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Opinião

A idade das coisas e os 145 anos da Polícia

José Rebelo
“A necessidade, a natureza e a história não são mais do que instrumentos da revelação do espírito”   HEGEL, Georg (1770-1831)
Rebuscando a memória, desde dezembro de 1990 que sob proposta de uma comissão composta por oficiais da polícia se consagrou o dia 15 de novembro como o “dia da Policia de Ordem Publica” (Decreto nº 185/90, de 29 de dezembro).
Aproveitando essa ocasião, o presente artigo propõe para reflexão “A idade das coisas e os 145 anos da Polícia”, antevendo algumas contradições que passam ao lado de muitos, incluindo os membros da corporação, talvez motivados por um certo comodismo, ou pela perspetiva exclusivista da corporação de discutir e analisar, questões de interesses comuns. Aparentemente, as possíveis contradições que se aventam da justaposição do dia 15 de novembro aos 145 anos da Polícia de Ordem Publica, não ofendem a dignidade da comemoração do dia. Porém valerá, sempre a pena uma abordagem retrospetiva, não no sentido de repor a verdade dos factos, mas talvez, de uma provocação para o despertar de um certo interesse para o debate sobre a “idade das coisas.” A par da questão em discussão, a situação da Escola Daniel Monteiro que já contava 15.º Curso à data da reunificação da Policia Nacional, e cujas referências aos novos cursos recomeçaram de zero, tais práticas são exemplos paradigmáticos de em como devemos dar a atenção a memória coletiva. Pretensões a aparte, esta reflexão, numa primeira análise vai rebuscar o porque dos 145 anos da Polícia de Ordem Pública e numa segunda ordem vai avaliar a contradição entre esta referência com o dia 15 de novembro.
Analisando a pauta que se seguiu ao 29 dezembro de 1990 e para o ano em curso referente a comemoração dos 145 anos, calcula-se que os primórdios da instituição se remontam ao ano de 1870, usando provavelmente como pretexto, a decisão do então Governador-geral Caetano Alexandre Almeida Albuquerque de no dia 28 de julho de 1970 mandatar uma comissão constituído pelo então Presidente da Câmara Municipal da Cidade da Praia, Sr. Venceslau Frederico de Quental e Silva, para estudar e propor ao Governador um regulamento para um corpo de polícia da Cidade. Justificara o Governador que “ o grau de desenvolvimento e de progresso que esta Cidade da Praia já atingiu exige que nela se organize um serviço policial de harmonia com o seu estado de adiantamento e destinado a velar pela ordem e segurança públicas e pelo cumprimento das prescrições policiais em vigor.” Apesar de tal decisão ter sido publicada no dia 30 de julho desse ano, só dois anos e meio mais tarde a comissão concluiu a tarefa mandatada, isso nas vésperas do natal de 1872 (Portaria do Governador Geral n.º 433) não obstante só em 13 de agosto de 1873 vir a entrar em vigor o regulamento proposto.
Dos sucessivos momentos históricos e disposição legal sobre os regulamentos e orgânicas da Policia de Segurança Pública do tempo colonial, interessa trazer para esta reflexão a Portaria n.º 6.822 de 17 de janeiro de 1964 que reporta ao verdadeiro Estatuto Orgânico para a Policia de Cabo Verde, uma vez que a sua profunda reorganização, para além de devolver o estatuto de força civil a polícia, serviu ainda, de elemento orientador vigente para o período pós independência, sujeitando-se apenas à algumas alterações introduzidas pelo Decreto n.º 9/75 de 17 de fevereiro visando criar condições institucionais para a concretização do processo de ascensão à independência conduzido pelo Governo de Transição, em resultado do acordo assinado em 19 de dezembro de 1974, em Argel. A 5 de julho de 1975 se extinguia o Corpo da Policia de Segurança Pública de Cabo Verde e em substituição nascia a Direção Nacional da Segurança e Ordem Publica com funções de dirigir as atividades das forças ordem e a segurança do estado independente, sendo que o primeiro Estatuto da FSOP só viria a ser aprovado pelo Decreto n.º 43/84 de 5 de maio.
Entretanto resta ainda avaliar a data de 15 de novembro. Nesse ano de graça de 1974, o pessoal da Polícia de Segurança Pública de Cabo Verde, numa clara demarcação ao regime colonial, reunido em assembleia geral, aprovou uma moção de afastamento dos quadros da polícia colonial portuguesa. Pela primeira vez na sua história, o Comando da Polícia de Segurança Pública de Cabo Verde foi assumido por um oficial cabo-verdiano, o Comandante das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) Timóteo Tavares. Para marcar este histórico acontecimento, através do Decreto n.º 185/90 de 29 de dezembro, foi instituído o dia 15 de novembro, como o Dia da Policia de Ordem Pública.
Enfim, sistematizando, em rigor, apesar do forte valor simbólico que o 15 de novembro detém em si, a sua ligação aos 145 anos da polícia são mutuamente excludente e desprovido de um aprofundadamento consistente, pelo facto de 1974 representar um marco da rotura radical com o passado, marco esse, legitimado com a extinção do Corpo da Policia de Segurança Pública e criação da Direção Nacional da Segurança e Ordem Publica á 5 de julho de 1975. À partida, a invocação da idade não coincide com a data da efeméride, o que poderia ser atribuída a quaisquer uma das referências de registos formais ou marco referencial, no caso, 28 de julho de 1970, ano declarativo afixado na pauta das comemorações. Todavia, a mesma data representa uma referência menos consubstanciada, quando comparada com os acontecimentos e factos formais que deram origem a criação da Polícia, nomeadamente os ocorridos nos anos 1872, 1873, 1974 ou 1975 acima citados. No caso de se preferir 15 de novembro, a Polícia, nesse particular, teria 41 anos como muitas das instituições da República e nunca os 145 que arroga ter. Querendo preservar a linearidade outras discussões se impunham para a seleção de uma nova data.
Independentemente de qualquer justificativa, valerá sempre a pena celebrar o dia dos que incansavelmente abraçam a causa da segurança pública e que com espírito de missão enfrentam os desafios que perigam a paz, a ordem e tranquilidade de todos. Pois, na verdade, “a necessidade, a natureza e a história não são mais do que instrumentos da revelação do espírito”.

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