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Opinião

Praia – Mudar ou continuar com seus velhos problemas

Por: Ricardino Neves

1.INTRODUÇÃO 

A recente onda de criminalidade que assolou a Cidade da Praia veio colocar uma vez mais uma questão antiga mas sempre actual sobre o rumo e caminhos a adoptar para a cidade que é a capital do País.

Cabo Verde foi por esse facto referência internacional pela negativa.

Mas afinal que fazer para que as coisas mudem de modo efectivo para a não repetição desta e doutras situações que, de tempos em tempos, nos obrigam a olhar para a outra realidade da cidade da Praia .

Realidade presente mas que , de certo modo, é omitida para dar lugar à outra Praia mais badalada de cidade moderna, cosmopolita, etc,etc.

Para muitos a cidade da Praia é assunto particular dos praienses, quanto muito dos residentes na Ilha de Santiago.

Os não residentes são vistos como alheios para não dizer estranhos para tratar das questões da Cidade da Praia. Só são chamados para , a pretexto da condição de capital do País, aceitar o que a classe politica dirigente entende como solução para os problemas que a Cidade enfrenta.

Mas sendo a Praia capital de todos nós naturalmente também somos parte na abordagem , com a vantagem da distância que nos confere “um outro olhar” , mais frio e objectivo sobre essa realidade.

 

2.DIAGNÓSTICO DA CIDADE DA PRAIA 

A cidade da Praia sofre dum problema derivado dum facto que só alguns , de forma perversa , procuram negar a sua evidência , a saber , a sua dimensão ,tamanho na linguagem comum.

A PRAIA ESTÁ FICANDO DE TAL MODO GRANDE QUE, DE VEZ EM QUANDO, O SEU CONTROLE NOS ESCAPA .

A Independência, a 5 de Julho de 1975 ,desencadeou o crescimento da Praia ,com explosão urbana e populacional de forma totalmente desordenada e descontrolada.

E esse crescimento desenfreado virou modo de pensar, ser e estar , qual droga que se apodera do corpo do drogado  e para o qual se afigura não existir outra solução do que se afogar cada vez mais e mais nessa droga.

No caso em análise ,no crescimento desenfreado como modo de vida.

E esse diagnóstico que qualquer cidadão consciente fará , teve expressão pública no actual Primeiro Ministro do Governo de Cabo Verde, Dr. Ulisses Correia e Silva .

A 25 de Novembro de 2011,era ele então Presidente da Câmara Municipal da Praia, na  Conferência Internacional sobre o Papel da Arquitectura no Desenvolvimento Sustentável, que decorreu na Universidade Jean Piaget afirmava que ,no que respeitava o crescimento da Praia e dos problemas daí derivados, citamos  : “E mais, provoca outro efeito num país arquipelágico e é extremamente grave, despovoa as outras ilhas que têm recursos que ficam por explorar. Um dos factores condicionantes do desenvolvimento da cidade da Praia daqui pra frente tem que se conter o seu crescimento com políticas nacionais que criem condições de atractividade e de competitividade nas outras cidades, nos outros concelhos, nas outras ilhas”.

É caso para perguntar ao Dr. Ulisses se mudou de opinião. Pior ainda se foram palavras de circunstância para uma plateia esclarecida de técnicos porque para o povo em geral ,a posição é diferente ?

Será que o Dr. Ulisses incorre na velha tentação dos políticos de dizer uma coisa na oposição mas, uma vez no Poder, mudar de opinião?

Será que estaremos perante uma dificuldade do Dr. Ulisses em convencer os seus colegas de partido ? 

 

3. CONTINUAR NA VIA DO CRESCIMENTO DESCONTROLADO ,CONTINUANDO A SOFRER DOS MALES DE SEMPRE 

Uma opção é agir qual médico que bem determina a causa da doença do paciente mas se mostra incapaz de receitar medicamentos adequados à cura do doente.

Aqueles que pensam que o caminho a seguir é continuar o percurso até agora seguido ,estarão a enganar-se a si próprios ou têm interesses particulares inconfessáveis .

Para eles pouco importa a situação da Praia e do País desde que estejam satisfeitos esses interesses  sejam eles pessoais, políticos e económicos.

Uma coisa é certa, esses que defendem essa via também tem a consciência de que o Pais não dispõe dos recursos financeiros nem tem onde ir arranjá-los  para “resolver” de vez os problemas da Cidade. 

O percurso que a Cidade da Praia teve até agora espelha de modo claro o erro dessa opção de crescimento descontrolado dada a continuidade dos problemas com que se debate, quer no tempo quer no espaço. 

Praia demonstra de forma evidente que quando se atira dinheiro aos problemas o dinheiro desaparece mas os problemas mantêm-se . 

Após injecção de recursos ,o efeito imediato é de aparente melhoria mas é só isso , pura aparência, para mais tarde ou mais cedo ,ressurgirem os mesmos problemas ,muitas das vezes até mais agravados .

 

4.  MUDAR DE RUMO 

Impõe-se para  o bem da Cidade da Praia e do País mudança de rumo.

Passados 44 anos pós independência, a realidade actual é prova cabal de que ser grande, longe de ser um factor de favorecimento duma cidade organizada e equilibrada, tem sido, no caso da Praia, um factor de evidente descontrolo com o desfilar de problemas correntes como a criminalidade, déficit habitacional, deficiente abastecimento de água, insuficiente sistema de recolha e tratamento de resíduos líquidos e sólidos, deficiente acesso aos serviços básicos de saúde, etc, etc.

Esperamos que os praienses dum modo geral e os responsáveis políticos em particular se disponham a encarar a realidade de frente, em vez de pretender continuar a cavalgar uma onda que inevitavelmente conduzirá à rotura do tecido social da Cidade e por arrastamento do País .

Há que sair do discurso do Santiago ILHA maior que disfarça, de facto, a prática efectiva do Praia primeiro.

Sair do pensamento perverso de que não importa a periferia, nele se destacando o Interior de Santiago -Santiago Norte, São  Domingos, São João Baptista – infeliz berço dos maiores índices de pobreza neste Cabo Verde, facto de que se lembram alguns as mais das vezes por pura conveniência .

Porque se há prova de que algo não vai bem na Governação deste Pais é a existência dum ilhéu de relativa prosperidade – parte da Praia-  num mar de pobreza infinda – a outra  Praia e o interior de Santiago.

E isso para não falar da fraqueza e inconsistência da política de desenvolvimento para as “ilhas periféricas” .

Periferia que  “alguns iluminados da Capital ” talvez pensem que está naturalmente (!!!????) condenada  a viver na limitação e na pobreza ,têm a ideia de que pobre está habituada a sofrer.

É evidente para todos , que vivendo Cabo Verde o terceiro ano de seca consecutiva, o foco do País  deve-se virar para acções que garantam a sobrevivência da população rural , população essa que representa parte significativa da população.

O tempo actual é da inclusão efectiva , de deixar o discurso de conveniência e muito menos de discriminação .

O tempo é de atribuir estatuto especial a quem dele necessita, tempo para acabar de vez , 44 anos após independência,  com os flagelados do vento leste que ainda existem nesse nosso Cabo Verde.

Porque não é justo e por isso aceitável que, quem mais tem, passe a ter mais ainda .

E menos aceitável ainda que isso se queira fazer com a ajuda e apoio(?) daqueles que têm menos do que aquele a quem se pretende ajudar .

Caso para citar o ditado popular: “NÃO SE DESPE UM SANTO PARA VESTIR OUTRO” .

 

(Publicado no ANAÇÃO impresso, nº 652, de 27 de Fevereiro de 2020)

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