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Opinião

Por mais qualidade no ensino básico e secundário

Por: Corrine Almeida*

O crescimento do sector da Educação em Cabo Verde ao longo dos seus 45 anos pós-independência é inquestionável e é francamente visível em termos de número de estudantes, docentes, infra-estruturas, acesso em termos geográficos e a classes sociais, etc. Ainda em termos numéricos, o sucesso escolar também alcançou elevadas taxas, sendo superiores a 90% e 70%, respetivamente, no ensino básico e secundário, entre 2013 e 2017.

A questão que urge colocar é se essas taxas de sucesso escolar refletem, de facto, melhor qualidade no sistema de ensino. Se o crescimento em números terá sido acompanhado por uma evolução positiva na qualidade do ensino. Um indicador que melhor faz o diagnóstico da qualidade dos resultados do ensino, existente no nosso sistema educativo, são as provas de aferição aplicadas ao ensino básico. Os resultados dessas provas em 2010, cujas taxas de sucesso escolar eram semelhantes aos de 2013 a 2017, evidenciaram que tão somente 27% dos avaliados, nos diferentes graus de ensino básico, atingiram uma pontuação satisfatória. Os resultados dessas provas foram considerados preocupantes para 50% dos avaliados.

Infelizmente, os resultados das provas de aferição do ano letivo 2018/2019 não se encontram acessíveis. Entretanto, me parece muito pouco provável que 50% de resultados considerados preocupantes pudessem no espaço de 9 anos terem melhorado substancialmente a ponto de indicar uma boa qualidade nos resultados do ensino sem que fossem percetíveis tais mudanças. E que mudanças??

A melhoria na qualidade do ensino, segundo especialistas, é conseguida pela qualificação do corpo docente, aposta na boa gestão do sistema de ensino e pelo investimento nas infra-estruturas, em termos de laboratórios, bibliotecas e outros equipamentos de apoio ao ensino. Nas nossas escolas, os próprios equipamentos básicos, salas de aulas, casas de banho e outros, são muitas vezes deficitários. De 2010 a 2019, terá havido mudanças nesses três factores de qualidade, no ensino básico, de forma que os resultados das provas de aferição tenham sido melhorados consideravelmente?

Sendo o ensino básico o alicerce dos níveis seguintes que resultados se pode esperar nestes? Particularmente, no ensino secundário, o plano do actual governo propõe mudanças, particularmente introdução de maior leque de línguas e tecnologias de informação e comunicação. Ou seja, mudanças curriculares, que se não forem devidamente acompanhadas por mudanças reais nos três factores de qualidade de ensino, serão meramente ganhos na diversidade de conhecimentos, sem efeitos consideráveis no desenvolvimento de competências e de habilidades.

De acordo com a Lei de Bases do Sistema de Ensino de Cabo Verde, ponto 2 do Artº 24º, o ensino secundário visa possibilitar a aquisição das bases científico-tecnológicas e culturais necessárias ao prosseguimento de estudos e ingresso na vida activa e, em particular permite, pelas vias técnicas, artísticas e profissionais, a aquisição de qualificações e competências profissionais para inserção no mundo laboral. Analisando o quadro curricular, as infra-estruturas, não se pode vislumbrar como essas competências tecnológicas, mormente artísticas e profissionais possam ser adquiridas. De facto, no campo tecnológico, particularmente nas tecnologias de informação e comunicação, com a implementação do projecto WebLabs que inclui 44 laboratórios já se começa a trilhar algum percurso.

Não se compreende que em um país, cujo perfil populacional seja jovem, seu ensino secundário seja vocacionado essencialmente para prosseguimento de estudos superiores, apesar do que atesta a lei. Em 45 anos de independência passamos de 3 instituições de ensino secundário para 49, apenas 5 são escolas técnicas e profissionais. Estima-se que 87,5% da acção jovem que ingresse no ensino secundário, apenas 5% corresponde ao ensino técnico e profissional. Assim sendo, a maior parte da população jovem que termina o ensino secundário, não estando preparada para o ingresso no mercado laboral, fica condenada ao desemprego ou a alimentar as instituições de ensino superior que vão pipoqueando pelo país afora. Paralelamente a estas, existem várias ofertas formativas profissionalizantes.

Serve este artigo para resumir, em breves palavras, o modelo do sistema de ensino que resulta dispendioso para o estado e para as famílias, investindo em vários anos de escolaridade até preparar o jovem para o emprego (ou não!!!). O mesmo investimento deveria ser aplicado em um ensino básico e secundário de qualidade, e não de aprovações, apostando este último mais na aquisição de qualificações e competências profissionais.

Referências

Moreno, A. C. 2017. Veja o que leva uma escola a melhorar a qualidade do ensino, segundo especialistas. https://g1.globo.com/educacao/noticia/veja-o-que-leva-uma-escola-a-melhorar- a-qualidade-do-ensino-segundo-especialistas.ghtml. Acesso a: 30 de junho de 2020.

Anonimous. 2018. Decreto Legislativo nº 13/2018. Bases do Sistema Educativo. Boletim Oficial. Praia. República de Cabo Verde.

Braham, K., Heinzel Nelson, J., Clarke, M., Liberman, J., & Siegel, T. D. 2018. SABER student assessment country report: Cabo Verde 2017 (No. 124699, pp. 1-72). The World Bank.

Instituto Nacional de Estatística. 2018. Cabo Verde, Anuário Estatístico 2017. Praia.

*Corrine Almeida, PhD

Bióloga Oceanógrafa

Universidade Técnica do Atlântico (UTA)

Instituto de Engenharia e Ciências do Mar (ISECMAR)

 

(Publicado no A NAÇÃO (digital), nº 670,  de 02 de Julho de 2020)

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