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Opinião

Um breve olhar sobre o actual estado do Ensino Superior em Cabo Verde

 

Por: Wilson Monteiro

Em Cabo Verde existem, neste momento, cerca de sete Estabelecimentos de Ensino Superior (EES), dentre os quais uma Universidade Pública, a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), e as restantes seis incluem universidades e institutos de carácter privado. De acordo com os dados do Banco Mundial, a população de Cabo-Verde ronda os 546388 habitantes (BM, 2017). Por outras palavras, Cabo Verde apresenta um rácio de 13 EES por cada milhão de Habitantes, valor este que ultrapassa os correspondentes para países como Portugal (12), Espanha (2), Alemanha (3), Reino Unido (4), Finlândia (4), Japão (6) e os Estados Unidos de América (11). Dentre os países da Europa, Portugal lidera no que diz respeito ao numero de EES por cada milhão de habitantes. Contudo, a qualidade do de alguns EES existente naquele país está muito a quem do desejado, quando comparados com os melhores da Europa.

Os Estados Unidos e o Japão que apresentam elevados valores do indicador em causa possuem condições financeiras e tecnocientíficas para suportarem o fenómeno da multiplicação de EES. Por isso, nesses países o elevado valor do indicador está aliada a elevada qualidade destes. Por seu turno, a Alemanha, o Reino Unido, a Finlândia e a Espanha exibem valores mais baixos do indicador mas a qualidade de ensino nesses países é reconhecidamente elevada.

Em Cabo Verde, o elevado valor do número de EES por milhão de habitantes, por um lado, pode significar diversidades em termos de ofertas de formação superior mas, por outro lado, pode também significar uma grande dispersão de capacidades e de esforços que poderiam ser convergidos no sentido de se investir, em grande, num número reduzido de EES, dando especial atenção à única Universidade Pública do país.

O grande perigo da proliferação de EES num país de reduzido número de habitantes como é o caso de Cabo Verde está ligado ao elevado número de vagas que todos os anos ficam por preencher nos diferentes EES ali existentes. Esta preocupante situação tem consequências desastrosas já que tais Estabelecimentos não têm capacidades de arrecadar receitas a um nível que os proporcione investimentos mínimos exigíveis nos seus recursos físicos e humanos para garantir alguma qualidade dos cursos que oferecem. Em consequência, põem alunos deficientes no mercado, o que prejudica, em grande medida, todo o país. Por outras palavras, o elevado número de EES existentes em Cabo-Verde significa, sobretudo, uma baixa qualidade dos seus cursos, uma insuficiente capacidade de se autosustentarem financeiramente e um grande sufoco para a única universidade pública de Cabo Verde, a UniCV.

O Governo de Cabo Verde deve garantir o acesso ao Ensino Superior de Qualidade. Porém, melhorar o acesso ao Ensino Superior não significa permitir a multiplicação desenfreada de EES, mas sim investir em grande na Universidade Pública de Cabo Verde, para que esta seja munida de condições físicas e humanas para produzir indivíduos com qualidade e confiança para enfrentar qualquer desafio que hoje-em-dia a concorrência impõe nos vários domínios profissionais.

Existem excelentes professores na Universidade de Cabo Verde. Professores que se entregam ao ensino. Professores próximos dos alunos. Hoje, a Universidade de Cabo Verde, apesar da sua pouca idade, aparece em conferências e revistas internacionais de elevado prestígio. Como exemplo, posso destacar o nosso colega, professor Doutor Jackson Augusto Léger Monteiro que recentemente possibilitou que o nome da Uni-CV aparecesse ao mais alto nível num dos maiores eventos mundiais da Engenharia Mecânica, a ser realizado no David L. Lawrence Convention Center, Pittsburgh, USA. O professor Wilson Madaleno Léger Monteiro, que há uns anos recebeu o convite para delegar uma sessão de uma importante conferência na área das Energias Renováveis, no Trinity College of London. São vários os trabalhos Científicos meritórios na área das Engenharias, e da Matemática que carregam consigo o nome da Universidade de Cabo Verde e o fazem aparecer entre os melhores do mundo.

A Uni-CV precisa de mais atenção por parte do Governo. Precisa de mais investimentos e os seus docentes e pessoal não-docentes precisam de mais motivação e de uma maior valorização. Na verdade, os actuais 34% correspondentes a transferência do Orçamento de Estado (OE) para a Uni-CV revelam insuficientes já que a maioria dos alunos que estudam nesta Universidade têm debilidades financeiras, pelo que muitos deles dependem da ajuda de instituições como a FICASE e as Câmaras Municipais para financiarem os estudos. O problema surge quando essas instituições não cumprem atempadamente as suas obrigações que têm com esses alunos, colocando, assim, a universidade numa situação financeira vulnerável. Ainda, a Universidade não usufrui de nenhum tipo de ajudas e não tem ainda capacidades para prestar serviços que possam traduzir em aumentos de receitas, isto sem falar da total ausência de acesso a projectos com financiamentos. A título de comparação, as Universidades Públicas em Portugal contam com 55.2% de transferências provenientes do OE, sendo os restantes 44.8% conseguidos através das propinas dos alunos, dos Fundos Europeus relativos a Projectos Co-Financiados, das prestações de serviços e doações.

Para garantir uma universidade de qualidade, o Governo deve aumentar significativamente a percentagem do OE destinada a Uni-CV. Caso contrário, teremos no futuro gerações com graves deficiências a nível de know-how e incapazes de conduzir com sucesso o destino deste país. Assim como uma criancinha precisa de muita ajuda e atenção para dar os primeiros passos, assim também a UniCV precisa de mais atenção e investimentos por parte do Governo para que consiga no futuro andar sozinha.

Finalmente, não podia terminar este artigo sem tocar num outro ponto de grande sensibilidade. É que, praticamente todos os EES privados em Cabo Verde têm como sócios indivíduos que ocupam posições importantes na esfera política do país. Esta situação tem se traduzido em aumentos de dificuldades no que diz respeito a afirmação da Universidade Publica de Cabo-Verde. Daí, gostaria de fechar este artigo de com duas perguntas para a reflexão. Até que ponto um indivíduo que é sócio de um EES privado tem interesses em ver aumentado os níveis de investimentos governamentais na Universidade Pública de Cabo-Verde? E se esses indivíduos possuírem posições de destaque no Governo de Cabo Verde, como seriam a postura deles, perante a real necessidade de se investir na Universidade Pública de Cabo Verde?

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