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Opinião

“Jovem Paulino foi tocado por Deus ao ver a dedicação dos missionários em Cabo Verde”*

 

Por. Padre António Manuel Monteiro Silves “Ima” Ferreira**

Dom Paulino Livramento Évora, primeiro bispo cabo-verdiano, que por 34 anos governou esta diocese, nasceu nesta cidade da Praia, a 22 de Junho de 1931.

Aos 18 anos partiu para o Seminário dos espiritanos em Braga, Portugal, onde veio a ser ordenado sacerdote no dia 16 de Dezembro de 1962.

Até 1965 ele foi professor e sub-director no Seminário de Fraião, Braga, e depois, enviado como missionário a Angola onde, após 10 anos de missão, foi escolhido pelo Papa Paulo VI para bispo de Santiago de Cabo Verde, sucedendo Dom José do Carmo Colaço. Em Cacuso, Angola, a 1 de Junho de 1975, Dom Paulino Évora recebeu a ordenação episcopal pela imposição das mãos de Dom André Muaca.

O jovem Paulino, natural de Nossa Senhora da Graça, que foi tocado por Deus ao ver a dedicação dos missionários em Cabo Verde, acabou por ser Bispo e regressou à terra natal no dia do seu 44º aniversário natalício: 22 de Junho 1975, precisamente 13 dias dias antes da proclamação da independência nacional. À sua chegada, o povo de Deus, indo a pé, em camiões e automóveis – invadiu o aeroporto para acolher o seu novo pastor, esperado com ansiedade e muita alegria.

Dom Paulino sabia que uma longa e difícil aventura o esperava. Ele enfrentou com tenacidade todas as vicissitudes do ministério episcopal. Foram 34 anos desafiadores com alegrias e dores de serviço a Deus e aos irmãos nestas sofridas ilhas atlânticas, marcadas pela seca e pela esperança de um povo, cuja resiliência se deve, inegavelmente, à secular fé cristã, implantada a partir dos remotos anos 1460 (descoberta das ilhas) tendo atingido o ponto alto em 1533, data da criação da diocese.

Dom Paulino entrou na diocese num tempo de difícil transição: a 5 de Julho de 1975 foi proclamada a Independência Nacional, valor que Dom Paulino sempre reconheceu, mas sem deixar de «abrir bem os olhos e ler os sinais dos tempos». Sopravam os ventos  contrários à Igreja Católica. Todavia, pacientemente, foi-se entregando à causa da Boa Nova da libertação (seu lema), Dom Paulino, firme na defesa da liberdade da Igreja para cumprir a sua missão. Defendeu também os direitos civis e espirituais do povo, a liberdade pessoal, o valor insubstituível da família, enquanto fundamento da sociedade. Por isso, a democracia cabo-verdiana muito deve à missão deste pastor que nunca esmoreceu na defesa intrépida dos «direitos de Deus» e dos direitos humanos.

Em 1991 o Papa João Paulo II realizou a histórica visita apostólica a Cabo Verde, sob a liderança de Dom Paulino, a quem o Papa enalteceu pela «dignidade» com que Cabo Verde a preparou. Aquele que hoje é S. João Paulo II, revelou nos seus discursos e homilias a confirmação da ação pastoral do «venerado irmão Paulino», e relançou a Igreja para o futuro da Missão e deu um impulso valioso para a abertura democrática no nosso país.

Dom Paulino orientou com visão e com firmeza apostólica a Igreja em Cabo Verde, tendo impulsionado a evangelização em muitas dimensões, sendo de destacar: a inegociável defesa do valor da vida humana, desde à concepção à morte natural; a renovação profunda de uma catequese com rosto cabo-verdiano, a actualização da pastoral juvenil, o estímulo à pastoral bíblica, à pastoral familiar que lhe mereceu lugar de destaque como pastor, a formação de padres diocesanos, a promoção da vida consagrada e da vocação dos leigos e a inequívoca implementação da Doutrina Social da Igreja através das caritas paroquiais e da Cáritas Caboverdiana, criada em 1975 e consolidada através dos anos.

Durante a sua ação pastoral, a diocese celebrou os 450 anos da sua fundação, ocasião para colocar à luz do dia todas as realizações pastorais e sociais da Igreja e relançar a missão com realismo e sede de fazer sempre mais pelo Reino nesta terra atlântica.

Não se pode esquecer a atenção especial que ele deu ao Seminário desde a sua chegada. Os frutos em abundância só começaram a chegar a partir de 1990, e já são cerca de 30 os padres diocesanos. Ordenou a maior parte deles, entre os quais o Pe. Arlindo Gomes Furtado, que o Papa João Paulo II escolheu para 1º bispo da Diocese de Mindelo, criada em 2004. o primeiro cardeal de Cabo Verde). 

Cinco anos mais tarde, em Agosto de 2009 o Papa Bento XVI escolheu D. Arlindo Gomes Furtado para suceder a Dom Paulino na orientação da diocese. Ele tornou-se emérito, mas activo. Enquanto pôde, colaborou com Dom Arlindo na administração do Crisma e nalgumas ordenações, tendo ainda se deslocado às paróquias para as celebrações da Semana Santa.

Dom Paulino pediu a sua resignação aos 75 anos, conforme a lei canónica, mas o papa Bento XVI deixou-o ainda por mais três anos na condução dos destinos desta diocese.

A saúde foi-se fragilizando e depois de um breve tempo de internamento, voltou à residência das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição, onde viveu os últimos 10 anos, por desejo próprio, e onde veio a entregar serenamente o seu espírito na manhã do Domingo 16 de Junho de 2019, solenidade da Santíssima Trindade, 6 dias antes de completar 88 anos de vida e 44 anos de ministério.

É justo que hoje digamos àquele que combateu o bom combate pastoral e guardou a fé: Venham ao seu encontro anjos de Deus, e conduzam-te os santos ao paraíso, às alegrias da vida eterna, pela misericórdia do Pai das Luzes. Descanse em paz nesta sepultura, servo bom e fiel até à vinda gloriosa do Senhor da vida e da morte.

Assim seja.

*Título da responsabilidade da Redacção

**Pároco de Nossa Senhora da Graça e Historiador.

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