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Opinião

O que faz o meu “Burkan” ser tão igual e tão diferente das ilhas deste Arquipélago?

Por: Paulino Oliveira do Canto

A propósito da publicação do canal de notícias norte-americano – Cable News Network (CNN) sobre “12 reason to visit the beauriful Cape Verde Islands”, dou conta que, afinal, as minhas (e nossas) conjeturas costuradas insistentemente sobre o meu “Burkan” foram corroboradas pela certeza a um nível mais alto do que se podia esperar. Apreciar oito das dez razões apresentadas provenientes do meu “Burkan” faz ferver o “nosso” orgulho, ao mesmo tempo, que dá um soco no estômago as classes dirigentes de Cabo Verde.

Quando defendo o meu “Burkan” não é porque, ironicamente, tenho a grandeza de estar no pico mais alto de Cabo Verde para partilhar de uma visão que seja efetivamente coerente ao desenvolvimento do país. Fogo é uma das ilhas, querendo ou não, mais potente de Cabo Verde, que efetivamente pode oferecer novos ímpetos para o desenvolvimento regional integrado.

Tenho defendido que, neste meu “Burkan”, não precisamos nada do que constitui migalha dos diferentes governos que tem sucedidos na governação até agora. Volta a ler a frase anterior com mais atenção! Neste meu “Burkan”, a alimentação e os vestuários chegam dos EUA e da Europa graças às comunidades bastante expressivas espalhadas por essas pontas que, incansavelmente, lutam para oferecer autonomia as famílias face aos “vírus” partidários da nação crioula. O que a ilha vem precisando é, impreterivelmente, de investimentos infraestruturais físicas e técnicas, capazes de melhorar as condições precípuas, objetivando aproveitar as oportunidades que a mesma oferece.

A ilha conseguiu recentemente provar no palco internacional que tem uma qualidade singular da produção, neste caso, do vinho da Vinha “Maria Chaves” e, outrora, do café, como um dos mais saborosos deste universo. Enfim, tem demonstrado que possui elementos singulares para o mercado nacional, regional e internacional. Adicionalmente, a qualificação da produção do queijo que, cada vez mais, tem ganhado espaço no mercado nacional. Dispenso mencionar uvas, maças, romãs, marmelos, figos, cerejas e a quantidade de mangas, papaias, groselhas e entre as outras frutas que, no ano da boa colheita são desgraçadamente desaproveitadas. Em contrapartida, como ousam os atores / instituições privadas e públicas falarem do empreendedorismo? O que significa empreendedorismo vulgarmente difundido pelas ilhas? Aliás, como atrevem-se os governos das bandeiras verdes falar do turismo? Continuemos …

Quanto à “landscape” da ilha, é indiscutível a sua beleza. Vou intentar mencionar apenas alguns lugares considerados históricos e simbólicos para a vida da população norte da ilha que limitam situar entre a localidade de São Jorge e Galinheiro e, à semelhança das outras localidades, acredita-se ter mais lugares com tais representações. No meu “Burkan” excecionalmente existem dois fontes de dessalinização natural das águas do mar, a saber: N’toni Fonso e a Fonte de Marcela. Estas duas fontes naturais situam-se a cerca de duzentos metros longe da água do mar e, durante os anos de estiagens e fomes, deram de beber uma boa parte das localidades mais próximas, como Galinheiro, São Jorge, Ribeira de Filipe, as Campanas (Baixo e Cima).

Ademais, o meu “Burkan” além de servir a ilha com o terreno mais fértil do país, se calhar, é a ilha que mais água possui. Caraças, choca e como mastigar os discursos políticos de que Cabo Verde aposta em agricultura! No meu “Burkan” tem água sita até onde fica o ponto mais alto de Cabo Verde. Em 2012, foram dados cerca de oito furos de águas (salvo a memória), com exceção de uma que existe desde tempo canequinha em Ribeira de São Jorge, cujo funcionamento até hoje se desconhecem. Há um “manto” extensivo do território que possui água no meu “Burkan” que, eventualmente, mesmo com anos persistentes de seca teria a capacidade de abastecer todas as ilhas deste arquipélago. Perante este cenário, é inconcebível pensar porque a população norte do Concelho de São Filipe consome, nos dias de hoje, a água sem grandes condições sanitárias e se calhar a mais salgada de Cabo Verde. É, de todo cruel saber que a Vinha “Maria das Chaves” não consegue sequer produzir 60% do que deveria por falta de água e assistir ininterruptamente os agricultores, os criadores de gados e, particularmente, a população de Chã-das-Caldeiras que desde 2014, aquando da última erupção vulcânica, tem vindo a mendigar as autoridades por melhor abastecimento de água. Ai se soubéssemos o que significa realmente seca… fica inscrita a liberdade de cada um tirar as necessárias ilações.

Caramba pá! Afinal, o que faltam as autoridades governamentais e privadas para conhecerem a história específica das ilhas? Os dirigentes políticos cabo-verdianos, bem como, uma boa parte dos agentes promotores do emprego (ou como queiram chamá-los) teimam em investir nas ilhas e, mergulhadas na ignorância, desqualificam as Ciências Sociais e Humanas que, entretanto, lhes oferecem oportunidades singulares de conhecerem melhor a história do arquipélago. Portanto, o que faz o arquipélago desenvolver e qualificar o seu mercado face aos desafios do mercado internacional não é, de todo, a competição. Esta expressão é uma construção maligna de uma teoria económica capitalista insensata que merece ser desconstruída através do conhecimento da história, que tende a distinguir-se pela cooperação.

Neste sentido, gostaria de realçar que a via mais indicada para o desenvolvimento das ilhas é, primeiramente, o conhecimento específico da história de cada uma delas. Como valorizar espaços, lugares, bens materiais e imateriais se não se conhece a história? Que turismo se quer para as ilhas? Que empreendimento é este de que tanto se fala? A cidade de São Filipe do meu “Burkan” partilha de uma especificidade crucial para o desenvolvimento local. Ela é representativa, simbólica e rica para alavancar o desenvolvimento. O peito da cidade é contemplado pelos sobrados da nobreza “foguense”, portanto, conhecer a história específica destas extensões servem-nos para desconstruir as repugnâncias e, efetivamente, pô-las ao dispor do conhecimento de todos. A história é o começo para a construção das políticas públicas centradas no desenvolvimento económico local. A título de exemplo, saber que, nesta cidade, existe um cemitério que servira exclusivamente para enterrar os brancos é um ponto importante para a sua valorização e, naturalmente, a desconstrução da sua representação pode servir para qualificar um ponto turístico fundamental no desenvolvimento económico da ilha.

O meu “Burkan” oferece gratuitamente uma quantidade de energia que até hoje se desconhece a sua exploração. A ilha no seu todo é rica em matéria de energias renováveis. Além disso, oferece um conjunto de vegetação indispensável para as atividades medicinais e liberta uma significativa quantidade de enxofre e carbono, também importante para as medicinas tradicionais e científicas insuficientemente exploradas até então. Aliás, dói saber que não se tem nenhum incentivo para estudos científicos aos naturais da ilha e não só nessa matéria. Salvo a memória, Cabo Verde, após 43 anos da independência, dispõe de apenas um vulcanólogo. O gigante também nos cumprimenta todos os dias, a partir do pico mais alto de Cabo Verde, com uma paisagem invulgar que tem atraída milhares de turistas para visitas e práticas de atividades desportivas.

Por tudo isto, para quê as Ciências Sociais? Elas podem nos servir para (re)ler uma realidade a partir de uma perspetiva diferente, a título de exemplo, aquando da erupção vulcânica poderiam servir as autoridades (des)governamentais compreender a relação simbólica e histórica entre a população de Chã-das-Caldeiras e o Gigante, por forma a que dessem respostas céleres e eficientes face ao abalo através da tese para obtenção do grau de doutoramento de Flávia Santos.

Contudo, as Ciências Sociais e Humanas não se mensuram pela sua arriscada instrumentalização das políticas públicas. Igualmente, permitem compreender as relações humanas e os patamares sobre os quais são construídas as distintas formas de sociabilidades. Isso serviria, sem dúvida, para perceber as representações simbólicas que são jogadas nas manifestações culturais dos povos de cada uma das ilhas, como é o caso das festas de Bandeiras, com destaque para a história de “Bandeirona” e de Bandeira de São Filipe. Portanto, intentar compreender que a considerada maior festa da Bandeira de Cabo Verde – “Bandeirona” – é uma festa popular com um capital cultural simbólico festejado durante um mês, cujo financiamento provém exclusivamente do privado, poderia servir para repensar o financiamento desequilibrado das festas culturais, sob a justificativa de que uma e outras atraem mais e menos turistas. As Ciências Sociais nos ajudam a compreender que a “Bandeirona” reúne milhares de turistas nacionais e internacionais que, todos os anos, reivindicam por mais ligações aéreas e marítimas e com um impacto significativo na economia das ilhas. As Ciências Sociais permite-nos ter uma leitura diferenciada e dá-nos a oportunidade de refletir que, a exemplo de “Bandeirona” que é totalmente ignorada pelo Ministério da “Cu”-l-tu-ra, o financiamento grosseiro dos festivais pelos poderes públicos mostra o desinteresse pela história de Cabo Verde.

À guisa de conclusão, este meu “Burkan” tem filhas(os) e familiares que teimosamente fazem de todo para o impulsionar o seu desenvolvimento, mesmo que a travagem por parte do governo seja inconsciente ou propositada. Permitam-me realçar o nome do Padre Ottavio Fasano que incansavelmente faz tudo para a ilha e que recentemente doou um dos maiores Hospital deste país – “Cutelo de Açúcar” – a Governo de Cabo Verde. Uma outra referência é o Sr. Agnelo Spínola, presidente da “Associação Água para Viver” que, se calhar, tem desenvolvido a maior parte das infraestruturas da ilha, entre as quais destacam-se a Casa de Comunidade das Bandeiras e a Escola de Formação Técnica sita em Ponta Verde, que por razões desconhecidas parou de funcionar. Não poderia esquecer da mais nobre lição do povo Chã-das-Caldeiras às duas equipas de bandeiras verdes que teimam sugar as últimas gotas do setor público de Cabo Verde. Esta última dispenso tecer comentários devido à coesão e às obras desenvolvidas, quiçá, mais do que o velho e o novo elenco governamental. Que maldade! Que visão redutora dos dirigentes! Pena, dor e o lento estrangulamento deste meu “Burkan” que tem muito para oferecer a Cabo Verde.

 

 

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