PUB

Opinião

O papel das instituições económicas e políticas na definição do tipo de Estado

Por: Arsénio Fermino de Pina*

A primeira vez que ouvi valorizar as instituições económicas e políticas na definição do tipo de Estado foi, há bastante tempo, em S. Vicente, pelo Dr. Manuel Varela Neves, no lançamento de um número de ANAIS da Academia de Estudos de Ciências Comparadas (AECCOM), criada pelo Prof. João Manuel Varela. Aproveito a ocasião para dar um puxão de orelhas a quem se empenha em fazer esquecer a boa memória que devemos guardar dos ingleses em S. Vicente.

Na história inglesa há uma serie de conflitos entre a monarquia e os seus súbditos, entre diferentes facções que lutavam pelo poder, entre as elites e os cidadãos. Em 1215, os barões, o estrato da elite logo abaixo do rei, fizeram frente ao rei João, obrigando-o a assinar a Magna Carta. Este documento converteu em leis alguns princípios básicos que eram desafios consideráveis à autoridade do rei, e estipulou que este devia consultar os barões antes de lançar os impostos. Claro que o rei não gostou da Magna Carta e conseguiu que o Papa a anulasse, embora sem efeito, por os barões não terem ligado a isso. A Inglaterra acabara de dar o primeiro passo, ainda hesitante, na direcção do pluralismo.

Não se estranhe que esteja falando da Inglaterra, dado que Cabo Verde, particularmente S. Vicente, lhe deve muito. Até à chegada dos ingleses, no século XIX, S. Vicente pouco se distinguia de Santa Luzia. Os navios que passavam por Cabo Verde utilizavam o porto da Preguiça, em S. Nicolau, ou da Boavista, não o Porto Grande, praticamente só conhecido de piratas e pescadores que aí faziam aguada, reparavam os navios, caçavam cabras selvagens ou pescavam. As tentativas anteriores de povoamento nunca tiveram êxito. Foram os ingleses que souberam valorizar o Porto Grande, numa baía das mais belas do mundo, e aí instalaram depósitos de carvão para abastecimento de navios, construíram edifícios que serviram de agências de várias companhias marítimas, oficinas de reparação naval e formação de pessoal nacional (onde se formou muita gente e o mestre Cunco, que veio a fundar a Oficina da Pontinha, que precedeu, na formação, a Escola Técnica do Mindelo), mais tarde depósitos para combustível líquido na Galé e na Pontinha, estaleiro para arrasto e reparação de barcos de médio tamanho, amarrou o cabo submarino (Telégrafo), construiu várias residências para os funcionários ingleses e um consulado, este estupidamente demolido recentemente para dar lugar a um imóvel comercial – demolição feita mais vezes à noite, como reparou o Dr. Leão Lopes, parecendo acto de ladroagem, a fim de evitar protestos da população – com menosprezo total pela nossa amizade e ligação aos ingleses e pelo património arquitetónico, como escrevi. No último número do jornal EI há um artigo interessante do Prof. Brito-Semedo com o título de uma obra de B. Leza, “Razão da Amizade Cabo-Verdiana pela Inglaterra”, publicada no Brasil em 1950, onde nos recorda que os ingleses criaram clubes desportivos introduzindo desportos como o futebol, golf, ténis, cricket, remo, footing e outros; acrescento, novos hábitos, como o uso do calção branco e ténis aos sábados, Gin Tonic em certos dias da semana e a certas horas e o whisky, entre outros. Por volta de 1897 a 1898, devido à Guerra do Transval, na África do Sul, o Porto Grande teve movimento enorme de navios. Presumo que teria sido o Tempe de Canequinha, a que se refere Sérgio Frusoni na sua bela canção “naquês tempe Sancente era sabe”. O poeta e contador de estórias, na sua desaforada irreverência, caracterizou o mindelense como “indivíduo com bastante fósforo e pouca lixa”. Actualmente, após a quarentena a que a ilha foi sujeita pelo centralismo da Praia, sem fósforo nem lixa, mesmo lixado.

Falámos no artigo anterior, em instituições inclusivas e extractivas, expressões bastas vezes utilizadas nos últimos tempos, embora mal explicadas. As instituições inclusivas económicas requerem a segurança dos direitos de propriedade e oportunidades económicas não só para a elite, mas também para amplos sectores da sociedade. O Estado está estreitamente ligado às instituições económicas, como autoridade que faz respeitar o direito público, a propriedade privada e os contractos, e, muitas vezes também como prestador essencial de serviços públicos. Portanto, essas instituições precisam do Estado, caracterizam-no e o usam.

As instituições políticas suficientemente centralizadas e pluralistas são instituições inclusivas. Quando um desses requisitos não for satisfeito, chamar-lhe-emos extractivas. Um dos riscos da centralização do poder é a tendência no seu exagero, como acontece entre nós e noutros países, o qual leva a que as instituições deixem de ser inclusivas. A sua ausência leva ao caos, como acontece, por exemplo, na Somália, Siria, Iraque, Afeganistão e Líbia, onde o Estado deixou de existir, dado que o Ocidente quis fazer o impossível, a imposição da democracia, o que levou agora ao predomínio de vários clans, seitas e chefes de guerra. Houve países que começaram com instituições extractivas, dirigidas por líderes carismáticos honestos, que depois enveredaram para instituições inclusivas, como aconteceu na Coreia do Sul, Singapura e Malásia, mas isso é raro por o uso demorado do poder sem partilha ser ou levar à autocracia.

O crescimento económico e mudanças tecnológicas são acompanhados por aquilo a que o famoso economista Joseph Schumpeter denominou de destruição criativa: substitui-se o que era velho pelo novo. Antes da Revolução Industrial, os governos eram, na maioria dos países europeus, controlados pela aristocracia e elites tradicionais, cujas principais fontes de rendimento provinham das terras ou de privilégios comerciais de que gozavam, graças a monopólios que lhes eram concedidos e barreiras à entrada nos mercados dos sem monopólios impostos pelos monarcas. Ao verem ameaçados o seu poder económico e político, estas elites opuseram-se à industrialização; não somente as elites, também os artesãos, cujas habilidades manuais estavam a ser substituídas pela mecanização. Houve, por isso, várias destruições de máquinas por essas elites, artesãos e trabalhadores.

As riquezas obtidas através do trabalho de escravos negros foram postas em causa; nos EUA, por exemplo, onde o Sul vivia do trabalho escravo nas suas grandes plantações de algodão, e o Norte, já industrializado, que podia, por isso, dispensar esse tipo de trabalho, o que provocou a guerra civil entre o Sul e o Norte, Guerra de Secessão. Actualmente, com a rápida progressão das tecnologias, as máquinas e robots substituem os homens, o que leva e continuará a levar cada vez mais a desempregos, empregos precários ou em tempo parcial, enquanto não se aplicar sistema político e económico que combata a desigualdade gritante entre ricos e pobres.

A África foi o continente que menos beneficiou com a industrialização, porque a pilhagem, o caos geral e o assassínio em grande escala eram a regra. De resto, o colonialismo proibiu a industrialização africana; as indústrias de transformação das matérias-primas africanas eram feitas nas respectivas metrópoles europeias. O Médio Oriente também, por ter sido colonizado pelo Poder extractivo Otomano a partir de 1453, substituído pela colonização europeia após a Primeira Guerra Mundial. A colonização da América latina pelos espanhóis foi extractiva, bem como a francesa, portuguesa, holandesa e belga; a da América do Norte e Canada, devido à tradição democrática inglesa, tornou-se inclusiva após a independência, porque feita com europeus; em África e Ásia foi extractiva.

As instituições inclusivas caminham a par e são consequência da educação dos povos. Em 1800, 3% dos otomanos sabiam ler e escrever, na Inglaterra, 60%, em Portugal, 20%. Daí a superioridade inglesa.

A lição mais importante a reter do que acabo de descrever nestes dois artigos é que as instituições extractivas (não democráticas, exploradoras) não podem gerar mudanças tecnológicas por duas razões fundamentais: a falta de incentivos económicos e a resistência das elites – de que temos exemplos recentes na União Soviética, na Coreia do Norte, menos na Chima comunista devido às mudanças introduzidas por Deng Xiaoping, após a morte de Mao – um regime e dois sistemas – por ter conhecido os sucessos de Singapura, Malásia e Coreia do Sul, aplicando a sua expressão “pouco interessa que um gato seja preto ou branco, desde que apanhe ratos”, permitindo a economia de mercado nalgumas regiões do país e a propriedade privada, o que explica o grande crescimento e desenvolvimento da China, embora conservando o regime comunista, tornando-se a segunda potência económica mundial e retirando da miséria milhões de chineses.

Parede, Fevereiro de 2019                                                                 

*(Pediatra e sócio honorário da Adeco)

PUB

PUB

PUB

To Top