desde logo, porque, elas não terão acesso ao recinto escolar para protestar”.
Quiosques com novo fôlego
Contrariamente às vendedeiras dos liceus “Cesaltina Ramos” e “Cónego Jacinto”, que se mostram revoltadas com a lei que proíbe a venda de alimentos e bebidas a menos de 200 metros da porta das escolas, as suas colegas da Escola Secundária “Abílio Duarte” (ESAD), no Palmarejo, acreditam na bondade de um tal diploma.
As vendeiras da ESAD estão esperançosas que, com a implementação da lei, passem a poder vender os seus produtos em quiosques adequados e preparados, conforme promessa feita pela Câmara Municipal da Praia e que esperam ver cumprida. Até porque os ditos quiosques, ao que tudo indica, estão mesmo junto a ESAD prontos para recebê-las.
“Nunca ninguém nos criou problemas com a lei, pelo contrário, fizemos a nossa formação em técnicas de venda e higiene, que recebemos há três anos, e agora, ao que parece, vão colocar-nos nos quiosques para vendermos nossos produtos”, explica Aida.
Esta, ao contrário da sua colega Carla, da Escola da Várzea, elogia a iniciativa de Ulisses Correia e Silva. “Foi ele, através da Câmara, que nos formou, tendo inclusive as entregue os diplomas pessoalmente”.
Aida explica que a formação era destinada a todas as vendedeiras das portas das escolas, mas que nem todas foram e que, por isso, “apenas as que estiveram presentes serão contempladas com os quiosques”.
Da mesma forma, o director da Escola Secundária “Cesaltina Ramos”, Fernando Pinto, garante que as vendedeiras desse estabelecimento também podem ser contempladas com tal tipo de benefício, apesar da sua aparente revolta e ameaças de manifestação. “As coisas estão a andar, e, muito em breve, as vendedeiras estarão no novo local”, garant e Pinto. “Tudo o que é novo causa sempre desconforto, desconfiança, mas, com paciência, tudo acaba por ficar no seu devido lugar”, manifesta, esperançado, Fernando Pinto. JN
 
 

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