PUB

Opinião

Na morte de um irmão: As infinitas saudades

Por: Luís Carvalho* 
Não sou a pessoa mais indicada para escrever sobre o meu irmão, que, aos 55 anos de idade, foi surpreendido  pela morte. É mesmo difícil!… 
Cada frase é uma emoção que me invade o coração. 
Mas, a maior  comoção que experimentei foi quando me chegou a triste notícia de que o meu mano mais novo, do seu nome de  baptismo Orlando Moniz da Costa,  Lalando di Marta, para uns,  e, Lando, para outros. 
Não é tão cedo que me esquecerei da noite em que me despedi de ti com um “Até amanhã, se Deus quiser”, ao que me repostaste com um “Até amanhã”  para, menos de duas horas depois, alguém me chamar para me  dizer que já não pertencias ao nosso mundo. Nunca imaginei  que era a nossa última noite juntos. Morreste como um anjo: sereno e tranquilo no teu leito. Aliás,  este era o teu desejo que ficou cumprido. Sempre nos dizias que, quando chegasse o teu momento de deixar este mundo, gostaria que isto não acontecesse  nas camas dos hospitais.
Irmão, a tua luta pela vida foi incansável.  Depois de Dakar, rumaste a Portugal à procura da saúde. No entanto, de nada valeu este esforço titânico. A tua hora de partir tinha chegado, porque assim Deus decidiu. O teu tempo e tua missão terminaram neste planeta, mas isso não significa que  tenhas desaparecido para sempre. Apenas partiste antes de nós e, lá na eternidade, estarás esperando por nós, para que um dia nos reencontremos. Daí, no momento em que a urna com os teus restos mortais baixava à cova,  te juramos que à terra apenas entregávamos o teu corpo.
Na fatídica sexta-feira, 10 de Janeiro,  centenas de amigos e familiares despediram-se de ti no Campo Santo da Várzea, onde jazes na companhia do nosso pai e do teu filho Rolando,  que partiu aos 18 anos de idade. Muitas lágrimas  correram pelos rostos de amigos e cidadãos anónimos que quiseram acompanhar-te à tua última morada. Mas, porquê tantas lágrimas, se  nunca nos ensinaste a chorar? Ensinaste-nos, sim, a viver a vida com alegria. Mesmo nos momentos em que me sentava ao teu lado,  sem conseguir conter lágrimas, dizias-me para não chorar “porque a vida é assim”.  Viveste intensamente a vida e enfrentaste com determinação a fragilidade da tua saúde.
Depois de uma viagem, que foi atribulada a todos os títulos, porque o avião da TAP,  por causa da bruma seca, não conseguiu aterrar no Aeroporto Internacional Nelson Mandela, da Praia,  chegaste à tua casa quase dois dias depois  de teres deixado Portugal. É que a aeronave foi desviada para o Sal, onde podia aterrar  em segurança.  A  companhia tomou a decisão de levar de novo os passageiros para Lisboa. Mas, tu  já não conseguias aguentar esta viagem de regresso. Ficaste no Sal, onde  foste atendido no centro médico da empresa de gestão dos aeroportos (ASA) para, de seguida, te encaminharem ao Hospital dos Espargos. Compraram-te um bilhete na Cabo Verde Airlines para uma viagem que devia sair no dia 3 de Janeiro, às 22 horas, mas que só partiu depois da meia-noite, tendo chegado à Capital cerca de uma hora da madrugada, portanto, do dia 4. Imagino o teu sofrimento sentado num carrinho a depender de terceiros. Felizmente, a tua mulher esteve sempre ao teu lado para os apoios necessários.
À chegada à tua casa, a primeira coisa que fizeste foi o agradecimento a Deus por teres chegado vivo e poder morrer no teu leito e sob o teu tecto. O cansaço era notório  no teu semblante. Mas, nem por isso deixaste de ficar connosco, na sala, por  alguns  momentos. Convidei-te para  te descansares, ao que me respondeste: “N’kré fika ku nhôs algum tempu, pamódi N’sabi ma tempu dja kaba” (Quero ficar convosco por mais algum tempo, porque  sei que o meu tempo já acabou). Ditas estas palavras, em jeito de quem já estava a despedir-se, as lágrimas começaram a correr-te pelo rosto e, também,  pelos de todos que no momento te rodeavam. Foi um momento emocionante. Um outro momento não menos emocionante foi quando pediste para te levarem à casa da nossa mãe, o lar que te viu crescer e te fez homem.  Quando lá chegaste, olhaste, sem dizer uma única palavra, para os quatro cantos da parede sob o olhar  silencioso da nossa progenitora. Ninguém chorou. Nem a nossa rainha. De seguida, pediste que fosses levado à tua propriedade agrícola em Jaracunda, Santa Cruz. E, eu, quando soube de tudo isto, comentei para os os outros  irmãos: “O Lando está a despedir-se”. Era  mesmo isto que estava a acontecer. Dois dias depois morreste. 
A morte surpreendeu-te num momento em que ainda tinhas muito para dar ao país que te viu nascer. Contigo morreu um conjunto de projectos e ideias no campo da agricultura e avicultura, que agora a tua família pode dar continuidade.
Choramos a tua morte, mas fica-nos a imagem de um ente que era muito querido não só pelos familiares, como também vizinhos e amigos. A multidão que te acompanhou à tua última  morada mostra isto mesmo. 
“A tua morte deixou-nos uma dor que ninguém pode curar”;  “O amor que temos por ti deixa uma memória que ninguém pode apagar”. Extracto da intervenção de um jovem, em nome dos vizinhos, no cemitério da Várzea.
O féretro baixou ao sepulcro ao som de uma das tuas música preferidas do Kodé di Dona. Foi também assim na hora em que deixavas para sempre o teu lar.
Se estivesses vivo, no dia 28 de Janeiro terias completado 31 anos de casado com a Lena, a quem um dia juraste que só a morte vos separaria. Assim aconteceu. 
Várias vezes disseste-nos que não irias chegar aos 60 anos de idade, porque o teu signo já te tinha avisado. Não acreditámos. Pensávamos que se tratava de uma das tuas brincadeiras. A verdade é que  as tuas previsões não falharam. Partiste aos 55.
Eterno descanso, irmão!
*Jornalista 

PUB

PUB

PUB

To Top