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Sociedade

‘Fake News’: Políticos em Cabo Verde usam-nas para descredibilizar jornalistas e órgãos de informação — associação sindical

O presidente da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) considera que o fenómeno das ‘fake news’ ainda é “bastante residual” no país, sublinhando que é usado por políticos para descredibilizar jornalistas e órgãos de comunicação social.

“Aqui em Cabo Verde estamos perante uma situação em que muitos políticos, para descredibilizarem o papel da comunicação social e dos jornalistas, quando uma notícia não corre de feição, quando essa notícia não agrada ao Governo, ao partido, classifica-se logo como ‘fake news'”, analisou Carlos Santos.

Em entrevista à agência Lusa, o jornalista, quadro da Rádio de Cabo Verde (RCV), deu como exemplo uma notícia publicada pela agência Lusa, a propósito de um relatório do departamento de Estado norte-americano, que dizia que Cabo Verde tinha descido na liberdade de imprensa e que pela primeira vez havia a referência a liberdade de imprensa no relatório.

“E essa notícia foi classificada como uma ‘fake news’, ou seja, houve uma tentativa clara de descredibilizar esse órgão e o jornalista, inclusivamente chegando ao ponto de dizer que os jornalistas tinham traduzido mal esse relatório, dizendo que não fazia referência à liberdade de imprensa”, recordou.

Para o presidente da AJOC, a utilização do termo ‘fake news’ terá sido uma estratégia de marketing político do Governo, que não se importou de saber se a notícia respeitava todos os elementos constitutivos de uma notícia falsa.

“A ideia foi descredibilizar rapidamente e deitar por terra essa notícia, ainda que outros meios de comunicação social [também tenham dado a notícia] e que a própria história veio dar razão a esse meio de comunicação social e aos jornalistas”, prosseguiu.

Tirando esse caso, o representante dos jornalistas cabo-verdianos, que também tem alguma experiência na área de docência de jornalismo no país, disse que a AJOC não tem conhecimento de notícias que tecnicamente podem ser consideradas como falsas.

Sublinhando que as ‘fake news’ têm “raízes históricas” e “séculos de existência”, Carlos Santos disse que em Cabo Verde é um termo novo, usado “a torto e a direito”, sobretudo quando a notícia não agrada ao protagonista ou a pessoa a que ela se refere.

Desde a independência de Portugal, em 1975, o jornalista notou que tem havido alguns boatos na imprensa cabo-verdiana, mas considera que não se trata de ‘fake news’.

A mesma fonte referiu que em Cabo Verde há um jornalismo “muito institucional”, pelo que quando aparece um facto que espanta há mais tendência para chamar a atenção dos cidadãos.

“Na história da política de Cabo Verde sempre houve boatos, que agora são amplificados por causa das redes sociais, da internet, mas sempre houve a disseminação de boatos através de panfletos, por exemplo, e isso teve os seus impactos, mas não com aquela profundidade que pudesse fazer cair algum ministro, algum titular”, continuou.

O jornalista, uma das principais vozes da rádio pública cabo-verdiana, considerou que isso acontece porque os cabo-verdianos ainda têm muita confiança nos meios de comunicação social tradicionais, que fazem com que as pessoas levem as notícias “mais a sério”.

Carlos Santos disse para os jornalistas que é “fácil” detetar uma notícia falsa e também tem vários elementos e mecanismo de autodefesa, como o código deontológico e o estatuto de jornalista.

“Esses mecanismos, se forem cumpridos na íntegra, o jornalismo pode defender-se das ‘fake news'”, mostrou, sublinhando, porém, que, por causa das redes sociais e da velocidade de circulação, o jornalista muitas vezes não tem tempo de refletir, parar e fazer as coisas de acordo com todas as normas e princípios do jornalismo.

Por outro lado, entendeu que essa tarefa não é tão fácil para o cidadão comum, pelo que considerou ser necessário os poderes públicos apostarem na literacia mediática, para ensinar as pessoas a destrinçar uma notícia feita por um jornalista profissional e um conteúdo fabricado com outros interesses e objetivos.

“No fundo aquilo que é hoje o papel do jornalista, que é fazer a diferença do trigo do joio, separar as coisas e é aqui que faz todo o sentido hoje a profissão de jornalista. Não é dar as coisas em primeira mão, mas conseguir e ajudar as pessoas”, disse.

Carlos Santos notou que mesmo as ‘fake news’ têm determinados elementos que são verdadeiros e salientou que têm mais partilha e cliques por causa do seu caráter sensacionalista.

“Pode ser que essa escolha, essa preferência por parte dos cidadãos em relação às notícias falsas em detrimento das notícias que saem nos meios de comunicação social”, afirmou.

As notícias falsas, comummente conhecidas por ‘fake news’, desinformação ou informação propositadamente falsificada com fins políticos ou outros, ganharam importância nas presidenciais dos EUA que elegeram Donald Trump, no referendo sobre o ‘Brexit’ no Reino Unido e nas presidenciais no Brasil, ganhas pelo candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro.

O Parlamento Europeu quer tentar travar este fenómeno nas europeias de maio e já aprovou uma resolução na qual defende medidas para reforçar a proteção dos dados pessoais nas redes sociais e combater a manipulação das eleições, após o escândalo do abuso de dados pessoais de milhões de cidadãos europeus.

LUSA

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