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Covid-19

Estado de Emergência: capital deserta no primeiro dia

Na verdade, já vos escrevo esta crónica no final do dia de Domingo,29. No final do primeiro dia de quarentena obrigatória, para a esmagadora maioria dos cidadãos residentes no país. Estamos todos no mesmo barco. Em teoria estaremos todos (salvo as excepções) confinados nós próximos 19 dias, às paredes das nossas casas, ou, para a sorte de alguns, aos jardins e aos quintais (isto pode fazer toda a diferença). Na prática, só o tempo o dirá.

Mas, para outros, vindos do Brasil, Estados Unidos, Portugal e outros países da Europa, e que estão prestes a terminar os 14 dias de quarentena domiciliária voluntária, é o início de mais 19 dias de clausura (pois um já passou). Se uns reclamam dos 20 dias, imaginem o que são 34 dias privados da vossa liberdade, enfiados numa casa ou num quarto? Não é fácil…Mas isso daria discussão para várias horas e linhas que não tenho agora.

Vamos então ao que interessa aqui e agora – Praia Maria. Sempre cheia de vida. Cheia de gente, cores e cheiros durante toda a semana, amanheceu no Domingo calada. Em silêncio profundo. Um ou outro carro a passar, e uma ou outra conversa de amigos mais animada na rua, mas nada que se compare ao movimento e ao barulho habitual. Sinais dos tempos? Medo, receio, ou simples obediência em prol de um bem comum, a saúde de todos. Pelo menos é esta a mensagem que nos têm transmitido.

Independentemente daquilo em que cada um acredita, vivemos num sistema Democrático. A Democracia permanece “não sofreu nenhum apagão” disse o nosso Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, quando decretou o Estado de Emergência, o mesmo estado que nos privou de coisas tão simples,  como um banho de mar (melhor antidepressivo do mundo), de uma caminhada ou uma corrida ao ar livre em prol do bem comum…

 

E são precisamente as duas principais praias de mar da capital – Prainha e Quebra Canela – o primeiro indicador desta mudança repentina de hábitos e costumes na cidade capital. Repletas de gente aos domingos, acordaram agora mais desertas que nunca. Lá no alto entre o azul do céu, a bandeira vermelha sobressai, contrastando com acalmia do mar, que mais parece um lago, sem ondas. Seria uma manhã perfeita de praia.

Na Quebra Canela não há Zizi das fresquinhas, não há polícia a apitar cada vez que uma criança pega numa bola para brincar na areia (algo que ainda está para se entender porquê…). Não há ninguém a jogar raquetes lá no fundo. Não há o rapaz simpático da água de côco. Não há nada. Digo adeus e sigo caminho.

 

 

Aventuro-me com o Sr. Helder (o condutor que tem faro jornalístico) pelo Fonton. Cruzamo-nos com uma senhora e uma menina (de 8 a 10 anos no máximo) apanhar água numa espécie de fonte. “Sem água não dá para lavar as mãos”. Têm razão. Aliás este vai ser um dos grandes desafios das populações carenciadas. #Nufikanacasa pressupõe primeiro a que se tenha algo a que se possa chamar de casa e condições mínimas para se ficar em casa. Mas voltemos à praça nova do Fonton, onde duas crianças brincam com toda a naturalidade no escorrega do parque infantil. Mais atrás um grupo de homens jogava ao uril (ou às cartas) à sombra de uma árvore. “É preciso passar o tempo”.

 

Seguimos em direcção à “Txada” pelo meio “di Txada”. No caminho algumas pessoas nos seus afazeres na porta ou no “terraço” das casas. Umas “batem” roupa outras penteiam o cabelo e há até quem dê banho ao cão. Outras carregam botijas de gás (estes dias a procura de gás também disparou). Enfim, cada um nos seus afazeres na porta de casa ou nas imediações. Aqui não há medos, nem ondas de pânico mundial. Há sobrevivência. A vida não pode parar.

 

 

Nos minimercados que fomos encontrando abertos a afluência era razoável com as pessoas a manterem minimamente 1 metro de distância, ainda que de forma desorganizada, na maioria dos casos. Junto à capela, na Pedonal da Achada de Santo António, um minimercado chinês salta à vista. A entrada é por ordem e espante-se: aqui mede-se a temperatura corporal de quem entra na loja.

 

 

 

Seguimos em direcção à Terra Branca. No mercado junto à rotunda vislumbram-se legumes e frutas com alguma afluência de pessoas. “Há que abastecer”. Do outro lado da rua, outro minimercado aberto com muita gente cá fora. Uns com máscara, outros nem por isso, aguardando a sua vez na fila. Este é um cenário que se vai repetindo ao longo dos bairros.

 

Aventuramo-nos por Bela Vista acima. Nota-se mais gente dentro de casa. Silêncio profundo. Ruas desertas. Não fosse um grupo de pessoas com boiões na mão para irem buscar água. Mais adiante, salta à vista um depósito de lixo por recolher, onde os pássaros pousam em busca de alguma coisa. Este cenário de lixo vai-se repetir ao longo de vários bairros, especialmente os mais pobres. Não são estereótipos, são factos e constatações reais. Talvez por ser domingo, não sei…

 

 

Uns metros mais à frente um minimercado aberto, quase o único na zona. Landa Varela dá as compras aos fregueses através do portão da loja. “É para prevenir”. Equipada com luvas, Landa diz que o movimento está “mais parado” porque está “toda a gente dentro de casa”. “As pessoas vêm comprar verduras, congelados e outros bens alimentares”.

Landa é a única no estabelecimento, mas dá conta do recado porque ninguém entra na loja: “É tudo tratado no portão”. “Para manter o distanciamento de acordo com as indicações das autoridades”.

 

Seguindo caminho pelo Alto da Glória, impera o cinzento nas ruas desertas. Lá no alto sobressai o branco de um casarão, para lá do muro, no condomínio de luxo do Monte Babosa. Contrastes sociais que farão certamente toda a diferença na “qualidade” da quarentena.

 

 

 

Descemos em direcção à Santaninha – Várzea. O cenário repete-se. Muita gente dentro de casa. Ruas que habitualmente costumam estar com muito movimento, estão agora às moscas. As pessoas estão dentro de casa. Alguns minutos mais à frente, verificamos que o portão do cemitério da Várzea está aberto, ainda que sem grande movimento. Dois homens saem com algum distanciamento. “É preciso continuar a enterrar os mortos”, diz alguém.

 

Descemos pela rua que vai dar ao Bar do Kaku Alves (muitas saudades vai deixar a muita gente) e espreitamos para a pedonal da Várzea. Salta à vista muita gente, junta. Contrastando com o cenário encontrado noutras zonas.

 

 

 

Vamos em direcção a Eugénio Lima. Quatro polícias equipados com máscaras em duas motas cruzam-se connosco. Acenam com o capacete e seguem a ronda. Em Eugênio Lima, as ruas estão também mais calmas que o habitual, mas nota-se mais gente na rua, nas portas das casas, sem muito que fazer. Dois amigos cumprimentam-se com um aperto de mãos. Aventuro-me numas fotos e sou repreendida: “Oh branca ka bo fazi foto. Falta di respetu”.Sem tempo para lhe explicar a minha liberdade de imprensa no espaço público, lá descemos em direcção ao Bairro.

 

A praça do Bairro Craveiro Lopes estava com boa afluência, sobretudo homens a tomar fresco na sombra. Também nas portas das casas, ainda que com algum distanciamento social. “Não dá para ficar o dia todo assistir televisão…”.

Também na Achadinha, Ponta Chicharro o cenário se foi repetindo. Ruas desertas, salvo uma ou outra pessoa de passagem. Igual em Pensamento, de passagem até São Pedro. Aqui, há hábitos que não mudam. Uma conhecida loja, famosa aos fins de semana pela matança de porco, reúne algumas pessoas na porta a tomar o seu groguinho ou cerveja (era impossível registar o momento).

 

 

 

Chegando ao complexo Casa para Todos, não fossem algumas pessoas na rua a conversarem, pareceria deserto. Descendo para Calabaceira e Safende, salta à vista aquilo que vimos noutros bairros mais carenciados. Aqui e acolá, grupos de amigos à sombra da árvore a conversar e a tomar grogue. E muita gente na porta de “casa”. Outras na rabidância “a fazer pela vida”.

 

O cenário repete-se um pouco por Ponta d´Água (Bagdad, rotunda de Ponta´Água e zona 4) com pessoas na porta de casa e até uma obra de construção civil a funcionar. Castelão, Achada Mato, Paiol e Lém Cachorro, a constatação é a mesma, é nas casas mais pobres, que aparentam ter menores condições que as pessoas mais ficam na porta a “matar o tempo”. A excepção é Jamaica. Ninguém na rua. Tudo deserto. Mas parece que aqui já é comum, cada um estar dentro das suas casas.

 

 

 

 

Na Achada de São Filipe, a rua de maior movimento, que liga Praia ao interior, está também praticamente deserta. A excepção à regra é a única farmácia da zona onde algumas pessoas respeitam o distanciamento social, enquanto aguardam na fila. Nas ruas interiores desta zona, não se vê ninguém. Talvez por medo de contágio, pois aqui registaram-se dois casos positivos da COVID-19.

 

O polícia e a esposa, ambos internados no Hospital da Praia, ainda que ela continue assintomática. À semelhança da Achada de São Filipe, também o Platô estava deserto.

Embora ao Domingo, por norma, não tenha muito movimento, é no fim de tarde que a Praça Alexandre Albuquerque ganha vida. Famílias que juntam para passear, comer sorvete ou levar as crianças ao parque de diversões junto à Presidência da República. Não há trotinetes. Não há dropes, nem pipocas. Tudo isso ficou suspenso.

A vida da cidade ficou mais ou menos em “stand by”. A Democracia, pelo menos aquela a que a geração pôs independência estava habituada, foi interrompida. Até quando? Dia 17. Assim esperemos. Que seja pelo bem comum.

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