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A magia e os segredos das plantas medicinais

CONTEÚDO PREMIUM

 

A utilização de plantas e seus derivados na medicina tradicional acompanha o homem desde a sua existência. Em Cabo Verde esse recurso também é uma prática com raízes profundas. Prova disso é a farmácia tradicional existente no mercado do Platô. Apesar da maioria das receitas corresponderem à verdade, uma especialista no assunto, a farmacêutica cubana Siomaly Concepción, alerta para os cuidados a ter com o consumo de certas ervas.

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Ervas, óleos, sementes e pós são receitados diariamente pelas vendedeiras do mercado do Platô, para alívio e cura de doenças que afectam as pessoas no seu quotidiano. Desde a gripe à prevenção do câncer, indo mais além do natural, com a venda de remédio contra o mau-olhado.

Nha Gina comercializa plantas medicinais há́ mais de 30 anos.

Virgínia Fernandes Semedo, 79 anos, mais conhecida por Nha Gina, diz que há́ mais de 30 anos que vive do comércio de ervas, e sabe de cor as receitas. Aprendeu a arte com a mãe nos Picos, São Salvador do Mundo. Ao A NAÇÃO explicou os benefícios das mais de vinte espécies de ervas que comercializa e do proveito que tem tirado do negócio. “A venda é regular porque muitas pessoas ainda acreditam no poder curativo das ervas”, afirma.

As ervas são oriundas do interior de Santiago, mais concretamente de São Lourenço dos Órgãos, São Salvador do Mundo e São Domingos, e são vendidas em arranjos de 100 gramas, a 50 escudos cada. As vendedeiras garantem que a procura é grande, tanto assim que vivem dessa actividade.

Receitas tradicionais

Para curar a gripe, Nha Gina recomenda o chá de chali (conhecido em português por capim limão), o eucalipto cheiroso ou mentolado, ou o chá de rubera, conhecido nas outras ilhas por palha teixeira. Também recomenda a erva-cidreira que, para além de eliminar a tosse, é um excelente relaxante. O manjericão, esse, ajuda a baixar a febre e a semente colocada no olho cura a conjuntivite.

Outras ervas usadas como chá́ ajudam o combater as maleitas mais diversas e graves, na versão das vendedeiras. É o caso de racha-pedra que extrai e elimina pedras renais, normalizando o funcionamento dos rins e bexiga. A folha da pinha previne a tensão alta. O agrião, em forma de xarope, ajuda a combater a bronquite e a tuberculose pulmonar. A folha do abacate previne doenças que afectam o fígado. A erva-doce e o alecrim são recomendados a pessoas que sofrem de gastrite.

Outras ervas como alfazema, gengibre, arruda, folha de goiabeira e casca de canela doce são recomendadas para dores no estômago, diarreia, dores de cabeça e mal-estar geral. A losna e o aipo da rocha são recomendados para regular a menstruação.

Mas, há mais no ervanário do mercado do Platô̂. Para além das ervas, os clientes contam ainda com os benefícios das sementes e dos óleos das plantas referidas. Para aliviar dores no corpo, azeite de purga e óleo de eucalipto são fundamentais. O óleo de mamona (resina em português) ajuda no crescimento de cabelos e facilita a amamentação. Para a purificação do sangue e cura de febre de pneumonia, as vendedeiras recomendam sementes de calabaceira e mostarda, ou ainda pilula de babosa. A semente de calabaceira, consumida em forma de sumo, é também recomendável na cura do colesterol.

Plantas e os seus derivados comercializados no mercado na sua forma mais rústica

Advertência médica

“A maioria das receitas recomendadas pelas rabidantes do mercado correspondem, de facto, à verdade”, esclarece a Siomaly Concepción, farmacêutica cubana, quando confrontada com o receituário das vendedeiras.

“Elas não estão muito longe da verdade, e entende-se, porque a utilização de plantas na farmácia industrial surgiu a partir da sabedoria popular que passou de cultura a cultura até chegar aos laboratórios”, refere.

Porém, dado ao poder medicinal das plantas, se mal-usadas, estas poderão também ser perigosas para a saúde, como aliás qualquer medicamento industrial nessas circunstâncias.

“É preciso ter cuidado no uso de certas plantas, sobretudo nos momentos desse consumo”, acrescenta Concepción. “A hortelã e a babosa, por exemplo, não podem ficar muito tempo expostas à luz do sol. A raiz do gengibre só deve ser consumida depois dos seis meses para poder alcançar os efeitos terapêuticos que reserva.

Das ervas encontradas no mercado do Platô a farmacêutica adverte para o não uso da arruda e da losna artemisia gorgonum, pelas mulheres, durante a gestação. “Podem provocar aborto com hemorragia forte acompanhada de cólicas e diarreia. Estas duas ervas também contêm substâncias tóxicas e o abuso elevado provoca excitação no sistema nervoso central que leva a alucinações”.

De acordo com aquela especialista, ao todo, “são 37 ervas existentes na natureza com propriedades abortivas e que podem provocar a teratogenia (má formação do feto) ou ainda retardar o desenvolvimento da criança”. A nossa perita esclarece ainda que durante a gravidez é preciso ter muito cuidado com o consumo de chás. “Se possível, é melhor não usá-los”.

Quanto ao uso da semente de manjericão nos olhos, alegadamente bom para a conjuntivite, Siomaly Concepción adverte que a membrana ocular é demasiado fina, contendo pequenos vasos sanguíneos que facilmente podem levar qualquer contaminação ao sangue. Desconhece as propriedades desta semente na cura da con- juntivite e por isso não recomenda o uso.

Siomaly, que também lecciona sobre plantas medicinais no curso de farmácia, confirma que a utilização da maioria das ervas indicadas pelas vendedeiras do mercado do Platô está correcta e muitas das plantas endémicas de Cabo Verde con- têm propriedades medicinais. Podem ser usadas como anti-inflamatório, anti-hemorroidal, diurético, anti-malárico, anti-catarro, queimaduras, anti-fúngico, analgésico e an-ti-bacteriano. Os óleos são recomendados para uso externo como laxantes e expectorantes para aliviar certas dores e facilitar o trânsito intestinal.

 

Curiosidades da medicina tradicional

 Para os homens

Muitos homens receiam consumir o chá de chali dada a fama de diminuir a potência sexual. As vendedeiras, confrontadas com esse temor, dizem que já ouviram falar, mas tal facto não é verdade. Joana Alves, por exemplo, afirma que faz sempre em casa, dá ao marido e nunca notou nele nenhuma diferença. O chali, entretanto, é um óptimo relaxante e deve ser consumido após as refeições, depois de um dia agitado. Siomaly Concepción garante que não tem efeito colateral.

Para efeitos contrários ao chali as nossas fontes recomendam aos homens o chá de arruda, por ser um excelente estimulante, folhas e frutos de abacate, e mesmo a farmacêutica confirma que são afrodisíacos. O consumo diário do pó da linhaça, para quem quiser experimentar, é também tiro e queda.

Para mulheres

Um produto que é comercializado nas farmácias mas que virou sucesso no mercado municipal é a pedra-umi (alumem, de potássio). Na farmácia industrial é recomendada para a purificação da água e eliminação de aftas na boca e como cosmético para uso pós barbear. Recomendada também para lavagem vaginal, as mulheres descobriram que o seu uso, dissolvido em pouca quantidade de água, ajuda na retenção da mucosa vaginal, apertando-o de tal maneira que parece que ficam virgens novamente.

Pedra-umi (alumem de potássio) é        muito procurado por mulheres

Siomaly Concepción garante que é verdade e que muitas mulheres ultimamente pro- curam aquele produto nas farmácias para esse efeito. “Dizem que é tiro e queda e a melhor forma de enganar o marido quando pulam a cerca”, diz a sorrir.

A procura do produto é tão grande, e como não é tóxico, as rabidantes mandam importá-lo de Portugal. Segundo elas, muitas mulheres sentem-se mais à vontade para o comprar no mercado do que na farmácia.

Remédios contra “mau-olhado”

Juntamente com as receitas para doenças físicas o comércio no mercado integra também um conjunto de remédios contra macumba ou feitiçaria. Uma tradição que permaneceu desde a escravatura até hoje, no sen- so comum de vários cabo-verdianos. As vendedeiras garantem que a procura de curativos contra feitiçarias é tão normal quanto às outras ervas de chás. Tanto as- sim é que a venda rende em ambas as vertentes.

Aqui, o destaque vai para a chamada Scontra, um pó amarelento parecido com o enxofre, recolhido no vulcão do Fogo. “Esse produto é geralmente procura- do para colocar no bebedouro dos animais para evitar a morte por mau-olhado”, explica Joana Alves.

Comercializa-se ainda, para o mesmo efeito, cinza e pedra de carvão para combinar com o agrião. “O banho dessa mistura afasta qualquer energia negativa”, diz uma das comerciantes. Outras duas ervas recomendadas para banho, com o intuito de afastar forças do além, são as ervas imbuda e o fogo da cera, remédio também para coceira.

Ervas e produtos vendidos no mercado.

 

O segredo das aromáticas do “Curral”

Em Santo Antão também se cultiva e comercializa plantas medicinais e aromáticas. Está prática é feita no “Curral”, propriedade do austríaco Alfred Mondl, em Chã de João Vaz, no Paul. Ali, além de dedicar ao comércio e fabrico de queijo, doces e bebidas, Mondl introduziu a agricultura biológica na região.

Ao todo são 35 espécies de plantas e ervas cultivadas no Curral. Essas aromáticas são utilizadas tanto na culinária como na medicina tradicional, e são encomendadas por estrangeiros que residem em vários pontos do país.

Quem há três anos atrás se apaixonou pelas ervas e tem-se dedicado a elas é o filho do austríaco, Frederico Mondl, 21 anos. É ele que faz a sementeira, o tratamento e a colheita e prepara os arranjos.

“Geralmente são estrangeiros residentes em Cabo Verde que recomendam ervas para usarem na culinária tradicional das suas regiões”, explica esse amante da natureza biológica. As ervas são previamente recomendadas pelos clientes e Mondl prepara um cartão onde junta algumas hortaliças que é vendido por 1500 escudos.

As mais procuradas são o funcho “foeniculum vulgare”, popularmente conhecido por erva-doce, rico em fibras vitaminas, proteínas e hidrato de carbono e, em forma de infusão, abre o apetite e estimula a digestão.

usatam formigas, assim como o chá de cidreira – “melissa officinalis” – , que as pessoas recomendam para aliviar gazes intestinais, dores musculares e torceduras. Batido com água faz um refresco para tirar desânimos. É também utilizado como aromatizante de bebidas alcoólicas.

Uma outra erva medicinal é a estebía – “stivia rebaudiana”. Usada na forma de chá para impedir a absorção de açúcar pelo intestino, sendo benéfi- ca aos portadores de diabete. Reduz a quantidade de insuli- na absorvida diariamente e é uma das plantas que entra na composição dos adoçantes re- comendados para diabéticos. A seiva retirada das folhas é de longe mais doce que o açúcar da cana e não possui calorias.

Para além de vender, o “Curral” também realiza experiências botânicas e químicas. Por exemplo, uma combinação de orégano – “origanum vulgare” – e do basílico com o queijo normal, resulta num “delicioso” queijo esverdeado aromatizado muito apreciado pelos visitantes do “Curral”.

As aromáticas do Curral em João Vaz- Paul são muito procuradas por estrangeiros.

Sucesso na culinária

Tem ainda o manjericão – “ocimum basílico”, também conhecido como basílico –, e distinguido como o rei das aromáticas. Pode ser encontrado no Curral em quatro formas: manjericão simples, anão, branco e manjericão canela, que tem o cheiro e o sabor picante do composto aromático da casca da árvore de canela. É usado em receitas tanto doces como picantes e no preparo de molhos.

A orelha-de-onça – “ocinum viride” –, já é utilizada como chá para livrar a prisão do ventre e as folhas queimadas afastam formigas, assim como o chá de cidreira – “melissa officinalis” –, que as pessoas recomendam para aliviar gazes intestinais, dores musculares e torceduras. Batido com água faz um refresco para tirar desânimos. É também utilizado como aromatizante de bebidas alcoólicas.

Uma outra erva medicinal é a estebía – “stivia rebaudiana”. Usada na forma de chá para impedir a absorção de açúcar pelo intestino, sendo benéfica aos portadores de diabete. Reduz a quantidade de insulina absorvida diariamente e é uma das plantas que entra na composição dos adoçantes recomendados para diabéticos. A seiva retirada das folhas é de longe mais doce que o açúcar da cana e não possui calorias.

Para além de vender, o “Curral” também realiza experiências botânicas e químicas. Por exemplo, uma combinação de orégano – “origanum vulgare” – e do basílico com o queijo normal, resulta num “delicioso” queijo esverdeado aromatizado muito apreciado pelos visitantes do “Curral”.

 

Os benefícios da linhaça

A semente de linhaça (a que o povo chama de “linhaxu”), planta abundante no in- terior de Santiago, é um dos nutritivos mais saudáveis existentes na natureza. Para além de seus nutrientes básicos (carboidratos, proteínas, gorduras e fibras), os antio- xidantes encontrados nela ajudam a combater o cancro, pois, segundo a farmacêutica Siomaly Conception, reduz as células cancerosas e previne tumores secundários ao interromper o crescimento de novos vasos sanguíneos.

Arbusto da linhaça abundante no interior de Santiago.

A semente de linhaça é a mais rica fonte de ómega 3 existente na natureza que ajuda na prevenção e cura de numerosas doenças cardíacas. As suas propriedades actuam sobre todos os aparelhos do corpo humano, melhorando o seu funcionamento. Auxilia na redução de colesterol ruim, dos sintomas de TPM (Tensão Pré-Menstrual) e da menopausa. Combate a agressividade e a obesidade, ajuda no trânsito intestinal e na retenção da água dos rins.

O pó da linhaça também é comercializado no Mercado Municipal do Platô. Uma colher de sopa custa cem escudos e é recomendado para ser consumido, diariamente, juntamente com o leite ou com o iogurte.

 

Qual o valor das plantas medicinais?

O uso de plantas na medicina tradicional é tão antigo quanto o homem. Em Cabo Verde a tradição também existe e há quem não troque os remédios caseiros pelos industriais. Eis alguns testemunhos sobre os efeitos medicinais das plantas.

 

Ester Conceição

Publicado originalmente na edição 220 do A Nação de 17 de Novembro de 2011.

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