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Sociedade

Cinzas: Festa rija em Santiago

A Festa de Cinzas em Cabo Verde, particularmente na ilha de Santiago, comemora-se com muita fartura e fraternidade. Uma tradição muito “sui generis” no Arquipélago, que remonta à época escravocrata. Conheça a história e as iguarias por detrás da Tradição, de fazer crescer água na boca.  
Conforme manda a Tradição da Santa Madre Igreja, Católica Romana, a “Quarta-feira de Cinzas” assinala o começo da Quaresma, período de 40 dias de jejum e abstinência, no qual os cristãos se preparam para a Festa da Páscoa – Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. 
Especialmente na Ilha de Santiago, a Tradição das Cinzas é vivida de forma diferente e com muito entusiasmo pela população cristã que, na Quarta-Feira de Cinzas, tem um ritual muito próprio de assinalar essa efeméride do Calendário Cristão. 
Depois da Missa e tradicional imposição de cinzas, os católicos e simpatizantes reúnem-se em família ou com amigos para o famoso almoço de Cinzas, conhecido também em Santiago como o almoço “mais farto” do ano. Todos são bem-vindos, bem ao jeito da “morabeza” crioula.
Na mesa não podem faltar os pratos típicos da época, confeccionados à base de peixe seco, xerém, trotchida (feijão pedra seco e descascado – “trotcido”), couve, mandioca, batatas, coco e cuscuz com mel. 
As iguarias que fazem a fartura, que, curiosamente, contrariam os princípios da Igreja Católica, que impõe que este dia seja de meditação, jejum e abstinência. Aliás, a imposição das Cinzas significa o início da Quaresma, período de jejum, abstinência e oração, o que na ilha de Santiago é vivido com alguma contradição entre o jejum propagado e a fartura que na realidade se pratica. 
O certo  é que segundo o investigador e docente universitário José Maria Semedo, existe uma explicação para tal. Como descreve na Página Oficial da Diocese de Santiago, o facto da Quarta-feira de Cinzas ser um dia de muita fartura, unicamente na ilha de Santiago, remonta à época escravocrata.
“As Cinzas assumiram-se como um dia em que os proprietários dos escravos evitavam comer em demasia e ofereciam aos seus escravos o máximo de comida possível. Mas, à semelhança das outras ilhas onde não se estabeleceu a tradição da fartura, a regra era a mesma: uma única refeição diária”, explica esse investigador.
O excesso – conforme José Maria Semedo – é para compensar em quantidade a penitência. “Isso justifica um pouco o volume, porque, no dia de Cinzas, também na ilha de Santiago, só se come uma vez. Mesmo para os que tomam a festa como o dia de encher a barriga, só comem, nesse dia, entre as duas e as três da tarde e acabou”, esclarece Semedo.
Tradicional Feira de Cinzas 
Do passado surgiu, assim, a Tradição que tem perdurado ao longo dos tempos e que ganha novos contornos, ano após ano, constituíndo uma boa oportunidade de negócio para as gentes do Mundo Rural. 
É que a tradição das Cinzas passou a dar lugar, já há alguns anos, à Feira de Cinzas na Capital do País, a Cidade da Praia, mas, também, nos vários mercados da ilha de Santiago. A comercialização dos produtos agrícolas, nomeadamente: couves, coco, peixe seco, mandioca, batata, abóbora, cenoura, “xerém”, farinha de milho para cuscuz e mel de cana-sacarina tornou-se uma forma de dar resposta à procura dos clientes para que o almoço de Cinzas seja confeccionado segundo manda a tradição e com tudo a que se tem direito. Sem contar com a venda daquele que é o ingrediente-“mor”, o peixe seco proveniente, sobretudo, da Ilha do Maio e/ou da Brava.
Por isso, nas vésperas da festa verifica-se uma forte afluência das  donas de casa aos mercados municipais de toda a ilha, à procura dos melhores produtos e ao preço mais baixo. Ciente da importância desta festa para a população da maior ilha do País, várias câmaras municipais, em parceria com os agricultores, organizam, por esta ocasião, Feiras de Cinzas, no sentido de dinamizarem o comércio local. Assim sendo, ganha o comércio, a economia e os consumidores que passaram a adquirir os produtos frescos directamente nos produtores e a um preço acessível. 
SM
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 651, de 20 de Fevereiro de 2020)

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