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Opinião

Saúde Pública em questão: produção de alface no Município da Praia exige mais formação e acompanhamento junto aos produtores tendo em conta o risco que apresenta para a população

Por: Paulino Varela Tavares*

Para eliminar ou, pelo menos, diminuir os riscos à saúde dos consumidores em Cabo Verde, é urgente que o governo e seu respectivo ministério e departamentos competentes revejam, o mais urgente possível, duas políticas e/ou ações essenciais, tais como: primeiro, é preciso reavaliar o processo e a qualidade de formação e qualificação junto aos produtores; e, segundo, é preciso rever e redefinir o processo de acompanhamento in loco (junto aos produtores) das mesmas instâncias competentes. Portanto, essas duas preocupações só poderão ser resolvidas se, de fato, as instituições competentes, assim como, os seus respectivos agentes delegados (ou nomeados), passarem a ter a consciência de que instituir o planejamento estratégico é, sem dúvida, o melhor caminho para melhorar o processo de desenvolvimento de Cabo Verde.

Então, qual é a preocupação principal deste artigo? A preocupação central é a saúde pública Cabo-verdiana que, direta ou indiretamente, merece ser preservada para poder evitar possíveis consequências que, na nossa percepção, poderão ser irreversíveis no futuro. Assim, quais são os fatos principais? Os resultados de um estudo e análise parasitológico que o INSP fez nas culturas da alface no Município da Praia e publicada na TCV no dia 31 de Dezembro de 2019 (ver vídeo no www.sapo.cv), sendo que, o mesmo estudo e análise, também, foi realizado pela ARFA em 2016 e, os resultados não foram tão diferentes daqueles proferidos e publicados pelo INSP em 2019, ou seja, quase dois (ou três) anos depois, levando em conta o período líquido da efetivação dos estudos e análises. O resultado das análises realizadas pelo INSP diz-nos, em geral, que as alfaces que chegam às casas dos Praienses vem com elevado índice de contaminação por parasitas. Pois, segundo o Estudo, os 100% das amostras colhidas no Município da Praia revelaram contaminação da alface por parasitas intestinais e outros microrganismos, sendo que 57% por Elmitis e 43% por proto usuários. Também, a mesma análise acrescenta que, dessas contaminações, 64% são de origem humana, sendo que em maior escala na cultura tradicional, apesar de que todas apresentam riscos.

Portanto, vale lembrar que os estudos e as análise abrangeram tanto a alface produzida no sistema tradicional (plantio feito na terra, com uso de material orgânico e de agrotóxico) quanto no sistema hidropônico (plantio sem uso de solo na qual os nutrientes necessários à planta são adicionados à água). Com isso, depois da publicação dos resultados da análise, a diretoria do INSP reagiu, apelando e pedindo aos consumidores para terem melhores cuidados com a higienização da alface bem como, de todos os alimentos que podem ser consumidos crus. Portanto, não houve um pronunciamento oficial e intensivo, junto à sociedade civil, da referida pasta ministerial e nem uma atuação ativa do INIDA com relação à supracitada questão de saúde pública. Isto é, no mínimo, grave. Pois, no Estado de direito fundamentada na democracia representativa e/ou participativa, onde os indivíduos, os cidadãos e a coletividade deveriam ser, permanentemente, bem informados, com certeza é preciso rever essa questão porque isso envolve tanto saúde das pessoas quanto a capacidade de resposta dos agentes públicos.

Portanto, sem dúvida, o Estado, assim como os seus respectivos agentes delegados (ou eleitos ou nomeados) tem as suas responsabilidades e, como tal, terão que prestar, de forma transparente, todas as informações para a sociedade civil cabo-verdiana. Isso porque, com a construção das barragens, a produção do alface multiplicou em Cabo Verde e as pessoas/famílias passaram a consumir mais saladas, sendo que a alface é um dos importantes e relevantes ingredientes. E, não é por acaso que, segundo uma especialista em saúde, “em Cabo Verde quando se fala de contaminação com hortaliças e frutas sempre as recomendações do INSP/delegacia de saúde foi, desinfectar os alimentos que se comem crus com água e lixívia”. Mas, para que a população, os consumidores, as instituições e o Estado possam compreender, da melhor forma possível, a gravidade da situação, solicitamos uma apreciação conjunta de duas especialistas, em Cabo Verde. A seguir, o ditame: “a campanha de sensibilização do Ministério da Saúde falhou porque nunca foi mais ao fundo para explicar, aos consumidores, que  tipo de lixivia deveriam, ou seja, que tipo de lixivia era recomendado para higienização dos alimentos; não podem usa r qualquer tipo de lixivia porque não é qualquer lixivia que serve; é muito importante que tanto os técnicos competentes do Ministério da Saúde quanto os do Ministério da Agricultura e Ambiente informam corretamente quais são os tipos de lixívia recomendada para fazer a higienização dos alimentos que se comem crus (em geral, frutas e hortaliças); mas, sabe-se que a lixívia apropriada é aquela com teor de cloro ativo de 2,0% a 2,5% P/P e terá que trazer a seguinte informação no rótulo: uso alimentar ou para uso alimentar. E atenção, em Cabo Verde, as lixivias que se vendem nos supermercados, em geral, o teor de cloro ativo está acima dos 2,5% P/P e muitos contém, também, a adição de sabão e diz no rótulo ‘brancura total’ e mostra o desenho de roupa pendurada numa corda. Portanto, não é apropriado usar essa lixivia que diz ‘brancura total’ para higienização dos alimentos. Pois, ao usar esse tipo de lixivia (‘brancura total’) para higienizar os alimentos crus, corremos os riscos de contaminação pela elevada concentração do cloro (acima de 2,5 P/P) e, como consequências, os efeitos nocivos e, muitas vezes, irreversíveis na saúde”.

O(a)s especialistas continuaram: “outro erro ao introduzir, no país, a cultura hidropônica foi a não aquisição do KIT de trabalho para esse tipo de cultura (termómetro, hidrómetro e PHmetro). Essa não aquisição é preocupante porque está a perigar ou a colocar em dúvida a qualidade dos produtos, colocando, ainda mais, em riscos à saúde dos consumidores. Além desses equipamentos, na prática, não existe um programa de acompanhamento especifico junto aos produtores que praticam a cultura hidropônica porque, no país, só existe uma técnica no Ministério da Agricultura e Ambiente que, neste momento e por questões de perseguições políticas e pessoais, foi colocada na prateleira”. 

Antes de emitir uma recomendação, o(a)s especialistas acrescentaram que, “na cultura hidropônica é preciso muito (ou bastante) conhecimento técnico e fisiológico e, o agricultor, precisa ficar mais atento às escolhas das espécies de plantas mais adequadas, saber identificar a ‘olho nu’ a carência nutricional que a planta está apresentando para poder administrar a solução nutritiva correta porque, em caso de um mínimo de erro, poderá colocar em risco a saúde dos consumidores/pessoas. O mesmo risco, também vale para a perda da colheita. Assim, o perigo da alface, principalmente no sistema hidropônico, é maior que o no cultivo tradicional (maior radiação solar) porque como a alface é uma cultura em que o nitrogênio (é fornecido na forma de nitrato) é muito importante para o desenvolvimento das folhas, o agricultor cabo-verdiano não tem conhecimento técnico que lhe permita fazer (e, sem os instrumentos acima mencionados) sozinho uma avaliação  da quantidade correta de nitrogênio que está em falta e, com isso, poder preparar a solução nutritiva correta. Daí o perigo, ou seja, isto pode acarretar acúmulo deste íon nos vacúolos celulares”. Também, apontaram duas alertas: os “diversos estudos indicam que o consumo de nitrato pode ser nocivo à saúde humana, causando metahemoglobinemia e câncer gástrico”; e, “o outro perigo está no próprio manuseio das cultura, onde a presença dos parasitas humanos tem a ver muito com o manuseio. Portanto, o próprio agricultor, por fala de higiene ao manipular com as mãos livres, poderá contaminar o produto e, no mercado, as vendedeiras usam qualquer água em recipientes impróprios para irem regando o alface nas bancadas para evitar a desidratação. Esse procedimento, também contamina o alface com os parasitas humanos (parasitas intestinais)”.

Como recomendação, o(a)s especialistas apontam que: “é preciso montar equipa de uma assistência técnica especializada junto aos produtores de alface e fortalecer o sistema de vigilância sanitária, de modo que haja uma maior fiscalização no sistema de produção e na distribuição (sector comercial). E, com relação ao consumidor, é urgente a realização intensiva de uma campanha televisiva para ensinar e explicar, corretamente, todo o processo de higienização. Isso resultará na melhoria da qualidade higiênica dos produtos. Também, que o Ministério da Agricultura e Ambiente, a ARFA e o INSP providenciem a comercialização da solução desinfetante recomendada para frutas e hortaliças em Cabo Verde e que, na Europa, existem várias desses desinfetantes. Portanto, não se trata de um desinfetante comum, mas sim, de uma solução de hipoclorito de sódio alcalinizantes”.

Para terminar, o assunto tratado aqui, levanta uma preocupação com a saúde pública. E é gravíssima. Por isso, conclamo, urgentemente, que as estruturas competentes e visionários do governo (e do Estado) comecem a rever as suas composições porque, no atual contexto de coronavírus, o país tem que colocar as energias no vírus (prevenção, cuidados e tratamentos das pessoas) e não nas questões que, de certa forma, revelam, no mínimo, a manifestação das incompetências. Portanto, é urgente que o governo, através das cabeças pensantes e seus estrategistas, faça uma intervenção imediata para resolver a questão envolvendo a produção da alface no Município da Praia. É urgente que o governo, através dos seus ilustres eleitos e nomeados, que exigem que os ministérios atuem de forma conjunta, transparente e com a competência total porque, caso contrário, poderá gerar a desconfiança por parte da população, uma vez que a saúde pública é um capital que não pode ser negociável e é o dever do governo (e do Estado) atuar para resolver os diversos problemas existentes (ou que venha a ser identificadas) na sociedade. Por isso, mais uma vez, é urgente rever os projetos, os programas, as estratégias e as competências profissionais daqueles que são eleitos pela sociedade e delegados para comandar órgãos do Estado. Por fim, a competência profissional demanda técnicos e profissionais competentes e com conhecimentos apurados e, para um país como Cabo Verde, não pode dar-se ao luxo de menosprezar, de perseguir, de desvalorizar e nem de colocar os seus quadros técnicos na “prateleira” por questões de género, de raças, entre outras, e tão pouco, por questões da cor ou afinidades políticas. 

Portanto, na função pública em Cabo Verde, precisamos da atuação dos técnicos porque acreditamos que eles podem dar um grande contributo para o desenvolvimento nacional. Por isso, é urgente o desenvolvimento de uma política de recursos humanos condizente com o respeito aos preceitos presentes na carta magna dos direitos humanos e que valoriza os quadros técnicos dos diversos Ministérios, órgãos do Estado e dos Municípios. Políticos vão e vem, mas, os funcionários públicos continuarão a trabalhar nas instituições públicas. 

*Ph.D. em Economia (UFRGS, Brasil)

*Pós-doutorado em Governança Pública (Universidade de Lisboa)

 

Publicado no A NAÇÃO, nº 658, de 09 de Abril de 2020

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