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O que ainda pode fazer a diáspora cabo-verdiana?

Por: Franklin Tavares*

– Na linha de Amílcar Cabral

“Está na hora, está na hora”, gritava Zarathustra. Mas “ de que? :”Reconhecer a Diáspora como a estrutura fundamental do nosso futuro”.

Devemos distinguir cuidadosamente dois fenómenos: por um lado, a nossa emigração que, na sua maioria, foi o resultado das longas e terríveis fomes que assolaram toda a segunda metade do período colonial português (século XVIII – XX), e, por outro lado, a diáspora que só começou realmente a constituir-se como uma entidade separada e autoconsciente com Amílcar Cabral. Foi o primeiro a compreender que, na luta pela Independência, era imperativo transformar a emigração em Diáspora, torná-la numa poderosa força diplomática, numa rede paralela de apoio, numa força económica para o futuro e um grande eixo cultural. Para tal, conseguiu tirar o máximo partido da força da Sodade como superestrutura cultural do sentimento nacional – a caboverdianidade – e fez dela um fator de mobilização. Na verdade, e com o devido respeito por alguns, Amilcar Cabral foi quem lançou as bases para a transformação estrutural da emigração em Diáspora. De facto, embora a emigração fosse uma realidade quantitativa, ele fez dela uma realidade qualitativa. Devemos, na sua esteira e sob a sua égide, continuar Cabral, como Mário de Andrade tão bem disse, num contexto global muito tenso e num novo drama de saúde.

A este respeito, o que pode a diáspora fazer hoje, quando a Sars-Cov-2 e a sua pandemia, a Covid-19, estão em fúria em todos os continentes? Muito mais do que tem dado até agora ao “Petit Pays”. Certamente, está a cumprir a sua função financeira (transferências de dinheiro, mobilização de investimento estrangeiro, construção de habitações, etc.). Tem igualmente uma vertente de solidariedade (apoio direto às famílias, envio de “bidões”, etc.). É um Actor político (membro do eleitorado, mobilização do eleitorado e participação na votação). A diáspora assumiu a sua parte no reconhecimento musical mundial da Morna, da qual foi promotora (radiodifusora) e continua a ser um vetor incontornável.

Contudo, como já dissemos anteriormente, a Diáspora ainda não deu tudo o que Cabral esperava dela; para isso, deve organizar-se melhor. Para ilustrar brevemente a linha doutrinal deste artigo, abriremos cinco linhas de pensamento que são um conjunto de pistas de investigação.

A primeira diz respeito ao setor do turismo, que o Covid-19 acaba de parar repentina e inesperadamente, paralisando este importante sector do aparelho de produção cabo-verdiano. Mas, por um momento, imaginemos que toda ou uma parte significativa da Diáspora é mobilizada em torno da seguinte palavra de ordem: “cada Cabo-verdiano no estrangeiro deve tornar-se espontaneamente um “agente turístico” ou “agente publicitário” com o objetivo de enviar (pelo menos) um turista para Cabo Verde em 2021-2022”. O impacto seria imediato e positivo, uma vez que toda a indústria turística receberia um grande impulso. E todos podem imaginar como e em que medida o renascimento pela Diáspora deste sector vital impulsionaria a economia nacional (infraestruturas, receitas fiscais, divisas, empregos, etc.).

A segunda linha de pensamento diz respeito à possibilidade de transformação estrutural da dívida interna. O rácio da dívida e o serviço das dívidas pesam demasiado sobre o orçamento do Estado e sobre a vida da Nação. A este respeito, o caso do Japão pode servir como ponto de partida para a reflexão sobre uma das futuras missões da Diáspora. Sabemos que um dos grandes pontos fortes do Japão reside no facto de a sua dívida interna ser maioritariamente detida (90%) por bancos e cidadãos japoneses. Todos nós compreendemos que esta é uma das chaves para a independência e o sucesso do Japão. O Japão tem aproveitado muito habilmente o Plano Dodge (medidas para combater a inflação e consolidar as finanças públicas) e a Missão Shoup (novo sistema de cobrança de impostos) criada após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. Com efeito, a implementação deste duplo sistema permitiu-lhe reduzir a sua dívida pública de 73% em 1946, para 26% dois anos mais tarde em 1948, depois para 15% em 1952, uma das condições para o relançamento da sua economia e a sua taxa de crescimento anual (Produto Interno Bruto +9%). Este esforço foi previsto e tornado possível pelo facto de a taxa de poupança japonesa ter sido e ser ainda muito elevada, uma realidade que reduz a dependência do Japão do financiamento externo. Pensamos que, no quadro de uma economia aberta, a Diáspora poderia assumir, mesmo parcialmente, a função histórica de libertar o “Petit Pays” da sua dependência do financiamento externo. Pois, para além da sua grande capacidade de poupança e do seu nível médio de rendimento (ocidental), pode e deve estar envolvido num vasto projeto de construção de fundos para a “recompra” da dívida pública cabo-verdiana.

A terceira pista é um vasto programa de criação de empresas (de qualquer tamanho) da Diáspora, que não só abrangeria os cabo-verdianos, mas também todos os estrangeiros que veem os benefícios. Desta forma, a Diáspora poderia tornar-se um grande “agente empreendedor”.

A quarta pista é considerar, o que seria sem precedentes, que a diáspora constitui um novo segmento do mercado interno cabo-verdiano.

A quinta pista é uma questão que surge das quatro anteriores: porque é que o peso económico (produção de riqueza e valor) da diáspora não é tido em conta? Porque se fosse, o Produto Nacional Bruto (PNB) cabo-verdiano seria superior ao seu Produto Interno Bruto (PIB)? Será portanto necessário considerar a medição da “riqueza” criada pela Diáspora.

Poderíamos multiplicar estes tipos de exemplos. Mas as cinco pistas, brevemente apresentadas acima, são suficientes não só para mostrar que a Diáspora é um recurso infinito, uma “matéria-prima” inesgotável, mas também para nos fazer compreender o novo e revolucionário papel que ainda pode desempenhar, depois do papel que desempenhou no processo de independência em Cabo Verde. Então “para que está na hora? “Já é tempo de se retomar uma das ideias mais brilhantes de Amílcar e a de transformar em política pública, mormente após as eleições de Abril e Outubro próximos. Pois trata-se, antes de mais nada, de preparar a construção do pós-Covid-19 Cabo Verde, como um novo e elevado ato de cultura. E disto, é mais que tempo !

*Filósofo, Membro da Diáspora na França

Paris, 16 de Janeiro de 2021

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 699, de 21 de Janeiro de 2021

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