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Opinião

João Bento, o encanto de uma das zonas mais recônditas de Santo Antão

 

Por. António Chantre Neves

São poucos os que já ouviram falar de João Bento, uma pacata localidade do interior do concelho do Porto Novo, na ilha de Santo Antão.

Para se chegar a João Bento, o visitante sai do Porto Novo em direcção ao norte do município. Vai-se pela via que nos leva aos arredores da antiga fábrica de cimentos, a Cabocem. Prossegue-se e, à certa altura, desvia-se pela direita. A outra via à esquerda é para quem quer ir para Ribeira Fria. Não é o meu caso e de quem me acompanha. Nós queremos ir a João Bento, a localidade de que tanto ouvi a minha avó paterna falar, lá na Ribeira da Torre, Ribeira Grande. Mariana das Neves, Nhana, como era por nós tratada, viveu muito tempo e sempre a dizer que queria voltar a João Bento. “Tenho que ir para Jôm t’ Bent”, dizia firmemente. Parecia uma ideia fixa, coitada, própria dos velhos, a quem a vida roubou algo de precioso.

Já estamos a caminho. A estrada de acesso, sempre em terra batida ao longo de um descampado, é estreita e desnivelada. O percurso é íngreme e torna-se mais difícil durante o trajecto.

Depois, de cerca de 30 minutos, já vislumbramos sinais de vida. Chegamos a uma das zonas vizinhas, a Ribeira dos Bodes.

Mas o nosso destino é João Bento. “Fica mais em cima, logo após o final da estrada”, diz-nos alguém. A partir daqui apenas caminhos vicinais dão acesso às casas, aos moradores. É um Cabo Verde profundo. A simplicidade, a simpatia e a educação das suas gentes são genuínos. As pessoas convidam-nos a entrar, a sair do sol, a tomar água fresca…

Logo na entrada da localidade, numa casinha bem modesta, vive a família de Dulce Fortes. As condições são as mínimas, mas não ofuscam o sorriso no rosto. O sítio não tem rede móvel. Às vezes, com um tanto esforço, consegue-se algum sinal. Na zona não há energia eléctrica. A falta de água também afecta João Bento.

“Nô tit vivê prei lorgod. N dem txuva, nem troboi, nem nada”, conta-nos Dulce Fortes em tom de desabafo, mas sem mágoa.

Há muito que os moradores de João Bento anseiam pela chegada da luz eléctrica na localidade. Vendo o desejo adiado ao longo dos anos, alguns dos residentes reuniram os poucos recursos e adquiriram pequenos painéis solares. A energia produzida só serve para ligar o rádio e carregar o telemóvel. Dulce Fortes e mais quatro elementos da família juntaram-se e compraram o painel. Custou cerca de 20 mil escudos.

“Se havia luz na zona, talvez isto fosse mais desenvolvido. João Bento não tem nada que ajuda no desenvolvimento. Nô t prei k ideia topod”, lamenta, uma vez mais.

Descontraído com uns dedos com a senhora Dulce, de repente ouvi alguém falar na variante do crioulo de Santiago. É Ana. É natural do Tarrafal de Santiago e é mulher de um dos filhos de Dulce Fortes. Está grávida. Perguntei como é que saiu do Tarrafal, ilha de Santiago, e foi viver numa zona como João Bento. “N’trazedu!”, respondeu, a sorrir.

E como é viver aqui em João Bento?, insisto. “Nha marido trazem, n sta li”.

Depois de uns tantos minutos, seguimos caminho, de novo.

A comunidade de João Bento é composta por doze famílias, num total de pouco mais de 50 habitantes. Apesar da falta de água, aqui vive-se exclusivamente da agricultura e da criação de animais.

Há grandes potencialidades para o turismo, mas não há nenhum empreendimento turístico. Quem pensa fazer algo nesta área, depara-se com a inexistência de infra-estruturas básicas que inviabilizam os projectos.

Mais em cima, encontramos o Sr. João Fernando. Mora mesmo junto ao caminho onde diariamente passam alguns turistas.

“Tenho um filho que que tem um projecto de fazer aqui um centro turístico para os turistas repousarem. Até porque os turistas têm manifestado o desejo de dormirem no meu terraço, mas não tenho condições de fazer uma escada para subirem”, revela.

A chegada da luz eléctrica em João Bento parece ser uma miragem.

“Há muito que temos exigido a luz junto da Electra e da Câmara Municipal. Prometeram durante a campanha eleitoral que logo após a eleição a primeira coisa que fariam era trazer luz para a zona. Mas, até agora, nada. Temos estado sempre a reclamar, mas nunca o problema foi solucionado. Disseram que a luz seria a nossa prenda no último Natal. Estamos até ainda a esperar”, diz João Fernando, desconsolado com as promessas dos políticos deste nosso Cabo Verde.

Construção de uma melhor estrada de acesso, infra-estruturas básicas, água, luz e emprego são algumas das várias reivindicações das famílias de João Bento. Uma zona longe dos holofotes, sozinha, encravada, praticamente esquecida… mas onde reina a paz, a tranquilidade e a simpatia das suas gentes.

Visitar João Bento é conhecer a vivência e o lado profundo de Cabo Verde. Aqui, a maioria das casas é ainda coberta de palha, a água é abastecida nos chafarizes, conserva-se a tradição genuína.

Ahhh, ia-me esquecendo, o cemitério de João Bento foi construído há mais de 30 anos. Até hoje só recebeu cerca de 20 defuntos. É, digamos, o elefante branco de João Bento, terra da minha avó e que só agora conheço.

Será que por estas bandas as gentes resistem bem à morte? Ou isto é um espelho, nu e cru, do despovoamento que afeta a ilha de Santo Antão? Ou serão as duas coisas? Bem, certo mesmo é que esta zona tem fama de ter gente que perdura no tempo. A minha falecida avó, Mariana Neves, é exemplo disso. Faleceu em 2013 com 100 anos, redondos. Eu ainda só tenho 25 anos.

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