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Diáspora

Especialistas cabo-verdianos na diáspora ajudam o país a combater Covid 19

Um colectivo de médicos e investigadores cabo-verdianos na Europa e nos EUA (Estados Unidos da América) disponibiliza-se, voluntariamente, para ajudar Cabo Verde no combate à pandemia de Covid-19 e na busca de soluções que possam ajudar a normalização da vida sócio-económica do país.

 

Auto-denominados “Grupo Cabo Verde Diáspora Ciência”, estes “cérebros benfeitores”, ligados ao sector da produção e aplicação do cohecimento científico em instituições de dimensão internacional, propõem colocar à disposição do país os seus conhecimentos, ao mesmo tempo que fazem a ponte com as instituições e organizações nas sociedades em que vivem.

“Isso não impede, obviamente, que possamos intervir, individualmente, ou como parte de outros grupos noutras esferas, como por exemplo a educativa e associativa”, explica ao A NAÇÃO, a coordenadora e mentora do grupo, Fátima Monteiro, revelando que, em carta ao Primeiro-Ministro, em Abril passado, manifestaram a disponibilidade em prestar assessoria científica voluntária ao Governo e às autoridades sanitárias de Cabo Verde.

Ainda ela, “neste momento crítico” por que passa o país, o colectivo mantém a disponibilidade, também, para a busca de soluções para os problemas complexos que Cabo Verde, como o resto do Mundo, irá enfrentar na fase pós-pandemia e a mais longo prazo.

“Refiro-me, em primeira mão, a soluções para os problemas do Sector da Saúde, em especial na vertende de Saúde Preventiva e do tratamento médico-hospitalar com recurso ao conhecimento científico mais avançado que estiver hoje ao nosso alcance, mas também, numa segunda fase, à busca de soluções para sectores tão estratégicos para Cabo Verde e para a qualidade de vida das populações como o Ambiente e a Habitação”, salienta, para remarcar que esta epidemia veio transtornar planos e percursos que se julgavam consolidados e obrigar-nos a percorrer caminhos que estarão por muito tempo marcados pela indefinição e pela incógnita.

Monteiro lembra que, ao longo da História mais recente, tem-se demonstrado que em alturas de crise como a que se vive hoje, ter a Ciência como farol é indispensável para evitar retrocessos maiores.

 Tarefa constante

A busca de recursos financeiros para os projectos de Investigação nas universidades e outras instituições com as quais trabalham é uma tarefa constante do grupo que tem Fátima Monteiro na dianteira.

“Isso obriga-nos a estar atentos às oportunidades que surgem e também a fazer uma aprendizagem dos processos de captação de recursos financeiros, que são complexos e extremamente competitivos”, realça.

Esse “know-how” e a inserção nas redes e consórcios de instituições académicas e científicas internacionais– explica Monteiro -, além da relação mais individualizada com os seus pares académicos, podem ser aproveitados por Cabo Verde, de um modo geral, e pelos colegas nas Ilhas, em particular, para expandirem os seus recursos.

E prossegue: “Seria um valor-acrescentado à cooperação existente entre os institutos de pesquisa e as universidades de Cabo Verde com o exterior, sendo que temos, individualmente ou em grupo, também, alguma facilidade em agilizar processos, estando fora”.

A colaboração com o Arquipélago vai ser uma combinação de trabalho à distância com recurso às tecnologias de comunicação.

“Sendo cabo-verdianos, visitamos, periodicamente, o país, quer para férias, quer em trabalho.  Aliás, mesmo quando nos deslocamos em período de férias, acabamos por aproveitar para fazer contactos e avançar com projectos de trabalho ou ligados à nossa intervenção social”, manifesta a investigadora, remarcando que “o recurso às tecnologias é indispensável”.

Neste particular, Fátima Monteiro sustenta que mesmo a comunicação entre os elementos do grupo que se encontrem na mesma cidade é feita com recurso às tecnologias de comunicação, mormente neste período de confinamento em que os encontros presenciais não são possíveis ou recomendados.

 Prioridade 

O colectivo já deu início à recolha de apoios para a compra de um aparelho de testes de PCR (Termociclador), na semana passada, junto de colegas e empresas com ligação a Cabo Verde, tendo havido bastante adesão.

“Além de contribuições individuais, provenientes de colegas e amigos (se multiplicarmos estes pelos seis elementos do grupo já são alguns), temos, ainda, promessas de apoio de empresas e instituições de investigação e Ensino Superior”, revela ao  A NAÇÃO, garantindo que, que nas próximas semanas, “estaremos em condições de poder adquirir o aparelho e enviá-lo para Cabo Verde”.
Porém, Monteiro aponta que “a nossa contribuição mais significativa”, em termos práticos, nesta fase crítica da pandemia, quando está ainda em crescendo em Cabo Verde, especialmente na ilha de Santiago, reside na transmissão de “know-how” médico-científico dos elementos do colectivo que são dessas áreas.

 Alinhamento com a OMS 

A estratégia adoptada por Cabo Verde coincide – no entendimento de Monteiro -, grosso modo, com as estratégias adoptadas por uma maioria de países, em consonância com as recomendações da OMS (Organização Mundial das Saúde), com destaque para o confinamento e distanciamento social.

“A  obrigatoriedade do uso da máscara em lugares fechados e de atendimento ao público parece-me, também, ser uma medida incontornável numa fase de desconfinamento, tanto mais que vários estudos divulgados, ultimamente, defendem que a respiração em si (por oposição ao espirro ou tosse), pode ser um veículo principal de contágio”,  destaca, reconhecendo, todavia, “que é imensamente difícil para as famílias de poucos recursos, mormente as mono-parentais, em que a mulher é cabeça-de-família, sobreviver numa situação de confinamento prolongado”.

Neste particular, a investigadora espera que a epidemia possa ser controlada tão cedo quanto possível, principalmente, na ilha de Santiago, para que o confinamento obrigatório não continue a ser uma medida necessária.

Preocupação

Uma situação de pandemia é muito preocupante, em qualquer contexto geográfico e demográfico, mas é, particularmente inquietante, num contexto insular.

“Inicialmente houve a esperança de que Cabo Verde pudesse estar de algum modo protegido, funcionando o mar como barreira natural à mobilidade e transmissão da doença. No entanto, e sendo um país turístico, bastou que um caso de infecção fosse importado na Boa Vista, para que a Ilha ficasse toda ela em risco de contaminação”, aponta.

No caso de Santiago, com maior dimensão geográfica, dispõe, também, de uma maior densidade populacional, especialmente a Cidade da Praia – a capital do país -, o que aumenta, grandemente, o risco de contágio.

“Há, no entanto, em alguma medida, a esperança de que o perfil etário da população cabo-verdiana possa jogar a seu favor, incluindo no que diz respeito à capacidade de recuperação da doença quando infectado, ou quando, tendo sido exposto ao vírus, se permanece assintomático”, salienta Monteiro.

Comportamento…

Para Fátima Monteiro, a população cabo-verdiana, comparativamente aos países europeus e, em particular aos Estados Unidos da América, de uma maneira geral,  tem acatado as orientações das autoridades sanitárias e as medidas de contenção impostas pelo Governo, sem grandes resistências.

“No entanto há comportamentos diferenciados de ilha para ilha ou de localidade para localidade, dentro da mesma ilha. Isto terá a ver com diferentes factores a ter em conta, entre os quais, os mais relevantes serão a densidade populacional e o perfil laboral de cada ilha”, reconhece, salientando que a forma como a população mais carenciada, de cada ilha ou nas zonas rurais e urbanas e peri-urbanas luta pela sobrevivência, é um factor que influencia os comportamentos.

Monteiro lembra que, em São Vicente, e, particularmente, em Santiago, uma parte significativa das populações peri-urbanas obtém o seu sustento da venda ambulante e/ou da venda nos mercados. Daí que, em situação de confinamento, são as que mais duramente são atingidas, e, portanto, é nestes grupos populacionais que se encontrará maior resistência no cumprimento das medidas de contenção.

“O reforço policial e a presença mais visível dos militares nos bairros terá servido para garantir, minimamente, o cumprimento dessas medidas. Mas Cabo Verde é um país democrático e as pessoas têm consciência disso”, considera, para relevar que o equilíbrio entre a retracção e a expansão vai continuar até que se consiga retomar alguma normalidade na vida activa.

Instada a avançar “receitas” para a mudança de comportamento das pessoas, Monteiro avança que, em qualquer parte do mundo, é algo que se consegue através da educação e campanhas de conscientização, levando muito tempo.

E destaca: “As pessoas não mudam o seu comportamento só porque alguns acham que devem mudar”.

“Combinação de remédios”…

Para a interlocutora do A NAÇÃO, “não há um remédio único” para o combate à Covid-19, mas “uma combinação de remédios e de medidas”, que são as que vêm sendo implementadas, um pouco por todo o lado, com mais vigor ou menos vigor, “até que se possa dispôr de uma vacina”.
Tomando como referência os casos de maior sucesso na contenção da pandemia, Monteiro prognostica que se pode ultrapassar a situação mais crítica e começar a desfrutar de alguma normalidade nas nossas vidas.

Histórico e integrantes do “Grupo Cabo Verde Diáspora Ciência”

Quatro dos elementos do “Grupo Cabo Verde Diáspora Ciência” residem em Lisboa (Portugal); um em Cambridge (Reino Unido); e outro em Nova Iorque (Estados Unidos da América – EUA). Em comum têm o facto de estarem todos ligados à Investigação e Ciência, além de serem cabo-verdianos na diáspora.

“Ocorreu-me propôr que nos juntássemos para apoiar Cabo Verde na luta contra a pandemia, de uma forma que pudesse fazer alguma diferença”, revela ao A NAÇÃO, a investigadora Fátima Monteiro, para quem, a “diferença” que podem imprimir reside no facto de trabalharem todos no sector da produção e aplicação do conhecimento científico.

Dois dos integrantes são médicos (Julio Teixeira, EUA; e Frederico Sanches, Portugal); dois são investigadores da área das Ciências Bio-Médicas (Raffaella Gozzelino, Portugal; e Jailson Querido, Reino Unido); um das Ciências da Computação (José Teixeira de Sousa, Portugal); e uma, investigadora das Ciências Humanas e Sociais (Fátima Monteiro, Portugal).

Para maior focalização e coerência com a estratégia adoptada para o combate à pandemia em Cabo Verde, dirigiram, em Abril passado, uma carta ao Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, disponibilizando os seus préstimos.

“Recebemos uma resposta pronta e encorajadora da parte do Chefe do Governo e prosseguimos com a nossa acção, tendo decidido começar pela mobilização de contribuições para a oferta de um aparelho de testes de PCR a Cabo Verde”, revela Fátima Monteiro, investigadora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e presidente do IEMAC (Instituto de Estudos da Macaronésia).

Um outro integrante é José Pedro Fonseca, da UTA, residente em São Vicente, servindo de elo com a comunidade académica local. Esperamos, no entanto, poder alargar o diálogo com mais colegas em Cabo Verde, das várias universidades e institutos de pesquisa.

O ponto focal na interlocução do grupo com o Governo é o Ministro da Saúde e da Segurança Social, Arlindo do Rosário.

 

Alexandre Semedo

Publicado no A NAÇÃO (digital), nº 673, de 14 de Maio de 2020

 

                                       

 

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