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Opinião

Ausência de consenso político para as chamadas políticas de soberania*

Por: João Santos

-O messianismo político e a ausência de argumentos necessários para uma decisão política consensual, in casu, entre uma Escola e uma Embaixada

Quomodo?  Por que modo ou por que modos a política externa cabo-verdiana vem sendo desenvolvida pelos partidos do arco da governção, parece evidenciar, contrariamente àquilo que, a exemplo de Portugal, o MNE, A.S.Silva, defendeu, no seu recente livro, “Argumentos Necessários, Contributos para a Política …”, parece evidenciar, dizia, a ausência absoluta de um consenso político robusto e sério, para as chamadas políticas de soberania. Justiça seja feita, o embaixador e ex-MNE, Jorge Tolentino, tem sabido posicionar-se e, através das suas publicações, submetido ao escrutínio e debate públicos.

Se já não nos surpreendem as lamentáveis divergências político-partidárias sobre estas matérias, é admirável, por outro, o interesse crítico do cidadão comum cabo-verdiano pela política externa e, curioso ainda, genericamente alinhado com a posição daqueles que, pela sua força argumentativa, se situam entre os chamados intelectuais, antigos governantes, inclusive, do nosso mercado livre de ideias.

Como não podia deixar de ser, ao contrário do homem comum, são os académicos que, via de regra, mais se interessam pela política externa. Então, por que será que os cidadãos comuns, para além de interessados, aparecem alinhados com a comunidade académica nas críticas ao governo actual? De onde advém essa peculiaridade?

Afigura-se claro que existe um manifesto “pretensionismo messiânico” da parte de quem nos dirige, no sentido de que é possível decidir, mesmo nas mais delicadas questões, afastando a oposição democrática, a Presidência da República que, com eles, partilha, até, essas mesmas competências constitucionais, e a sociedade civil, de um modo geral.

É muito estranho, já que hoje o exercício da democracia se faz pela via do diálogo, já que a sociedade é bem mais reflexiva, dissiminados que estão, por ela, os mais diferentes saberes. A expresão “democracia dialógica” resulta daí, precisamente.

Mais, se a democracia é o menos mau dos regimes é porque merece reservas. Camus dizia, como os founding fathers dos EUA, aliás, que “a maioria se pode enganar no próprio momento em que a minoria vê claro”. Por isso é que “a democracia devia ser o exercício social e político da modéstia e do diálogo”.

Lamentavelmente, temos democacia, mas faltam-nos modéstia e o diálogo. “Temos rapazes em pose de governantes”, disse-me alguém, casualmente muito próximo do MPD. Pretender conhecer o que em termos de negociações externas tece o nosso governo, tem sido como penetrar no mais intrincado labirinto das consciências da côrte da Várzea.

Com que teares se armam, com que enredos se tramam, com que subtileza do engenho ou do engano, com que modo ou modos se fiam, é a pergunta que  nos persegue. E esta não tem sido uma questão ideológica, como se tem pretendido fazer crer.

Irving Kristol, um político conservador norte-americano, entretanto falecido, chega mesmo a dizer que “uma das especificidades da política externa é ser uma área da vida pública onde a ideologia se debate com as maiores dificuldades”.

Que não existe nenhum grande texto de esquerda ou de direita, sobre a condução da política externa. E, sublinha: – os que existem, de Maquiavel a Hans Morgenthau, são usados indiferentemente por todos os partidos e em função das circunstâncias. E de forma particularmente expressiva, recorda que J. Locke foi fértil em sugestões quanto à instituição e à manutenção do bom governo, mas quando chegou à política externa ergueu as mãos e disse:

-“Quanto aos estrangeiros, e conforme as suas acções e a variedade dos seus interesses e desígnios, deve deixar-se à consideração daqueles a quem foi cometido tal poder, para que ajam tão bem quanto souberem para o bem da Comunidade”.

Chegados aqui, se me perguntar em que qualidade escrevo, se de intelectual ou cidadão comum, respondo: – nem de um ou outro! Um economista que escreve sobre economia ou um crítico literário que explica um texto, não está a agir como intelectual, diria Kristol. São profissionais em acção!

Ora bem, é na condição do profissional que fui, e que, para além de formações específicas, é Auditor de Defesa Nacional, que escrevo este texto.

Muito já se falou dos perigos para a segurança e erosão da soberania do país que uma medida dessa natureza, como noutras anteriores, acarreta. São reais ou imaginários? São actuais ou diferidos? São reais e actuais!

É puro e simplesmente perturbador a inexistência de planos de segurança para os edifícios de soberania, e não só, tal como para os principais dirigentes do país. Funciona entre nós o ilusório princípio de que as coisas más só acontecem com os outros, quando há muito que se fala do “fim do outro”!

Alguém do Palácio da Várzea sabe dizer, p.e., quantas pessoas, em média, circulam nessas instalações? Ou, simplesmente, quantos funcionários trabalham nessas instalações? Ninguém sabe!

É obvio que a construção, paredes meias, de uma Embaixada com o Palácio da Várzea, coloca questões de segurança. Basta atender à “Teoria dos Círculos Concêntricos” em matéria de segurança de edifícios para concluirmos que sim. Mas, existe um serviço central nesse  espaço que cuida dessa problemática? Zero!

A ligeireza como tratamos essas questões raia o absurdo. Existe na nossa capital, p.e., um edifício público, confiscado ao sub-mundo do crime, cuja área perimetral é dominada por gente, no mínimo hostil às autoridades judiciárias c.v.. E a segurança do edifício, existe? Zero! Por outro, os nossos dirigentes, têm segurança? Têm escolta, apenas.

Podemos então falar de erosão da soberania do país? É claro que podemos! Uma vez construída a Embaixada nesse local, farão o que não fazemos, por flagrante capricho e incompetência declaradas.

É obvio que não é por razões de maior ou menor proximidade que essas questões se colocam. O problema está em que deixamos de fazer o que nos compete para que os outros o façam, por nós. Só nos resta, como gosto de dizer, pedir à cooperação internacional, “pijamas” para os nossos serviços de segurança e defesa.

O país nunca estaria em maior ou menor perigo por se erguer uma instalação diplomática estrangeira próxima de um edifício público sensível, não fora a inépcia antes aduzida. O militar de um país como os EUA, atrás de um ecrã, pilota um avião teleguiado. Não ataca um indivíduo identificado por serviços de informações humanas, mas por um estereótipo comportamental.

As ciências sociais estão ao serviço das forças armadas desses países. O que importa é a recolha de sinais e de dados em massa que sejam susceptíveis de compor uma “estrutura comportamental”, diz-nos o professor e investigador, Oliver Koch.

A cartografia é social e visa distinguir quem é ou não inimigo, o combatente do não combatente. Nela não constam nem planícies, montanhas ou cursos de água. Simples amostras para significar que não é a mera distância que determina a maior ou menor segurança, nossa, ou da dos EUA, via sua Embaixada.

Programas de modelização dos comportamentos, o Human Social Culture Behavior (HSCB) Modeling, onde é desenvolvido, vejam só, o projecto de radar social, ou a Plataforma Integrada de Operações Conjuntas (IJOP) chinês para os considerados “inabituais” em Xinjiang, classificam os indivíduos em função do grau de risco que representam. Assim, …

Mas, no meio de toda essa dissonância, ficamos ainda a saber que na zona vai nascer, qual maternidade!, o futuro Downtown da capital. Como pode um Governo, a pouco mais de dois anos de completar a sua legislatura, garantir que o que caracterizará a zona no futuro é ser uma “Central business district”? Sinceramente!

O governo anterior também desejou clusters. Estiveram anos no poder. Temos algum? Caramba, um Downtown não é planificável, tal como um Cluster, diz-nos Michael Porter, autor da noção de cluster. Surgem em função de um conjunto vário de factores, mas espontânea e livremente.

Precisamos de princípios orientadores e objectivos por que deve reger a nossa política externa. Quem os traça? Serão consensuais ou dicotómicas, em função do PAI ou MPD no poder? A partir de que base? Intelectual-elitista ou popular-pobreza? Hard ou soft?

Definitivamente diria, com M. Walzer, que “a melhor política externa é uma boa política interna”. Ou, dito com o embaixador J. Tolentino, citando Richard Haass, “Foreing Policy Begins at Home”. Contudo, opinião minha, esta tem balanceado entre os seus extremos.

* Título da responsabilidade da Redacção

Praia,  13.05.19

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