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Cultura

Maria de Sousa esteve na Morna de corpo e alma

A artista cabo-verdiana Maria de Sousa, faleceu na quarta-feira, 23, em Portugal, onde se encontrava em tratamento. Aquela que foi uma das vozes do conjunto Simentera, com quem gravou quatro discos. A solo, realizou um sonho aos 62 anos, em 2007, ao lançar o disco “Cabo Verde na Morna”.

O A NAÇÃO deixa-lhe aqui um texto da autoria da jornalista Gisela Coelho e publicado, na altura, no nº23 da Revista Fragata, da TACV. Um artigo que resultou de uma entrevista em que Maria de Sousa falou da sua relação com a música e em especial da Morna, por ocasião do seu disco a solo.

“Na morna de corpo e alma”

Detentora de uma voz doce, meiga e muito suave, Maria de Sousa não esconde a simpatia pela Morna, estilo que veio a dar origem ao seu primeiro álbum “Cabo Verde na Morna”. Um CD dedicado ao arquipélago e às suas gentes, numa viagem romântica, sentida e saudosista, pelas ilhas.

Maria de Sousa é natural de Monte Sossego, São Vicente, mas cresceu na “Morada”, onde desde cedo despertou para a riqueza musical da ilha do Monte Cara. Diz o ditado que filha de peixe sabe nadar e esta artista não renega as origens. “O meu pai era músico, tocava na Banda Municipal de São Vicente e tenho familiares em outras ilhas que também estão ligados à música. O meu avô era de São Nicolau e a minha avó da Boa Vista, duas ilhas com grande tradição musical. Foi uma herança que já estava no sangue”, afirma a autora de “Cabo Verde na Morna”, o seu primeiro álbum a solo.

Tinha 17 anos quando pisou pela primeira vez um palco para cantar, durante uma peça de teatro. Ironicamente, a estreia deu-se na música espanhola e não na crioula. Nada que a intimidasse porque o gosto pela música não tem fronteiras e desde jovem que se interessava por sonoridades de outras paragens. “Tinha-mos um gramofone em casa e eu escutava os discos de 48 rotações, punha no volume máximo e ficava a ouvir e a cantar, ao mesmo tempo. Gostava muito de ouvir o Ray Charles, tinha um disco dele que perdi, e até agora ainda choro por isso. Mas não perdi a esperança e penso que um dia ainda o vou recuperar”, conta com saudade do passado.

Na Rádio Barlavento

Das cantorias à janela, o talento de Maria de Sousa rapidamente chegou aos microfones da Rádio Barlavento. “Recordo-me do dia da gravação. Cantei mornas e duas coladeiras. Éramos vários artistas e da parte da manhã tinha gravado a Arminda Santos. Há noite, quando eu estava a sair do estúdio de gravação, estava a entrar Cesária Évora para cantar também na rádio”, conta orgulhosa. O fascínio pela Morna começou a crescer e esta intérprete cantava composições de B.Léza e Manuel de Novas na rádio pelo sentimento que as músicas lhe transmitiam. “Gosto de cantar as mornas que têm uma melodia suave e sentimental. Gosto de viver o autor, de sentir aquilo que ele sentia quando compôs. Adoro transpor isso através da música”, explica sobre a sua cumplicidade com a Morna.

Uma cumplicidade alcançada pela inspiração de Bana, o seu intérprete de eleição. “O Bana influenciou-me muito na maneira como canto a Morna, posso dizer que aprendi muito com ele. Eu era uma ouvinte assídua da rádio e havia um programa que dava às 21h30, uma vez por semana. A essa hora em ponto estava de ouvido colado na rádio para ouvir a Titina, a Cesária e o Bana”, revela.

Da Rádio Barlavento para as noites cabo-verdianas foi um passo e esta artista chegou a actuar muitas vezes no Éden Park, juntamente com o grupo “Os Caites”. Momentos que levou com “sodade” no coração, quando aos 31 anos, por motivos profissionais foi transferida para a embaixada de Cabo Verde na Holanda.

Mas o arquipélago foi junto no coração e com ele a música tradicional das ilhas. Simentera ponto de viragem Dez anos depois, Maria de Sousa regressa a Cabo Verde e viria a ser uma das fundadoras do grupo Simentera. A artista revela que viveu um ponto de viragem na música ao lado de artistas como Mário Lúcio, Tété Alhinho, Teresinha Araújo, Charles Gomes e Nicolas Soares, entre outros elementos do Simentera. Depois da experiência dos Simentera, cada elemento seguiu uma carreira a solo e também Maria de Sousa sentiu um apelo para fazer algo pela música e pelo povo de Cabo Verde.

Um compromisso que viria acontecer em 2007, altura em que lançou o seu primeiro CD “Cabo Verde na Morna”, uma viagem pelo arquipélago, através da Morna. Tributo às ilhas Um trabalho dedicado a todos os cabo-verdianos e, em tom de “sodade” especial, à Diáspora, um sentimento também por ela vivido.

“Morna é um símbolo da Diáspora, da ausência e ao mesmo tempo da presença incessante da terra querida no coração, o ter que partir e querer ficar”, afirma a cantora. O álbum tem a Direcção Musical de Mário Lúcio Sousa, que também toca vários instrumentos e conta ainda com a participação de músicos como Humbertona e Lela Violão. Ao todo são 12 temas com músicas de compositores como Vuca Pinheiro, Norberto Tavares, Antero Simas e ainda dos irmãos José Silva e Alberto S. Silva (Santos), Kaká Barbosa e Jotamonte, entre outros. A estas mornas famosas juntam-se dois originais de Mário Lúcio, “Morna et Citara” e “Canto do Buda”.

Texto e fotos: Gisela Coelho

Publicado na edição nº23 da Revista Fragata

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