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Sociedade

Utentes questionam: Centro de Saúde de Achadinha vira Museu do Carnaval

A cedência, ainda que provisória, de parte das instalações do Centro de Saúde de Achadinha (na Praia) ao grupo carnavalesco Vindos d’África, por o edifício apresentar problemas de construção, não acolhe a concordância de certos sectores da população que, actaulmente, tem que procurar, na Fazenda e no Platô, os serviços antes prestados no referido centro. 
Inaugurado em 2009, o Centro de Saúde de Achadinha, financiado pela União Europeia em cerca de 67 mil contos, foi sol de pouca dura. 
Financiado juntamente com outros centros construídos na governação anterior, esse centro começou em 2014 a apresentar graves problemas nomeadamente infiltrações, humidade e fissuras enormes no tecto, nas paredes e no chão, entre outros. 
O edifício chegou a receber três obras de correção até que, finalmente, em 2017, acabou ser dado como inapto. Em consequência disso, os serviços que prestava foram transferidos para o Centro de Saúde Reprodutiva (PMI) da Fazenda. 
Estranhamente, três anos depois, o local ressurge como um “Museu Carnavalesco”, do grupo Vindos d’ África. Este facto, conforme A NAÇÃO constatou, no terreno, não acolhe o apoio dos antigos utentes desse centro da saúde e não só. 
Na opinião de Manuel António Lopes, morador desse bairro, se o espaço não serve para acomodar os serviços de saúde tão-pouco deveria servir para abrigar o referido grupo carnavalesco. 
“Não tenho ideia das razões que levaram â cedência do espaço, mesmo que provisório, mas que é estranho, lá isso é. Pessoalmente, não congratulo-me com a ideia de um centro de saúde, que custou muito dinheiro, se tornar num museu carnavalesco. Se não serve para saúde, pelo menos, que sirva para algo mais social ou educacional, porque nem a sociedade nem o Governo tem algo a ganhar com o carnaval”, defende.
E a segurança?
Edson Tavares, pelo contrário, diz não ter “nada contra” a cedência “provisória”, já que a questão, para ele, é a segurança. 
“Se deram o centro de saúde por inapto, por apresentar problemas sérios de segurança, como é que pode servir para outros fins? Ainda mais, actividades carnavalescas que envolvem dança, batucadas. Por nada deste mundo, eu confiaria entrar lá e espero que, caso venham a surgir problemas mais tarde, o responsável por isso venha a ser responsabilizado”, diz este ex-morador do Bairro Craveiro Lopes. 
Enquanto engenheiro civil, de profissão, este cidadão aponta como erro principal o não estudo do terreno antes da construção do edifício. 
“Esta é uma falha difícil de aceitar numa obra que custou tanto dinheiro”, afirma. 
Onde estavam os fiscais da obra?, é uma das perguntas que alguns se colocam, da mesma forma que se pergunta se a empreiteira foi chamada ou não a corrigir os problemas surgidos. “Antes de qualquer coisa, o Estado deveria estudar o terreno para não jogar fora o dinheiro que é de todos nós numa obra que, apesar de necessária, não valeu a pena”, diz indignado Adriano Aguiar. 
De Centro de Saúde a Museu. Quem permitiu?
Segundo explicou o presidente do Vindos d’África, o espaço “foi cedido” pelo coordenador do Centro de Saúde de Achadinha, Odair Carvalho, e pela Delegada de Saúde, Ulardina Furtado, com o conhecimento do Ministério de Saúde e do Património Geral do Estado, numa “determinada circunstância”.
“Quando tivemos que sair do antigo Cinema Universal, onde permanecemos por mais de cinco anos, recebemos da Delegacia de Saúde, de forma provisória, o antigo posto de saúde do Bairro. 
Neste momento, como o posto de saúde vai ser reactivado, pedimos à delegada e ao director do centro de saúde para ficarmos no edifício”, explica João “Breu” Gomes, acrescentando que a cedência é do conhecimento do Ministério da Saúde e do Director Geral do Património do Estado. 
Entretanto, tendo em conta os riscos em termos de segurança, Breu esclareceu que o Vindos d’África está a ocupar a sala de espera e a parte dianteira do centro de saúde que “não apresentam nenhum risco, segundo uma arquitecta que avaliou a obra antes da nossa mudança”.
Quanto ao descontentamento dos utentes da Achadinha e arredores, Bréu não esconde a sua dificuldade em entender tal posicionamento. 
“É complicado entender o ser humano. O lugar estava abandonado e ninguém reclamou. Mal acabamos de ocupá-lo, aparece gente que não concorda. Quando tomaram-nos o Cinema do Bairro, um espaço criado na década de 80 para actividades culturais, muito pouca gente solidarizou-se com a nossa situação. Se um lugar com fins culturais passou a ter fins religiosos, algo que nem quero voltar a comentar, talvez não seria estranho um centro de saúde, abandonado e sem condições para funcionar como tal, tornar-se num museu de carnaval”.
Contactado pelo A NAÇÃO, o responsável do Centro de Saúde de Achadinha, Odair Carvalho, esclarece que, apesar do seu consentimento, “a história não é bem assim”, isto é, como começou por vir a público. 
“Eu fiquei espantado quando falaram para a comunicação social que o Ministério de Saúde cedeu o espaço para o Vindos d’África e que há lá um museu. Não podiam ter dito isso, porque em nenhum momento o Ministério da Saúde lhes entregou o espaço a título definitivo”. 
Carvalho esclarece que a cedência é “provisória” e que isso foi “muito bem acordado” entre as partes envolvidas neste assunto. 
“O grupo falou directamente comigo e com a delegada de saúde. Falámos com o Ministério de Saúde e, dada a boa relação que temos, juntos, decidimos que o Vindos d’África podia ocupar o espaço por enquanto. O tempo de permanência não é difinitivo uma vez que ainda não existe nenhum plano para a recuperação do espaço pelos riscos que a parte traseira apresenta”, acrescenta.
Por seu turno, a Delegada de Saúde da Praia, Ulardina Furtado, admitiu também ao A NAÇÃO que “é, sim” do conhecimento dela “a ocupação do Centro de Saúde de Achadinha pelo grupo Vindos d’África”, mas que a “cedência é provisória” e que cabe à Direcção Geral do Património do Estado decidir até quando as instalações ficarão na posse do referido grupo carnavalesco, porquanto considera que essa decisão não é da sua alçada.
Edifício vai ser demolido
Contactada também, a Direcção Geral do Património do Estado esclareceu que, apesar de não ter negociado directamente com o grupo Vindos d’África, tomou conhecimento do assunto e que não há nada oficial sobre  cedência do imóvel. 
“O Património, em si, não deu espaço a ninguém. Fomos informados que vai ser ocupada a parte dianteira do edifício que, ao que parece, não tem riscos e não vemos porque não ceder. Portanto, não há nada oficial”, reitera o director geral do Património do Estado, João Tomar. 
“Soubemos que o espaço se encontra abandonado e sem guarda, correndo risco de invasão”. 
Neste sentido Tomar diz achar “por bem” que o grupo “ocupe e cuide” das instalações do antigo Centro de Saúde de Achadinha até que se decida o destino, quase certo, que “será a demolição”. “Tendo em conta os problemas de base que o edifício apresenta, a única solução será a demolição, porque já não serve para nada. Inclusive, apelo às pessoas que lá estão para terem muito cuidado”, conclui o nosso entrevistado. 
 
Utentes reclamam falta do Centro de Saúde de Achadinha 
Tanto Manuel António Lopes como Edson Tavares questionam a “retirada provisória” do Centro de Saúde da Achadinha que, segundo disseram, “muita falta” deixa à comunidade.
 “O centro deixa muita falta sobretudo para os idosos que têm problemas de deslocação e que agora têm que se deslocar aos serviços de saúde na Fazenda ou no Platô para as suas consultas. 
Mas a nossa preocupação agora é saber quando é que vamos voltar a ter um centro de saúde, já que a mudança para Fazenda sempre foi provisória. Além disso, como todos sabem, as instalações do PMI/PF não apresentam condições suficientes para suportar todos os serviços que tem”, salienta Manuel Lopes.
Adriano Aguiar é um cidadão que diz sentir na pele a falta do Centro de Saúde de Achadinha. Portador de deficiência, tem agora que se deslocar à Fazenda ou ao Platô, sempre que necessário. 
“Eu fiz as minhas consultas, várias vezes, no centro de Achadinha e hoje sinto muita falta dele porquanto agora tenho que me deslocar a um outro serviço da cidade, tendo em conta as minhas dificuldades de andar”.
 
Centro de Fazenda lotado de serviços e com falta de espaço
Com a desactivação do Centro de Saúde de Achadinha, os respectivos serviços passaram a ser prestados no Centro de Saúde Reprodutiva (ex-Protecção Materno Infanfil/Planeamento Familiar – PMI/PF), na Fazenda (Praia), uma infraestrutura, erguida nos anos 80, que não consegue “suportar” todos os serviços. 
A falta de espaço apresenta-se, neste momento, como o principal desafio, de acordo com o seu responsável, o médico Odair Carvalho. 
“Somos o único centro com alargamento do atendimento até às 18 horas. Temos serviços de pediatria, psicologia, nutrição, clinica geral, dermatologia, estomatologia, ecografia, farmácia e citologia. No entanto, gostaríamos de ter também os serviços de curativo e fisioterapia, mas tendo em conta a limitação de espaço, isso não é possível e lamentamos bastante”, explica este clínico-geral. 
Aquele responsável lamenta que essa limitação de espaço não permite dar mais conforto aos 49 funcionários que, diariamente, atendem perto de 650 utentes das seguintes zonas de cobertura: São Martinho Pequeno, Trindade, Eugénio Lima, Bairro Craveiro Lopes, Achadinha, Várzea, São Pedro, Pensamento, Calabaceira, Platô, entre outros, além de pessoas de São Filipe e São Domingos. 
Segundo destacou, todos, de um modo geral, preferem aquele estabelecimento porque consideram que o atendimento é “mais rápido e sem lista de espera” nas consultas de clínica geral.
Em termos de tempo de permanência dos serviços que eram prestados no Centro de Saúde de Achadinha na estrutura da  Fazenda, esse responsável nota que “ainda estamos num impasse e não sabemos o que será feito de nós e, se sairmos daqui, para onde iremos”.
Odair Carvalho aponta que a situação é do conhecimento do Ministério da Saúde que está em processo de resolver o problema, acrescentando que a remodelação do antigo Posto de Saúde do Bairro “Craveiro Lopes” pode ser uma solução.
RM
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 650, de 13 de Fevereiro de 2020)

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