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Opinião

S.Vicente: Décadas de mal estar sem fim à vista?

 

Por: Ricardino Neves

 

1. INTRODUÇÃO

A 5 de Julho de 1957, em resposta a “Notas do canhenho de um cabo-verdiano”, título publicado no nº 93 do “Cabo Verde” de um extenso artigo da autoria de Bento  Levy, Jonas Wahnon, cabo-verdiano de S. Vicente, escrevia a propósito da “existência” por parte  dos habitantes de S. Vicente duma grande rivalidade com a Praia”……( http://arrozcatum.blogspot.com/2016/06/9286-nho-jonas-sem-papa-na-lingua.html) o seguinte :

…“O Sr. Dr. Bento Levy talvez tivesse tomado como rivalidade ou paixão de S. Vicente para com a Praia, o facto de  todos lamentarem que se esteja ultimamente  desenvolvendo a cidade da Praia com inúmeras construções urbanas de preços elevadíssimos (milhares de contos) sem olhar à pobreza do meio e com manifesto desprezo pelas necessidades mais prementes das outras ilhas, nomeadamente  S. Vicente, que pouco ou nada vê dos 75% das receitas totais da Província com que contribui anualmente para equilibrar o orçamento”…..

Mais adiante… “O que existe realmente – e sabe-o o Sr. Dr. Bento Levy perfeitamente -, é o desejo sincero de toda a gente, que haja uma aplicação mais útil e de melhor alcance económico dos dinheiros da Província para o bem-estar do seu povo e orgulho de Portugal; o que existe ainda é o desejo de que os indivíduos que se encontram à testa dos serviços públicos na Praia tenham um influência mais benéfica na administração da Província em lugar de pretenderem, por ‘ norma “colonizar” S. Vicente negando-lhe sistematicamente todos os meios de progresso, sem quererem lembrar-se de que, se um dia faltassem à Província as receitas desta ilha, toda a máquina administrativa do arquipélago se desmantelaria”. 

….“Os referidos funcionários não se dão conta de quanto maior for o desenvolvimento de S. Vicente, maiores serão as suas receitas que irão influir em beneficio de S. Tiago como das demais ilhas suas irmãs”.

2. DA ACTUALIDADE DAS OBSERVAÇÕES DE JONAS WANHON E A CONTESTAÇÃO ENQUANTO PERSISTIR O ACTUAL ESTADO DAS “COISAS”

As preocupações manifestadas nas linhas acima referidas no ano de 1957 são perfeitamente actuais neste nosso Cabo Verde ano 2019, 62 anos depois.

A Nação cabo-verdiana encontra-se perante um debate que se arrasta no tempo e é por demais evidente para todos – as tão faladas e assumidas ASSIMETRIAS REGIONAIS. Contudo vem-se mostrando incapaz de assumir, do ponto de vista prático, a sua resolução .

S. Vicente é a ilha que historicamente  tem manifestado a “contestação”  ao rumo que o Governo Central tem conduzido este País no pós-independência.

Se no passado o seu peso enquanto contribuinte maioritário das receitas da então província de Cabo Verde  chegou a alcançar 75%, hoje o seu peso na economia do Arquipélago ,entretanto tornado país independente, passou a 17% do PIB ,sendo a segunda ILHA em termos de contribuição para a riqueza nacional .

S. Vicente, ILHA de características urbanas com predomínio duma economia marcadamente privada , terra do afamado Liceu Gil Eanes ,berço dos Claridosos , dispondo dum Porto Grande que lhe deu contacto e abertura ao Mundo , abertura essa ampliada num passado não muito distante por  Cinemas privados , autênticos centros de informação e formação cultural e cívica , desde sempre se caracterizou por um sentido reivindicativo e de luta pela justiça ,próprio da sua condição urbana.

Se o slogan “Tude manera é bá devagar” ilustra um misto de sabedoria e sentido de encarar a vida ,esta “pacatez” não deve ser confundida  com subserviência e “deixar andar”.

Desde a independência que S. Vicente vem sendo “vítima” da abordagem de sucessivos governos centrais que, apesar das suas boas intenções, tem resultado numa avaliação menos positiva por parte da sua população residente.

Esse tom crítico, essa postura de querer mais para Ilha , esse sentimento de menor consideração foi sendo avaliada pelos governos centrais de forma diversa.

Se para alguns governos, S. Vicente exigia demasiado, para outros não era caso para preocupações. Quase sempre preferiram colar “as reivindicações” a “meras atitudes bairristas” e assim sacudirem, de forma cómoda, as suas responsabilidades no actual estado das coisas que tem agora uma palavra pomposa no vocabulário político: assimetria regional.

É essa “abordagem” de aparente menor atenção das questões de S. Vicente que parece fazer escola nos corredores do Governo Central e que estimula a insatisfação dos são-vicentinos.

É neste contexto que devem ser entendidos as manifestações que surgem em S. Vicente naquilo que a sua população e suas forças vivas vão assumindo como forma de fazer ouvir a sua voz de descontentamento.

O BEM da ILHA passa assim pelo reafirmar da nossa condição de igual , nem mais nem menos do que os outros, pela exigência de igualdade de tratamento, pela igualdade de oportunidades .

Como dizia o poeta “As estiagens já não nos metem medo porque sabemos a causa das coisas”.

3. MUDANÇA DE ATITUDE NECESSÁRIA MAS QUE TARDA (!)

Precisa-se duma ATITUDE diferente do Governo Central para com a ILHA. Porque a ATITUDE  actual não é claramente percebido pelas gentes da ILHA e isso gera, no mínimo, dificuldade na reciprocidade.

Mais, S. Vicente , pelo que foi , pelo que é e pelo que pode ser no futuro deste País merece mais e melhor do Governo Central.

Não esquecer que S. Vicente tem sido ao longo da história deste Cabo Verde o farol das mudanças nestes grãozinhos de terra. Em 1974/75 com o advento da independência, em 1991 com o advento do sistema pluripartidário ,em 2001 e 2016 com o aparecimento das alternâncias políticas.

Sendo segunda Ilha em população, segunda Ilha em participação no PIB, principal centro exportador de Cabo Verde não pode ser reduzido à mera condição de contribuinte para “outrem” e ainda por cima , não para as Ilhas que mais precisam.

Essa “exploração “ deve ser revista sob pena de vir a gerar ainda mais insatisfação do que aquela que já existe.

Impõe-se mudar “o foco” para a realidade e alterar as perspectivas do Governo Central para S. Vicente.

Como aceitar que, no caso dos transportes aéreos internacionais , a Praia já servida por  três companhias aéreas  – TAP,SATA,AIR MARROC – se veja contemplada com voos da TACV enquanto S. Vicente fica sujeito ao monopólio da TAP ,com todas as implicações que isso acarreta. Que “análise de mercado” é essa?

S. Vicente não está nem nunca esteve a ponto de “ser necessário travar o seu desenvolvimento como disse um governante deste Pais” nem se contenta com o “anúncio” de projectos admiráveis que se ficam uns pelos anúncios ,outros não saem do papel e os poucos realizados não dão os resultados prometidos.

S. Vicente não aceita ser “discriminado” com opções” que só valem para ele “ enquanto que , para  outros , as abordagens e a disponibilidade de recursos se mostra “quase inesgotável”, numa demonstração clara de dois pesos e duas medidas, de discriminação mais do que evidente.

A discussão é assim “imposta” pelo Governo Central e de pouco adiantará tentar colar  o descontentamento mindelense aos chavões habituais de “bairristas”, de ”por ilhas contra ilhas”, só faltando o chavão  salazarista “de se ser contra a Nação”.

Mais uma vez mudança precisa-se. É esse o grande desafio que se impõe ao actual Governo Central.

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