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Sociedade

Consumismo toma conta do espírito natalício

Comprar. Comprar. Comprar. É a palavra de ordem por estes dias na capital de Cabo Verde, mesmo com as habituais queixas do “negócio fraco” e de um país “em crise”. O certo é que as lojas chinesas estão à pinha e o frenesim de Natal promete aumentar ainda mais a partir do dia 20. As prendas substituem os afectos e, hoje em dia, são quase como uma obrigação.

A poucos dias do Natal, as lojas chinesas da capital encontram-se à pinha, como quem diz, lotadas. Sobretudo devido aos preços baixos e à diversidade de oferta, não fosse uma boa parte da população pobre, pois, dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), avançados em 2017, mostram que 28,1 por cento (%) da população da capital vive na pobreza, havendo mesmo seis mil e 472 pessoas em pobreza extrema.

Indicadores à parte, o entra e sai de clientes nas lojas, sobretudo as chinesas, é notório. Uns compram enfeites para decorar a casa, outros vão sondando preços de presentes, porque a vida “está difícil”. “Tenho que dar uma prenda à menina dela, senão parece mal…”, ouviu o A NAÇÃO numa conversa entre duas amigas, numa loja chinesa no Platô.

Mas, este “parece mal…” tem muito que se lhe diga para alguns e para outros deixa transparecer, claramente, o consumismo em que se transformou o espírito de Natal.

Que o diga Cláudia Moura, empregada de mesa num restaurante no Platô, em plena rua Pedonal, e que tem testemunhado diariamente o frenesim das compras natalícias nesse lugar central da capital, com todos os seus contrastes. “Estamos a verificar muito espírito consumista, em que o Natal virou uma coisa muito comercial. Vejo as pessoas a fazerem muitas compras e acho que cada vez mais vivemos um espírito mais comercial que natalício”, desabafou ao A NAÇÃO.

Resgatar a solidariedade

Cláudia lamenta que as pessoas estejam cada vez mais egoístas e apela ao resgate do espírito de solidariedade. “Há gente que gosta de ajudar os outros, mas há gente que só gosta de olhar para si mesmo, em vez de apoiarem os outros. Só gostam de gastar, e na hora que se gasta muito, depois há muita coisa que vai para o lixo”, lamenta.

Natural da Cidade Velha, é no sítio Património da Humanidade que esta empregada de mesa vai passar o seu Natal. “Na Cidade Velha o nosso Natal é junto da família, depois vamos à Igreja assistir à missa e depois fazemos a ceia em casa”.

A ceia, diz, depende do orçamento e das posses de cada família. “Pessoalmente, eu passo um Natal normal, a minha ceia não tem nada assim de especial. Somos poucos em casa e, por isso, não tenho a necessidade de fazer muitas coisas para depois ficarem a estragar. Na ceia é uma comidinha suave e no dia de Natal, mesmo, é que fazemos algo mais especial”.

Cláudia não é de gastar muito dinheiro em prendas, apenas uma lembrança simples para as crianças, para trazer “alegria”, mas nada de “exageros”. Esta jovem convive diariamente com a realidade de pessoas carenciadas, incluindo idosos e crianças, que ficam a pedir nas ruas do Platô. Um cenário que aumenta no Natal. “Nesta altura, há muitas crianças a pedirem as boas festas. Acho que as pessoas não devem dar dinheiro, mas sim comida”, aconselha.

Cláudia aproveita esta quadra festiva para deixar uma mensagem. “Apelo às pessoas que deixem de comprar tantas coisas, e para verem mais para quem precisa de ajuda, as pessoas carenciadas que ficam o ano inteiro na porta das lojas de mercadorias a pedir dinheiro. Em vez de comprarem coisas caras, na hora que passam por essas pessoas, a pedir, ajudem. Não é preciso dar dinheiro, mas deem um óleo, um arroz…Esse é que é o espírito de Natal”.

Mais paz

Também Maria José, da Achada de Santo António, acredita que está-se a perder o espírito natalício de antigamente, de entreajuda e solidariedade. “Agora o Natal é uma coisa mais –comercial. Agora é só comprar, comprar e comprar. A ajuda é pouca. É isso que eu acho!”.

Este ano, Maria José ainda não comprou nada para o Natal. “Gasto sempre alguma coisa, pois tenho família e amigos. Na ceia de Natal não gosto de fazer feio. A minha mesa tem de estar cheia para toda a gente comer”, garantiu. Embora reconheça que, tal como a maioria das pessoas, também ela vai fazer as suas compras para passar um bom Natal, Maria José não esconde que gostaria de ver “mais paz e mais irmandade” entre o povo cabo-verdiano.

Por altura desta reportagem, o A NAÇÃO foi encontrar esta entrevistada a ponderar fazer a sua primeira compra. Um “pilão” grande, pintado à mão por Cláudio Ramos, um dos artesãos do ateliê Art Gallery, no Platô. “É bonito e não está caro”, avaliou Maria José.

Cláudio Ramos está mais habituado a vendas para turistas, que, aliás, têm sido os seus principais clientes. “As vendas de Natal já deram sinal, mas ainda estão fracas”, afirmou, perspectivando melhores dias. “Para a semana, lá a partir do dia 20 as coisas devem melhorar”.

Para este artesão, enquanto houver turistas é sempre “Natal”, por assim dizer. “Eles compram bem. Compram peças mais pequenas feitas com milho, coco, íman para o frigorífico, objectos em reciclagem de lata e trabalhos com pano de terra e pano africano”, conta.

Por estes dias, este artesão espera poder vender também a locais e emigrantes que se encontram na cidade para as festas. “O importante é vender”. Além do Platô, o Sucupira e os “Yas” espalhados pelas ruas da cidade são outros dos locais mais procurados para compras de Natal, para todos os gostos e carteiras.

GC

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