PUB

Economia

Milhares de italianos “burlados” por investidores russos a partir de Cabo Verde

Um gabinete de advogados ítalo-espanhol Liberati & Rubio Associados apresentou, à Procuradoria da Comarca da Praia, um primeiro bloco de 95 queixas contra a empresa cabo-verdiana Five Winds Asset Management Consultoria (Five Winds), por alegada burla perpetrada contra cerca de 20 mil italianos, envolvendo mais de 300 milhões de euros.

Outras queixas de cidadãos italianos, que se sentem enganados por esta empresa, ligada à Atlantic Global Asset Management (AGAM), deverão dar entrada nos próximos dias na Procuradoria da Comarca da Praia.

Segundo o advogado espanhol José Vicente Rubio Eire, que esteve na semana passada na cidade da Praia, mais de três mil famílias italianas foram vítimas das “más práticas” da Five Winds. Estima-se que o número de afetados, só na Itália, pode situar-se entre 15 mil  e 20 mil pessoas.

O golpe, conforme a mesma fonte, consiste numa versão moderna do esquema pirâmide, conhecido como Ponzi, uma oportunidade de negócio que se oferece a pessoas leigas em economia perante a promessa de um rendimento semanal (4 a 6%), muito superior ao mercado ordinário. “Em essência, os investidores compram uma série de produtos financeiros oferecidos, pensando que o seu investimento, embora de alto risco, esteja respaldado por negócios reais”, explica. 

A versão mais moderna desse negócio, segundo o advogado, consiste em investimentos em criptomoedas, em comodities ou em investimentos imobiliários em países do golfo. “Nunca detalham os pormenores concretos do negócio que realizam, alegando questões de segurança empresarial, para evitar que outras pessoas possam ter acesso às suas oportunidades de negocio”.

Contudo, explica, que da mesma forma como aconteceu com o famoso banqueiro americano Madoff, “o problema reside quando não há nenhum investimento”. O mesmo terá acontecido com a Five Winds: “Os seus nunca investiram em nada” e “aqui reside a essência da burla e o carácter criminal desse golpe”. Mais perto de nós, em Portugal, há o caso da Banqueira do Povo (ver página 4).

“Na realidade, aos investidores, como acontece no nosso caso, fizeram depender o benefício dos seus investimentos com o número de pessoas que convencessem a entrar no grupo (ou seja na pirâmide). Quanto mais pessoas entrassem, posteriormente, mais benefícios prometiam e, inicialmente, esses dividendos eram pagos”, realça a nossa fonte. Os benefícios, nos primeiros momentos, são abonados aos membros dessa pirâmide, dependem da entrada de novos membros nesse esquema. “Esta é a realidade desse negócio: o risco e o que se oculta aos investidores”.     

Circuito do dinheiro 

As 95 famílias, que acabam de apresentar uma queixa junto da Procuradoria da Comarca da Praia, “não serão as últimas”, garante o advogado. Este considera que, com as queixas ora apresentadas, deu-se um passo importante para denunciar, em Cabo Verde, lugar de residência e nacionalidade das empresas Five Winds e AGAM, e por onde circulou o dinheiro subtraído nesse esquema “fraudulento”.

Estas queixas, conforme a mesma fonte, permitem reforçar a capacidade de intervenção da Procuradoria da Comarca da Praia que, em 2017, tinha congelado as contas da AGAM, por suspeita de envolvimento num esquema fraudulento que visa extorquir dinheiro mediante o sistema de pirâmide. Com isso, o Ministério Público terá condições para envolver a Interpol, no sentido de ajudar a encontrar o paradeiro da AGAM e da Five Winds e o rasto do dinheiro.

A queixa foi apresentada na Praia, porquanto, segundo o gabinete de advogados ítalo-espanhol, as duas empresas estão sedeadas em Cabo Verde, onde o dinheiro era enviado, para depois fazer o seguinte percurso: Cabo Verde–Madagáscar–Cuba–Londres (Inglaterra). Os queixosos querem que, com a ajuda do Ministério Público e da Interpol, o dinheiro faça o percurso inverso, para que possam reaver o capital investido.    

 

Riqueza virtual, risco real

A exposição de um dos 93 queixosos contra a Five Winds e AGAM revela que as causas da impossibilidade de retirar os fundos investidos foram justificadas com o congelamento das contas ocorrido em Cabo Verde, em 2017.

Porém, depois da revogação desse congelamento, por decisão do Tribunal Constitucional, em Março de 2018, “nos informaram que ainda ter-se-ia que esperar alguns meses para permitir a actualização dos procedimentos de pagamento e recebimentos de fundos”.

No caso desse queixoso, o valor acumulado é de 5.287,58 euros. Contudo, conforme expõe, “não existe no website nenhuma opção que permita a retirada dessa soma”. Para além do valor “disponível” para ser pago, a conta desse queixoso apresenta sete pacotes de serviço, cujo reembolso não lhe é permitido, mas que são utilizados exclusivamente para acumular benefícios semanais que são creditados e, “teoricamente”, estão disponíveis para a sua recolha ou para a compra de novos pacotes.

Entretanto, “não obstante o anunciado e prometido pela Five Winds”, esses pacotes “são apenas números” que aparecem no website representando uma “riqueza virtual”, que “não pode ser utilizada para outros fins, excepto para transferências para contas de outras pessoas, na mesma plataforma”. Mas o dinheiro pago pelo queixoso, na altura, “era real”.

O queixoso finaliza a sua exposição afirmando que nunca teve qualquer poder de direção nas empresas Five Winds e AGAM, que nunca participou na recolha de fundos e que, como todas as outra pessoas que foram vítimas dessa fraude, acreditou, “de boa fé” que a compra dos pacotes de serviço da Five Winds e AGAM poderiam garantir lucros semanais. Diz também ter acreditado nas informações prestadas por estas empresas sobre os benefícios do investimento e de como poder obtê-los.

 

Pirâmide de Ponzi

O esquema Ponzi é uma operação fraudulenta sofisticada de investimento do tipo esquema em pirâmide, que envolve a promessa de pagamento de rendimentos anormalmente altos (“lucros”) aos investidores, à custa do dinheiro pago pelos investidores que chegarem posteriormente, em vez da receita gerada por qualquer negócio real. O nome do esquema refere-se ao criminoso financeiro ítalo-americano Charles Ponzi.

Ponzi convenceu amigos e parceiros do novo negócio a apoiarem o seu sistema no início, oferecendo um retorno de 50% num investimento a 45 dias. Algumas pessoas investiram e obtiveram o prometido no intervalo temporal combinado.

O esquema alargou-se, e Ponzi contratou agentes, pagando generosas comissões por cada dólar que pudessem trazer. Em fevereiro de 1920, Ponzi obteve cerca de 5.000 dólares americanos, uma grande quantia naquele tempo. Em Março, já tinha 30 mil dólares. A histeria coletiva cresceu e Ponzi começou a expandir o negócio para a Nova Inglaterra e Nova Jersey.

Em Julho de 1920 já tinha milhões de dólares.

Muitas pessoas venderam ou hipotecaram as suas casas, na esperança de ganhar quantias maiores. Porém, no dia 26 de Julho grande parte do esquema começou a colapsar, depois que o Boston Post começou a questionar as práticas da empresa de Ponzi.

Em Agosto de 1920, os bancos e os meios de comunicação declararam Ponzi em bancarrota. Ele confessou que, em 1908, havia participado de uma fraude muito parecida, no Canadá.

O governo federal dos EUA finalmente interveio e descobriu a mega-fraude. Ponzi foi detido mas logo liberado, mediante pagamento de fiança. Decidiu continuar com o seu sistema, convencido de que o poderia sustentar.

Rapidamente o sistema caiu e os poupadores perderam o seu dinheiro. A maior parte das pessoas não obteve benefícios, e muitos haviam reinvestido os lucros no esquema fraudulento. Embora a fraude tivesse sido descoberta e apesar de Ponzi ter sido deportado para Itália, ele foi aclamado como um benfeitor por muitos.

Em Portugal, houve também o famoso caso Dona Branca, “a banqueira do povo”. Esta mulher, de origem humilde, começou bastante jovem a guardar o dinheiro das peixeiras ao longo do dia, devolvendo-lhes, ao anoitecer, com uma pequena compensação pelo “depósito”.

Dona Branca, cuja vida inspirou uma telenovela, tornou-se, com os anos, numa importante “financeira”. No seu caso, quanto mais altos os depósitos, mais elevadas as taxas de juro que aplicava. O esquema faliu, nos anos oitenta, acabando D. Branca presa e condenada. Contudo, devido à avançada idade, foi posta em liberdade, morrendo cega e pobre num lar de terceira idade.

DA

PUB

PUB

PUB

To Top