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Opinião

Que nos reserva o futuro? (2)

Por: Arsénio Fermino de Pina*
No cristianismo, os homens são os mestres do mundo, visto o Criador e os Testamentos lhes terem dado esse direito e mais o dom de possuírem uma alma eterna que faltava aos outros animais, os quais devem servir às necessidades humanas. Outras religiões têm mais simpatia para com os animais como, por exemplo, o induísmo, em que a vaca é sagrada, podendo-se, no entanto, utilizar o seu leite. Todavia, as pesquisas científicas mais recentes contradizem categoricamente esse mito monoteísta, por não haver nenhuma prova científica da existência da alma eterna, imutável e invisível. A ideia da existência da alma contradiz os princípios fundamentais da evolução, razão que explica o ódio à teoria de Darwin cultivado pelos monoteístas fundamentalistas criacionistas. A ciência varreu de um só golpe a ideia de alma e de deus, o que não quer dizer que isso seja aceite por aqueles que ainda acreditam em forças sobrenaturais.
A questão do espírito e da consciência é completamente diferente da alma eterna e imutável. 99% das actividades do organismo – movimento dos músculos, secreções hormonais, batimentos cardíacos, respiração, etc. – realizam-se sem necessidade de nenhum sentimento consciente. Mesmo num indivíduo que teve um AVC e fica em estado aparentemente vegetativo, ou não consegue falar nem escrever e controlar o seu corpo, é possível comunicar com ele graças à moderna imagem de ressonância magnética funcional. Igualmente intrigante foram as constatações de cientistas da Universidade de Cambridge sobre a consciência, de não ser somente o homem a possuir os substractos neurobiológicos da consciência, mas também os mamíferos, aves, polvos e outras espécies, sendo mesmo admissível que tenham consciência de si, do seu eu. 
Como o humanismo santificou a vida, as emoções e os desejos dos seres humanos, não deverá surpreender que uma nova civilização humana queira maximizar a duração da vida, a felicidade e o poder dos seres humanos, como veremos mais adiante.
No ensino na Idade Média, por exemplo, a fonte da autoridade era sempre exterior. Os alunos tinham de conhecer as respostas dadas por Aristóteles, o rei Salomão ou Tomás de Aquino. A educação moderna ensina os alunos a pensar por si próprios, não a decorar ditos de outrem, dando-lhes os instrumentos para poder descobrir o que procuram ou lhes interessa.
 Na primavera de 1793, as casas reais europeias enviaram os seus exércitos para matar no ovo a Revolução Francesa. Os exaltados revolucionários de Paris reagiram proclamando a mobilização geral, servindo-se da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, reconhecendo a todos os cidadãos um valor igual e direitos políticos iguais, o que aumentou a motivação do povo e o seu espírito de iniciativa e sacrifício que levaram de vencida os invasores. Esta luta e as guerras foram feitas por milhões de soldados, levando à morte grande número deles. Com os avanços da tecnologia, graças aos progressos da ciência, as guerras passaram a ser levadas a cabo por muito menos soldados ou sem estes, à distância com uso de aviões, foguetes, drones e bombas nucleares que matam de uma assentada milhões, como aconteceu em Hiroxima e Nagasaki.
Como vimos, ao longo da história, o mercado de trabalho foi distribuído em três sectores: agricultura, indústria e serviços. Até 1800, a maior parte das pessoas trabalhava na agricultura; com a revolução industrial, nos países industrializados, os camponeses deixaram o campo, passando a trabalhar na indústria e nos serviços nas cidades.
Com o desenvolvimento da ciência e os progressos tecnológicos que nos levaram à época dos computadores, da informática, da genética, da nanotecnologia e inteligência artificial, concluiu-se que os organismos eram algoritmos orgânicos determinados pela relação natural ao longo de milhões de anos de evolução. São, portanto, os algoritmos – elementos matemáticos e informáticos, isto é, uma sequência finita de acções executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema, representando, portanto, passos necessários para realizar uma tarefa. Uma receita de culinária com os seus passos e tempos é um exemplo de algoritmo – dizíamos, os algoritmos são um sistema autónomo que segue a sua voz em vez dos mandamentos de deuses. Quem não anda nos segredos da ciência e da tecnologia avançadas, mas conhece os instrumentos desses progressos, pode constatar que máquinas sofisticadas inteligentes são capazes de ganhar um campeão de xadrez, como aconteceu ao campeão russo Kasparov contra a máquina inteligente Deep Blue; pode-se chegar a resultados em segundos, através de computadores, quando o homem levaria horas, dias ou meses e anos ao mesmo resultado, a fornecer dados e resultados solicitados quase instantaneamente. Os robots substituem o trabalho do homem com maior eficiência, rapidez e segurança, o que nos põe um problema bicudo no futuro próximo com aumento de desemprego. O que irá contar no futuro são as capacidades intelectuais e especialidades dos homens, não o seu número, pelo que há que aumentar os investimentos nas universidades que fazem investigação, devendo também, as grandes empresas se dedicarem à investigação, porque os algoritmos electrónicos são cada vez mais sofisticados e eficazes, tornando a inteligência artificial mais operacional do que o homem, diferindo da inteligência humana somente por não possuir emoções nem sentimentos. Essas máquinas ensinadas a decidir e trabalhar sozinhas, beneficiam de investimentos em grande pelos EUA – 20 mil milhões de dólares, pela China – 7mil milhões, e a EU – 3,5 mil milhões. Mas, como as emoções e sentimentos são algoritmos, é bem provável que os cientistas informáticos venham a conseguir convertê-los em algoritmos, o que levaria a inteligência artificial a ser autónomo, superior à inteligência humana, enfim, o busílis, porque se isso acontecer, a espécie humana poderia ser eliminada pela inteligência artificial.
Aplicando todos os avanços tecnológicos da genética, da biologia e das nanotecnologias à medicina – e alguns já estão sendo utilizados – teremos possibilidade de chegar a tempo a diagnósticos e terapêuticas, a corrigir e prevenir doenças genéticas, a criar homens e mulheres mais saudáveis através da fecundação in vitro e prolongar a vida para além dos cem anos com boa qualidade de vida. Isso tudo se a loucura humana não levar à destruição do Planeta devido ao aquecimento global ou à destruição por guerra atómica. Enquanto Hitler e os nazis contavam criar super-homens via reprodução selectiva, limpeza social e étnica, o humanismo do século XXI espera atingir esse objectivo muito mais pacificamente, com o concurso da genética, das nanotecnologia das interfases inteligência artificial computadores. Nos nossos dias, o saber, o conhecimento e o domínio de tecnologias são a principal fonte de riqueza, o que antes se limitava aos activos materiais, minas de ouro, campos de cereais e poços de petróleo.
 
Parede, Abril de 2019.
 *(Pediatra e sócio honorário da Adeco)
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 608, de 25 de Abril de 2019)

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