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Economia

Porque é que não exportamos mais?

País insular, sem grandes matérias primas e, praticamente, sem qualquer produção industrial, Cabo Verde não tem conseguido atingir a chamada economia de escala, que lhe permita competir internacionalmente e exportar mais bens e serviços. Enquanto os empresários falam da falta de incentivos à exportação, o director-geral do Comércio e Indústria, Amilcar Monteiro, contrapõe e diz que os incentivos são “uma prática contrária” à Organização Mundial do Comércio (OMC). O certo é que apesar das críticas Cabo Verde atingiu receitas na ordem dos seis mil milhões de escudos em 2014, em exportações, mas muito mais poderia ser arrecadado. Saiba como e porquê.
Exportar para o mercado internacional é o sonho de qualquer empresário. Mas atingir a economia de escala que permita ter mais margens de lucro e competir livremente, de igual para igual, nos mercados não é, hoje em dia, para qualquer um. Muito menos para um país que recentemente ascendeu à categoria de rendimento médio e que está ainda muito ancorado no investimento externo, no financiamento público e no apoio dos chamados doadores, como é o caso de Cabo Verde.
“O comércio internacional é uma actividade muito complexa. Há 20 ou 30 anos atrás existiam muitas barreiras tarifárias. Os produtos não conseguiam ser competitivos porque as taxas alfandegárias eram muito elevadas, mas com a harmonização da OMC houve uma diminuição das taxas médias, o que permitiu uma maior facilitação do comércio. Hoje em dia, a nível mundial, o comércio flui, mas, ao mesmo tempo, os países mais desenvolvidos aumentaram as barreiras técnicas”, explica Amílcar Monteiro, director-geral do Comércio e Indústria (DGCI).
E, Cabo Verde, com todas as fragilidades que lhe são conhecidas, tem tentado entrar em alguns mercados, pelo menos naqueles em que poderá ter produtos e serviços competitivos para fornecer, como acontece com o grogue que já é exportado para os Estados Unidos, assim como o atum de São Nicolau, produzido pela SUCLA, ou o vinho ou o café do Fogo, com a Coffee Spirit, que já é comercializado em algumas cadeias da famosa Starbucks, onde todos os produtores de café aspiram chegar.
Isto falando dos produtos tradicionais de Cabo Verde, que mais do que bens, encerram em si todo saber fazer do cabo-verdiano e a própria cultura do seu povo. Factores que constituem o verdadeiro diferencial para atingir os chamados nichos de mercado.
No entanto, a produção destes produtos, como esta edição do VALOR dá conta, ainda é pequena e, em termos de bens, as exportações têm sido lideradas pela classe de “peixes, crustáceos e moluscos”, seguida das “conservas de peixe”.
Na verdade, segundo dados avançados pela DGCI, as exportações de bens e serviços de Cabo Verde estão ainda concentradas nas grandes empresas. Só a Frescomar responde praticamente com 40% das exportações e a indústria do pescado com 80% . Depois temos algumas outras empresa”s que operavam na zona franca e que ainda operam, que exportam material ortopédico. Mas, verifica-se uma tendência crescente de operadores que produzem vinho e grogue a entrarem nessa cadeia, começa-se a ver uma diversificação do que é exportado a partir de Cabo Verde”, refere Monteiro.
INDÚSTRIA CLÁSSICA NÃO SERVE
Mas a questão que se coloca é o que falta para Cabo Verde desenvolver o seu comércio e mercado de exportações? A resposta não é fácil e muito menos o percurso a empreender. Conforme destaca aquele responsável, um relatório de 2012 produzido pela UNIDO, dá conta das condições estruturais que envolvem as exportações do arquipélago e onde constam uma série de “questões óbvias” que são tratadas nesse documento, e que orientam o desenvolvimento da política comercial.
Como reconhece Monteiro, a ideia é desenvolver uma política industrial, “que não existe, de facto”, em Cabo Verde. “Efectivamente, esse relatório mostra que não existem condições no país para o desenvolvimento de uma indústria clássica, baseada em factores de produtividade e escala. Então, era necessário desenvolver uma linguagem alternativa, que já está estudada através do Estudo de Diagnóstico para a Integração do Comércio (EDIC), que estuda as condições da oferta”, atesta.
De acordo com essa fonte, esse estudo vai ao encontro da estratégia do Governo, que decidiu sete áreas de desenvolvimento (clusters), em que três são prioritárias: agronegócio, economia marítima e turismo.
“Estes três sectores estão intimamente ligados ao desenvolvimento da industria. Quando o Governo construiu barragens criou condições para o desenvolvimento da actividade primária, visando a transformação alimentar e a indústria de pequena escala, dentro de uma óptica de abastecimento do mercado interno, do mercado turístico da diáspora. Portanto, são os nichos onde temos potencial, ou seja, aquilo que o cabo-verdiano sabe produzir, como o queijo, a aguardente, o vinho… Esse saber fazer é que está a ser trabalhado para que Cabo Verde possa ter vez em termos de produção industrial”, argumenta Monteiro.
À PROCURA DE NICHOS
É que, como exemplifica, esse é o caminho a seguir para que Cabo Verde encontre os seus mercados específicos. “Nós produzimos café, mas não podemos competir com o Brasil. O EDIC mostra isso, já está estudado e não estamos a inventar a roda. Basicamente, temos a oportunidade de produzir produtos orgânicos que tenham elevada qualidade e que tenham escala suficiente para atingir os mercados de nicho”.
No seu entender, estamos perante uma óptica completamente diferente ou que acontece no Brasil e explica porquê. “ O commodity (gêneros que se vendem a grosso) vendido pelo Brasil, neste caso, o café, é tabelado pela bolsa. O preço está na bolsa, o produtor já sabe quanto é que vale a produção, investe e recupera o seu investimento antecipadamente, antes de entregar o produto. Nós temos uma oportunidade diferente, de desenvolver um café especial, que já está acontecer com o Coffee Spirit do Fogo, que consegue colocar em redes de apreciadores de café em Londres, nos EUA e no Japão. É uma estratégia que foi analisada no EDIC e que o Coffee Spirit realiza na prática”.
BARREIRAS A DRIBLAR
Porém, produzir não basta. Há um conjunto de barreiras técnicas a ultrapassar para que os produtos possam conquistar mercados externos. “Por exemplo, para um produto como o grogue entrar nos EUA, tem de ser reconhecido como grogue e não é. Digamos que é um produto informal, porque entra nos EUA sob a designação de rum, o que não é do interesse de Cabo Verde. Nós queremos que o grogue seja reconhecido como grogue, assim como a cachaça é reconhecida como cachaça, a tequila ou a vodka, ou outras bebidas. Isso vai dar-nos um diferencial enorme”, justifica.
A essas acrescem também questões sanitárias, que é preciso cumprir, além de uma série de outras questões periféricas, e outras técnicas que têm a ver com embalagem e até, por exemplo, com a palete que transporta os produtos e que se não forem certificados e devidamente enquadradas, não têm vez no mercado internacional”, argumenta.
Neste contexto, Monteiro acredita que a criação do Instituto de Gestão da Qualidade tem-se revelado uma “grande força” mas alerta que em relação à forma como as questões da propriedade intelectual são tratadas, “ainda temos um grande amadurecimento institucional” para “acontecer”.
Em termos de um quadro legal essa fonte diz que o país já deu passos importantes nesta matéria e exemplifica que “ o IGQ acabou de lançar a norma de produção do grogue, a norma de produção do queijo e a ARFA está a trabalhar nas questões sanitárias”. Por isso, acredita que estão a ser criadas as “condições” para que os produtos alcancem mercado mas lembra que as “grandes mudanças não acontecem de um dia para o outro”.
O DGCI lembra ainda que o que é produzido em Cabo Verde necessita do aporte de importação de matéria prima porque Cabo Verde não é um país produtor de matéria prima, é “um país que tem falhas de mercado e que exige muito trabalho do sector público e que exige muita capacidade empreendedora do sector privado”, pois, só assim “poderemos chegar aos mercados a onde temos algum diferencial”.
APROVEITAR ACORDOS COM NOVOS MERCADOS
Para que a indústria e os produtos nacionais cheguem a esses mercados, aquele responsável exorta os empresários a se associarem, e a procurarem as câmaras de comércio e outras agremiações empresarias para, de facto, terem “voz” no sector e poderem também ter conhecimento das oportunidades e acordos estabelecidos entre Cabo Verde e outras regiões, como é o caso da Comunidade dos Estados da áfrica Ocidental (CEDEAO).
Neste particular Amilcar Monteiro rebate as críticas dos empresários que, muitas vezes, se queixam de não tirarem proveitos práticos da CEDEAO e diz ser um assunto “complexo” e “amplo”. Isto porque os países da CEDEAO têm economias muito parecidas e Cabo Verde acaba por ser um caso muito distinto no seio da comunidade.
“Cabo Verde é o único país insular que vive praticamente ao largo do oceano Atlântico, não temos ligação aérea e marítima frequente, mas há uma vontade. Assistimos recentemente à fusão de três grandes zonas, a comunidade do Sul, do Centro e do Este, que se reuniram e criaram uma zona económica. Essa intenção de formalizar zonas de livre comércio significa que haverá possibilidade dos bens e serviços circularem livremente, mas a realidade é que há carência de infraestruturas, não há conformidade de normas, e há questões financeiras que vão dificultar essa implementação”, atesta.
Além da Tarifa Externa Comum, da CEDEAO, em implementação, Monteiro lembra que há também um grande acordo a ser estabelecido entre a CEDEAO e a União Europeia (UE), que prevê a abertura do mercado europeu a 100% e a abertura do mercado da CEDEAO em 75%, durante 20 anos. “Isso tudo cria um cenário em que Cabo Verde só interessa à África se estiver na África e Cabo Verde só interessa à Europa se estiver na África, portanto, a nossa integração regional é estratégica”, adverte.
Quanto aos incentivos, Amílcar Monteiro admite que, de facto, “não existem”, mas argumenta porquê. “É até uma prática contrária à OMC. A OMC trabalha no equilíbrio dos mercados, então, se os países incentivarem ou financiarem a exportação, vão competir com outros países que não têm a mesma capacidade”, conclui.
GC

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