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Opinião

Ó korpu katibu, ó alma bibu

Por: Filinto Elísio

 

Do livro lido (e da CDD para os íntimos)

Levei dias valentes para terminar o livro. Tinhas-mo oferecido com a recomendação de ficar à mesa-de-cabeceira. Entrementes, fui profuso e transbordante, ao que tropeçavas nos astros desastrada (ouvir Caetano, gente). E li-o página à página, a cada dia, na delicadeza de quem debicava um precioso vinho. Ora, leitura em casa, na lentidão da laranjeira a dar sinais da Primavera; ora em viagem, ao adormecer aéreo dos passageiros; quando não, entre uma meia de leite e uma meia torrada, leitura também a meias com os jornais. Leitura confesso-te lenta, de fogo brando e de paixão atenta. Dizia-te que Eugénio Tavares, na morna “Bidjiça”, vaticinara que “amor é na devagarinho”. Anotada e lida, como se fazia nos cursos de Biblioteconomia, quando o mandamento era catalogar segundo a Classificação Decimal de Dewey e, sublinhada incursão, como municiava Kate à busca das palavras-chaves. Dou por mim, por estes dias, na solidão da leitura finda – “tristeza não tem fim, felicidade sim” (está visto ser eu amante de Vinícius) -, e ao táctil vício de folhear e de sentir o livro na intimidade dos gramas de papel.

 

Março – do figurado verbo chover

Chove, desde o início de março. A chuva, também por cá amiga e, este ano, mais do que nos anteriores, a falar mantenha. Gosto do impessoal verbo chover, no aconchego do edredão, e de imaginá-lo a bater pelas casas de Campo de Ourique, assim como, pelo embaciado das vidraças, o meu regressar à infância de terra molhada. Nha Gina (que o não sabia conjugável só na 3.ª pessoa do singular) era assim: chove-nos e, apesar da “papa-lama”, lava-nos a alma. Entrementes, interroga-nos o poeta com oblíqua inquietude: Ratos correndo no forro dos telhados/ou torvelinhos de vento uivando durante a madrugada? Tivéssemos respostas que não há, pois o mais das vezes é o chão ressequido e gretado. Ao que não se quer calar e muito menos deixar de cogitar, dir-vos-ei tão-somente adiante, companheiros, pelo caminho das pedras. E por que (em sentido figurado, quiçá tudo perca impessoalidade) a chuva fala-nos, comovida, mantenha e lava-nos, amiga, as almas…

 

Do Combatente Anónimo

 Aconteceu a Conferência: “Amílcar Cabral: O Combatente Anónimo pelos Direitos Fundamentais da Humanidade” (terminando ontem com muito interesse e estando de parabéns os organizadores), organizada pelo Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH e Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20. Prevaleceu durante o evento a ideia de alargar e de diversificar o campo para as abordagens sobre a vida e obra de Amílcar Cabral. O desafio de convergência da documentação e da informação, mister seja pública e disseminada, fica em aberto…

 

E de o alombarmos à chuva

Foi um sair às pressas, que chovia a cântaros. Não tive hora para o statement, no dizendo fazendo, sou por ti sempre rendido, minha figuração do nu (estando a pensar em Picasso). Havíamos de rir e de pensar que a fotografia do beijo (alguns jurariam que roubado) entre o marinheiro e a jovem, em plena Times Square (vejam no Google Maps e no Google Pictures), não seria igual fosse em tamanha chuva. Rir também, mas sem azedume ideológico, nem verbo nevrótico do cartaz digital a mandar uns lábios carnudos (e de fêmea) e a puxarem para uma declaração sobre o Março Mês da Mulher. O batom carregado foi o calcanhar de Aquiles, e também da poesia e do teatro, como da árvore e da primavera, que também partilham as honras inusitadas do mês. Declarar seres tu meu poema, ó korpu katibu, como versejaria Eugénio Tavares. E o meu pensamento, já mais livre, a esvoaçar, contrarrevolucionário da silva, sobre os algoritmos e o Big Data, reinventando-te em todos os nus de Modigliani e as naus pelos arredores. O meu pensamento que olha o teu corpo sob o guarda-chuva azul, que chovia mesmo a cântaros e que fica pelo deslumbre de amarmos a arte (contra a realidade que nos esquadrinha a liberdade), ó alma bibu…

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