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Opinião

Podemos explorar a chuva artificial como fonte alternativa efetiva de água? (Parte I)

Por: João Pires*

Introdução

Água é vida! É uma substância especial que existe nos 3 estados conhecidos.

Na sua forma líquida a sua escassez agudiza-se em muitas partes do mundo com a intensificação das mudanças climáticas a resultar em condições mais severas de temperatura e secas e consequentemente expansão da escassez e potenciais conflitos.

Na qualidade de sólido, está muito distante e fora do alcance técnico e financeiro e temporal de vários países, em particular os estados mais áridos. A mobilização de icebergs como alternativa de abastecimento de água potável e combate à seca em regiões severamente afetadas levanta mais questões que soluções que apresenta. Reconhece-se o mérito da ideia quando considerarmos que o volume de água pura contida nos icebergs que se libertam das geleiras da Antártida por ano é maior que o consumo mundial de água potável. 

No seu estado de vapor de água retido nas nuvens tem por fonte a evaporação da água de múltiplos corpos de água com destaque para o mar. A todo o momento a atmosfera contém um volume colossal de água – 142 milhões de biliões de litros – na fase de vapor invisível. Este volume é suficiente para cobrir toda a superfície da Terra (parte sólida e oceanos) com 25,4mm de chuva. Esta fonte alternativa tem potencial de exploração capaz de trazer benefícios onde a água é escassa.

O cenário cabo-verdiano de seca extensiva

Cabo Verde experimenta uma seca severa extensiva (meteorológica, agrícola, hidrológica e socioeconómica) num cenário de mudança climática em curso. Sem chuvas, sem recargas dos pontos de água, a forte demanda por água da parte da população exige que o potencial para melhorar as fontes, o armazenamento e reciclagem de água seja examinado cuidadosamente. As autoridades reconhecem que o nível de água no subsolo baixou e é manifestamente insuficiente; e que os reservatórios principais de água estão a um nível abaixo dos valores habituais. Reconhecem ainda que os movimentos migratórios internos ao se afunilarem em alguns pontos do país exercem pressão exacerbada sobre os recursos e impactam fortemente a vida das pessoas.

Munidas dessas informações as autoridades declararam uma emergência hídrica que ainda vigora (2019) e impuseram uma gestão da insegurança hídrica focalizada na infraestruturação hidroagrícola, no apoio técnico-material aos produtores, na mobilização de água e na fiscalização e implementação de medidas restritivas de uso da água. Outras iniciativas estão em curso mas não são aqui retratadas.

Variadíssimas vezes nuvens negras precursoras de tempestades, cúmulos-nimbos, tapam o sol, pairam sobre as nossas cabeças, sinal eminente de chuva, só para se dissiparem como que por um toque de magia (há sempre quem não gosta que chova). E isso acontece amiúde em anos de seca. Nestas circunstâncias, é aconselhável e até desejável ajudar a mãe Natureza a nos ajudar pela indução de chuva artificial. Quando as probabilidades de chover são revigoradas, a precipitação é acelerada não demorando muito para começar a chover, segundo experiências de empresas que fazem a semeadura de nuvens.

A mobilização da água em Cabo Verde…

Os registos apontam para uma experiência e historial recheados de sucesso e falhas. A dessalinização da água do mar cobre mais ilhas e municípios do país e libertou caudal de exploração subterrânea para uso agrícola em alguns casos. O elevado preço no consumidor de água dessalinizada não deixa antever seu uso expressivo na produção alimentar no curto-médio prazo.

Essa raridade progressiva torna a demanda por água potável mais pressionante exigindo a procura por uma válvula de escape. O imperativo para as autoridades é descobrir e executar alternativas novas de abastecimento às suas populações e manter os diferentes setores a funcionar com destaque para a agricultura. Poderá a resposta estar num método controverso de indução de chuva com origem nos anos da década de 1940?

O processo de mobilização de água das nuvens. O que é? Como?

As precipitações  atmosféricas provêm de nuvens. Sem nuvens não há chuva. Ninguém consegue fazer nuvens fora de laboratórios. Mais, nem toda a nuvem dá precipitação. É bem conhecido na meteorologia que partículas dos escapes das chaminés industriais e dos domicílios, dos automóveis e das centrais térmicas de produção de energia, e as poeiras da Bruma Seca podem “provocar” a geração de nuvens. Quando as condições microfísicas no interior das nuvens se tornarem propícias, o vapor de água condensa, forma gotas de chuva que coalescem com as partículas microscópicas, ganham dimensão e peso que a nuvem deixa de reter e então o conteúdo cai à terra sob forma de chuva, neve e granizo.

Deriva desta situação a possibilidade de se introduzir materiais formadores de gelo nas nuvens para induzir, desencadear e acelerar o processo de formação de água de chuva de forma mais eficiente no interior do corpo de nuvens para que haja pluviometria. A dispersão de substâncias aglutinadoras no ar é uma modalidade científica de modificação climática conhecida por chuva artificial, bombardeamento ou semeadura de nuvens, ou ainda, nucleação artificial. Essa dispersão altera os processos microfísicos no interior das nuvens. O mesmo princípio se aplica à precipitação natural. Há sempre vapor de água no ar e nas nuvens mesmo quando a humidade do ar é muito baixa.

Embora a prática dessa modalidade tenha muitos defensores, incluindo autoridades governamentais, alguns especialistas (meteorologistas e cientistas atmosféricos) questionam sua eficácia. “Ainda há muitas incógnitas e muito mais pesquisas a serem feitas”, diz Deon Terblanche, diretor de pesquisa da Organização Mundial de Meteorologia a propósito da produção artificial de chuva. “Mas… se isso puder ser feito com sucesso, trará enormes benefícios, especialmente para áreas com escassez de água.” Considerações sobre a sua utilização aqui expressas referem-se ao combate à estiagem.

Semeadura de Nuvens, chuva artificial, bombardeamento de nuvens – quais as probabilidades?

A SN poderá ser mais um dos métodos que poderá contribuir para aliviar o problema da escassez de água vivenciada neste país. A ciência e tecnologia nesta matéria evoluíram muito e se a SN for aplicada corretamente poderá trazer benefícios. Vários países – os Estados Unidos da América, a China e os Emirados Árabes Unidos na vanguarda – estão recorrendo à “chuva artificial” para obter maior número de precipitações em seus territórios áridos, semiáridos e desertos para combater a estiagem.

É muito onerosa, dirão alguns. Sim, mas o seu custo é considerado insignificante quando comparado com o da mitigação do impacto da seca, e com o custo de nada fazer. A SN é potencialmente mais barato que outros projetos como desviar cursos de água entre bacias/ sub-bacias hidrográficas, construir novos canais ou melhorar os sistemas de irrigação. O fascínio pela SN pode redirecionar a atenção e o financiamento de outros projetos que poderiam ser mais promissores. Esta alternativa promissora de abastecimento de água poderá ou não ser uma aposta das autoridades; e apostar na SN como mais um elemento de estratégia de combate à seca é uma decisão a ponderar.

Em 2016, 56 países mantinham operações de SN, comparado com 42 em 2011 – dados da Organização Mundial de Meteorologia. Mali, Marrocos, Senegal, Burkina Faso já conduziram operações de semeadura de nuvens para compensar a crescente demanda por recursos hídricos. O programa de SN da BF obteve tanto sucesso que o CILSS ponderou mobilizar 50m€ de financiamento para alargar a SN aos outros membros da organização. A SN na África Ocidental é melhor conduzido durante a estação das monções, que geralmente ocorre entre junho e outubro.

O projeto de execução da barragem de Poilão de acordo com informação não confirmada incorporava uma componente chuva artificial. Convém relembrar que a China é um campeão na matéria.

*Agrónomo de formação; reformado.

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