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Opinião

Uma das mais antigas Vendedeiras do Mercado Municipal do Tarrafal

 

Por: Nataniel Vicente Barbosa e Silva

A bem escassos metros de uma das entradas do Mercado Municipal da cidade de Mangui encontramos logo calmamente sentada a Sr.ª Agostinha da Costa frente à sua pequena mesa de negócio. Ao lado também labuta diariamente as outras vendedeiras: faça vento, chuva, calor ou frio aí estão elas na mesma trincheira com aquela linguagem típica do Mercado: “Freguez! Freguez, txiga! Nagosia ku mi, freguez! Assim, neste ritmo convidativo e muito animado vão puxando cada uma a brasa para a sua sardinha como é óbvio, cativando deste modo os clientes na medida do possível ao negócio. Venda sta fraku mas tanbe sta na boka sabi”. “Kau mau” é conversa do dia-a-dia dos que vendem e dos que compram. Os bolsos nem sempre correspondem as nossas expectativas. Voltaremos ao tema na última página deste trabalho. Por agora vamos conhecer alguns detalhes sobre o percurso da nossa “entrevistada”.

Quem é Agostinha Borges da Costa?

Agostinha Borges da Costa, ou, simplesmente, “Tinha” não é mais de que uma mulher simples alegre e desembaraçada, muito aberta ao diálogo, respeitada e acarinhada por todos. Nasceu em Curral Velho do Concelho Tarrafal a 09 de Outubro de 1935. Última filha num grupo de 6 irmãos de um humilde casal: Henrique Mendes e de Tomazia Borges. Não frequentou os banquinhos da escola à semelhança de outras tantas raparigas do seu tempo mas foi desde jovem uma mulher muito orientada e focada no seu trabalho. Conta que muito cedo na vida se entregou às lides da casa e do campo característica própria das pessoas do interior. Entretanto, em 1959 “trocou” Curral Velho por Vila do Tarrafal onde ainda se mantém. Agostinha da Costa é mãe de 5 filhos: 3 rapazes e duas raparigas, vários netos e dois bisnetos.   

Agostinha perdeu o pai na idade de 7 anos numa época extremamente difícil. Estávamos pois, no ano de 1942 o arquipélago de Cabo Verde atravessava uma das piores crises cíclicas de fome de sempre na sua história em que cada um lutava apenas pela sobrevivência.            

Recorde-se, que o mundo encontrava-se confrontado com a 2ª Guerra Mundial que iniciara exactamente na madrugada do 1º dia de Setembro de 1939. Agostinha apesar da pouca idade na altura recorda com uma certa nitidez as agruras dessa época.

Registamos pois, a propósito, o testemunho deixado por uma centenária da ilha do Fogo que viveu na pele esse conturbado tempo: Felismina Mendes “Nha Filo”, que, no início do conflito contava, com 35 anos. 

“Por causa da guerra faltava comida já que os navios não podiam fazer as viagens com tranquilidade e segurança.

Durante a situação de calamidade pública, lembra “ Nha Filó, centenas de pessoas concentravam-se nas ruas da cidade para receberem meio litro de milho que era disponibilizado pelas famílias com maiores posses ou pelas autoridades locais.

Nha Filó, que nasceu a 4 de Novembro de 1904, confessa que a crise dos anos 40, motivado pela guerra e pelas secas cíclicas, é a maior que assistiu na sua vida com pessoas a morrerem em plena rua, indicando que numa certa altura o então administrador e secretário da Câmara foram obrigados a enterrar os mortos. As pessoas não o queriam fazer por estarem mais preocupadas em assegurar a própria sobrevivência.

Possuidora de uma excelente memória, Nha Filó lembra que a situação só não ganhou dimensões mais alarmantes graças ao apoio dos Estados Unidos da América, país que segundo ela socorreu a ilha, através dos emigrantes.”

Agostinha da Costa testemunha no Tarrafal factos deveras arrepiantes

Agostinha da Costa conta um episódio que os jovens de hoje não sabem e talvez nem estão interessados em saber. Eis o que ela nos diz: 

“Ali na Tarrafal la fundu di Mangui na tenpu di fomi tinha un “Asistensia.” Prossegue: dadu un dia karni karneru na almosu  dipoz ki tudu algen dja almusa algen bira ta kai  mortu na txon suma padja.     Karni karneru  e forti  i ez   staba tudu fraku.” Kel dia N fla nha mai pa dexan ba asistensia e flan: Ka bu bai pamodi sta la un monti finadu. N purguntal: Finadu e kuse? E flan: Finadu e alguen ki mori. N da medu  dja N ka bai.   Conclui: “Ta txobeba txeu mas ninguen ka tinha meius ku forsa pa trabadjaba.”

  Agostinha da Costa se emociona

Agostinha da Costa como acima mencionamos é uma mulher forte, alegre e divertida mas notamos na sua face uma certa mágoa ao relatar o episódio que se segue:

“N sisti kazu di un mudjer ku mininu mortu na kosta e ka sabeba si mininu staba mortu. N odja otu kasu tanbe tristi di un mudjer ku mininu mortu na kosta ta dadu ku po riba del. Respira um pouco e desabafa:

“Omi di Dioz ami djan odja txeu kuzas na vida ki nada N ka ta fadiga kol gosi. Arremata: Guentis di gosi ka konxi nada. Na kel tenpu alguen e mortu na bera mar suma pexi mortu na reia. Conclui: “Na simiteriu tinha baladu (vala comum) pa intera mortus.

Agostinha, uma mãe batalhadora e amiga dos filhos

Agostinha teve o seu primeiro rebento em 1960 e último em 1976. “Tinha” como é tratada carinhosamente entre a população de Mangui enquadra-se pois, na lista daquelas heróicas mães solteiras cabo-verdianas que se identifica como mãe batalhadora. Parafraseando a nossa saudosa Cesária Évora: kria ses fidjus di sol a sol bonbudu na kosta”.

Agostinha tenta embarcar para São Tome e Príncipe

Em 1960, Agostinha tentara embarcar para São Tome e Príncipe mas, só era permitido viajar na altura com um filho e já era mãe de três. Como não encontrou ninguém com quem pudesse confiar os outros dois desistiu da viagem. Adianta pois que conhece o caso de uma mulher que tinha 5 filhos e viajou apenas com um filho conforme era regulamento deixando os outros 4 na terra quando regressou no fim do seu contrato não os encontrou porque morreram todos pouco tempo depois do seu embarque.

Milagre divino como o Mercado Municipal é recheado de verduras

Voltando de novo ao nosso Mercado Municipal, Agostinha da Costa é uma mulher experimentada nessas andanças do dia-a-dia onde tira o sustento da família assegura pois, que considera um milagre divino ver o nosso Mercado sempre abastecido de tudo apesar da falta de água como reclama os agricultores. É um facto. Nota-se porém que o Mercado do Tarrafal é melhor abastecido nas 2ªs e 5ªs feiras da semana e nos dias festivos. Segundo dizem as vendedeiras as mercadorias vêm em grande peso de outros Concelhos nomeadamente: Praia, Santa Catarina, Santa Cruz, São Miguel e um pouco do Colonato de Chão Bom o que não deixa de ser um bom sinal para o nosso Mercado.

Agostinha da Costa uma mulher gentil

Agostinha da Costa é uma mulher que goza de respeito e carinho de todos no Mercado não só pela sua antiguidade aí nesse estabelecimento mas também pela sua maneira de ser e de estar. Aos clientes (fregueses) a Sr.ª Agostinha dispensa um tratamento especial: Há sempre um “brinde” (kunbidu) depois do negócio. Com isto ficamos por aqui agradecendo penhoradamente a nossa entrevistada pela atenção que nos tem dispensado, formulando votos de muita saúde, muita paz e boa convivência com todos. Aos prezados leitores votos de um Santo Natal e um Ano Novo Feliz e de muita paz. Aos trabalhadores do Jornal “A Nação” igualmente desejamos um Bom Natal e muita prosperidade para o ano que se avizinha. 

Hasta lá próxima.     

Tarrafal, aos 18 de Dezembro de 2018

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