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Opinião

Cabo Verde: Desafios ao financiamento económico e social no contexto e pós pandemia de Covid-19 (1)

Por: João Serra*

Esta é a primeira parte de um de artigo de três partes que o autor pretende publicar, neste jornal, sobre o tema em epígrafe. Esta parte incide-se, basicamente, sobre o contexto atual de crise pandémica e as abordagens relativamente aos mecanismos de financiamento da economia visando a sua recuperação. A segunda parte versará sobre os argumentos a favor da continuidade da imprescindível ajuda externa a Cabo Verde, e a terceira parte sobre a importância acrescida e o papel das microempresas e das microfinanças.

Para o economista norte-americano Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Economia e professor da prestigiada Universidade de Columbia, a Covid-19 não vai simplesmente desaparecer. Pois, segundo ele, num artigo de opinião publicado no “Project Syndicate”, a 29 de dezembro de 2020, “embora tenha havido uma substancial recuperação económica desde as profundezas dos confinamentos iniciais na primavera passada (de 2020), as perdas para o PIB e o emprego em todo o mundo são suficientes para tornar esta a segunda ou a terceira pior recessão dos últimos cem anos. E isso é verdade mesmo quando parece cada vez mais claro que uma vacina eficaz está para acontecer.”

Para Stiglitz, mesmo com a vacina, “o regresso ao normal levará tempo, o que levanta a questão da quantidade de danos que ocorrerão nesse ínterim. A resposta vai depender das políticas económicas que os principais países seguirem nos próximos meses”.

Por seu turno, na reunião anual de Outono (de 2020) das duas instituições de “Bretton Woods”, a Presidente do FMI assume que a recuperação é ainda incerta e que será desigual e longa. Para Kristalina Georgieva, a presente crise deve funcionar como catalisador de esforços para a redução de desigualdades, no sentido de forjar um novo contrato social que contempla uma dimensão intertemporal e o estreitamento do fosso entre “ganhadores” e “perdedores” da crise pandémica.

A atual crise económica, provocada pela pandemia de Covid-19, afeta todos os países e praticamente de forma simétrica. Mas terá efeitos diferentes conforme os Estados, impactando mais os países em vias de desenvolvimento, como Cabo Verde. Expõe e agrava as desigualdades sociais, que atingem, com maior incidência, as mulheres, os trabalhadores informais e aqueles com baixos níveis de qualificação.

É neste contexto pandémico global, de enorme complexidade e incerteza, que a economia de Cabo Verde enfrenta um duplo desafio. Por um lado, responder à situação de emergência provocada pelo impacto da pandemia sobre a atividade económica e a esfera social. Por outro lado, procurar caminhos para ultrapassar os obstáculos e os entraves que, de forma persistente, têm travado o nosso desenvolvimento económico e social e que a pandemia veio agravar. Um dos caminhos deve passar pelo apoio à emersão e ao desenvolvimento de novos sectores de atividade e por programas de investimento indutores de crescimento e de aumentos da produtividade global, enquanto pressupostos de um desenvolvimento sustentável.

A resposta à crise pressupõe a mobilização de avultados recursos financeiros, de preferência, com um efeito direto marginal sobre a despesa pública e sobre a situação orçamental. Isto é, importa estabelecer e concretizar um programa desenhado em torno de eixos capazes de orientar o esforço de modernização do nosso sistema económico e de recentragem do modelo económico para uma maior diversificação de sectores potencialmente indutores do crescimento.

O elevado endividamento limita o nosso campo de ação e impõe a escolha de um número limitado de eixos de atuação do Estado, centrando-se naqueles com um forte potencial multiplicador e de indução de modernização e crescimento, tais como, infraestruturas críticas, robustecimento e competitividade do tecido produtivo, sistema educativo e formação profissional, áreas dos serviços públicos com impacto direto na atividade económica. Por outro, a circunstância da crise interpela-nos, como o FMI sugere, a procurar soluções inovadoras para um crescimento inclusivo e sustentável. Tais soluções requerem, por um lado, uma mudança de mentalidade e/ou de instituições e, por outro lado, uma noção clara do papel do sector privado/mercado, do Estado e da ajuda externa, o que coloca Cabo Verde, em termos de opções de financiamento da economia e das prestações sociais, perante o complexo desafio de escolhas que se adequem às características particulares do país.

Diante deste cenário, é de se perguntar: como fazer para Cabo Verde financiar as necessidades emergentes durante a pandemia e voltar a crescer depois dos tempos de pandemia?

A resposta à questão supramencionada parece passar por uma discussão sobre o papel a ser desempenhado pelo setor privado, pelo Estado e pela ajuda pública ao desenvolvimento, quer no presente, quer no futuro.

No essencial, o que se coloca em debate são duas grandes visões sobre o posicionamento dos Governos relativamente ao papel do Estado: mínimo ou intervencionista?

A “Mão Invisível de Adam Smith” e o Estado Neoliberal

A visão do “Estado mínimo” acima referida invoca a imagem do chamado “Estado Neoliberal” ou de uma “máquina estatal enxuta”. Nessa visão, os Governos deveriam intervir o mínimo possível na economia, dando amplo espaço para que os entes privados possam inovar e atuar por conta própria. O Estado apenas faria a contenção de possíveis “abusos do mercado”, através de uma política de regulação e fiscalização eficaz. Os gastos com programas sociais e económicos deveriam ser os menores possíveis. O Estado, por assim dizer, seria mais um “garantidor de liberdades” do que um “efetivador de direitos”. 

O atual conceito de estado neoliberal tem como referência maior o filósofo e economista britânico, nascido em 1723, Adam Smith, considerado o mais importante teórico do liberalismo económico.

O contributo de Adam Smith para o desenvolvimento da teoria económica é considerado, pelos seus seguidores, como fundamental. Para estes, Adam Smith é o “pai” da Economia. A sua obra “The Wealth of the Nations” (A Riqueza das Nações), publicada em 1776, é tida como um referencial e contém inúmeras considerações que estão na base da evolução do pensamento económico até à atualidade.

Um dos grandes contributos de Adam Smith foi a explicação dada em como, numa economia de mercado, o interesse próprio racional possibilita a consecução do máximo bem-estar económico de todos os agentes. Esse fenómeno acontece pela ação de um mecanismo que Smith denominou de “mão invisível” e que corresponde a um conceito fundamental no âmbito da economia de mercado.

A existência de uma mão benévola, a tal “mão invisível” preconizada por Adam Smith, resulta do facto de os agentes económicos, numa economia competitiva, terem de produzir algo com valor de forma a poderem auferir um rendimento. Esse valor corresponde àquele que é percecionado pelos outros indivíduos que possam vir a adquirir o bem ou serviço em causa.

Em suma, Smith prevê a ocorrência de ganhos para as duas partes envolvidas numa transação. Assim, quando a realização da atividade de cada indivíduo é feita no sentido de criação do máximo valor, mesmo tendo em conta que o interesse a ela subjacente é pessoal, vai proporcionar a maximização do bem-estar dos restantes indivíduos e, em última instância, da sociedade em geral. Aliás, apesar de prosseguir o seu interesse individual e não tendo sequer em vista o interesse da comunidade, um indivíduo que aja, como atrás referido, acaba por propiciar, frequentemente, à sociedade um benefício superior ao que propiciaria se voluntariamente o tentasse conceder.

Convém, no entanto, realçar que a ocorrência do mecanismo da “mão invisível” implica a existência de um conjunto alargado de pressupostos genericamente associados a estruturas de mercado de concorrência perfeita. Ou seja, pressupõe a inexistência de quaisquer falhas de mercado. Por um lado, não podem existir estruturas de mercado monopolistas em que as condições impostas pelo monopolista no mercado não são as melhores para os consumidores e implicam um desperdício de benefícios em prejuízo da sociedade. Por outro lado, não deve haver fenómenos de externalidades, designadamente as externalidades negativas resultantes da ocorrência de efeitos nefastos sobre a economia sem que haja mecanismos de mercado associados. Nestes casos, verificam-se restrições ao mecanismo da mão invisível, facto que não belisca a importância teórica e prática deste instrumento na teoria económica.

O liberalismo económico, nomeadamente a variante “monetarista”, mais comumente associada ao trabalho de Milton Friedman, também um ilustre economista da chamada “Escola de Chicago” e laureado com o Prémio Nobel de Economia, teve a sua expressão máxima, em termos de influenciação da política macroeconómica, nos anos 80 do século XX.

Entretanto, a pandemia veio acelerar mudanças neste quadro teórico da economia que, diga-se de passagem, ultimamente, já estava em si abalado e enfraquecido pela crise financeira de 2007/2008. Um pouco por todo o lado, a pandemia de Covid-19 travou as conceções liberais que haviam levado a um recuo da intervenção do Estado na economia. Para além disso, primeiro pelos efeitos económicos, financeiros, sociais e políticos da crise financeira, depois pela pandemia, têm vindo a ser postas em causa, de forma crescente, uma política monetária preocupada, sobretudo, com o controlo da massa monetária tal qual defendido pelas Escolas Monetaristas de inspiração liberal, para quem a inflação é um fenómeno essencialmente monetário.

 

O Intervencionismo do Estado de John Maynard Keynes e o Keynesianismo

A segunda visão relativamente ao papel do Estado na economia remete-nos para a figura típica de um Estado mais intervencionista, que gasta muito com programas sociais, investe recursos públicos na economia, cria empresas estatais e se mostra mais como um “efetivador de direitos” do que “garantidor de liberdades” individuais. Também não é incomum associar estas características ao chamado “Estado de Bem Estar Social”. 

A teoria económica por detrás da ideia de intervenção do Estado é atribuída ao economista britânico, nascido em 1883, John Maynard Keynes, cujas ideias mudaram significativamente a teoria e prática da macroeconomia, bem como as políticas económicas adotadas e implementadas pelos diversos Governos no mundo inteiro, particularmente no período pós segunda guerra mundial. Keynes é amplamente reconhecido como um dos economistas mais influentes do século XX e é considerado, pelos seus seguidores, o fundador da macroeconomia moderna, com a publicação, em 1936, da sua obra “The General Theory of Employment, Interest and Money” (A Teoria Geral de Emprego, Juros e Dinheiro). O trabalho de Keynes é a base para a escola de pensamento conhecida como keynesianismo, bem como as suas diversas ramificações.

Uma das principais teses keynesianas defende que, em contextos de crise económica grave, a “mão invisível” do mercado não é suficiente para resolver os flagelos sociais e a profunda anemia económica. Nessas situações, o Estado não pode simplesmente “lavar as mãos”. Pelo contrário, deve adotar uma política orçamental e monetária contracíclica que estimule o crédito e aumente as despesas e os investimentos públicos. Para o efeito, o Estado deve recorrer ao endividamento e à expansão criteriosa dos meios de pagamento, nomeadamente da moeda. No entanto, a atuação do Estado deve priorizar as ações de proteção dos cidadãos economicamente vulneráveis, procurando, simultaneamente, reformatar as despesas supérfluas e os privilégios públicos e privados.

A discussão sobre o papel do Estado na economia sofreu uma reviravolta com a crise da pandemia. Praticamente todos passaram a defender subsídios estatais, desde aqueles que defendem a mínima intervenção possível do Estado na economia e a privatização de quase todos os bens e serviços, os chamados “libertários”, passando pelos designados “conservadores”.

Com efeito, os Governos estão agora a ter de lançar programas maciços de apoio transversal à atividade económica, enquanto alguns bancos centrais estão a financiar diretamente os Estados. Os bancos centrais dos EUA (FED), do Japão e da Inglaterra e o próprio BCE (Banco Central Europeu) estão, inclusive, a monetizar os “deficits” públicos através dos mercados secundários, coisa impensável há alguns anos atrás.

O próprio FMI, que chegou a ser considerado um guardião da ortodoxia neoliberal por causa das suas abordagens de austeridade como uma solução económica, já admite, e inclusive recomenda vivamente, o investimento público para controlar a pandemia de Covid-19. Num documento intitulado “Investimento Público para a Recuperação” e publicado a 05 de Outubro de 2020, o FMI considera, por exemplo, que em períodos de incerteza o emprego aumenta entre 0,9% e 1,5%, em dois anos, em resposta a um choque de investimento público de 1% do PIB.

É mais um sinal de que os tempos mudaram e algumas máximas já não se aplicam, tendo a pandemia sacudido os dogmas até então existentes e inaugurado uma era de intervenção estatal maior e mais robusta nas economias, à altura da crise, como defendia Keynes.

 

O Papel do Mercado e do Estado e a Economia Social de Mercado em Cabo Verde

De um modo geral, o mecanismo de mercado já provou que é mais adequado ao progresso económico que um regime económico estatal demasiado centralizado e burocrático. A explicação desse fenómeno é, basicamente, esta: a economia de mercado estimula, através da concorrência interna e da competitividade com o resto do mundo, uma melhor alocação de recursos, promovendo, assim, uma eficiência acrescida.

Contudo, a questão que se põe é de saber em que condições as forças do mercado poderão ter efeitos positivos sobre o desempenho económico e as condições de vida das populações.

Para que o mecanismo de mercado funcione, de facto, como impulsionador do crescimento tem que haver, necessariamente, um conjunto de requisitos básicos, dos quais se destaca a existência: i) de mercados (de fatores, financeiros) funcionais e competitivos; ii) de uma classe empresarial dinâmica; e iii) de um mecanismo económico dominante de regulação e coordenação (preços, competitividade).

É somente sob essa homogeneidade funcional que, segundo o célebre sociólogo alemão Max Weber, a economia de mercado permite a formação de mecanismos fantásticos para, através da racionalidade, produzir o excesso, enquanto condição “sine qua non” de todo o progresso. Só assim, ainda segundo Weber, é que a economia de mercado se transforma num modo fantástico de evolução e de auto-organização.

Cabo Verde apresenta numerosos problemas económicos, financeiros e sociais, os quais são de caráter estrutural. Os problemas existentes resultam, sobretudo, da heterogeneidade da estrutura económica, em particular, e da sociedade, em geral. A existência de estruturas socioecónomicas multifacetadas e desintegradas enfraquecem a capacidade estrutural do país para o desenvolvimento sustentado e atuam, para além disso, de uma forma conservadora e inibitiva sobre o atraso do país e a sua dependência económica externa.

Perante as condições de estruturas socioeconómicas descontínuas e, em especial, de modelos socioculturais de comportamento heterógenos, como os existentes em Cabo Verde, o mecanismo de mercado não pode exercer, eficazmente, as já referidas “fantásticas” funções. Pois, sob essas condições falta o mecanismo económico regulador dominante.

Com efeito, onde há falta de um mecanismo coeso de mercado, de empresários fortes e dinâmicos e onde as imperfeições do mercado e da competitividade são significativas, no geral, não pode haver uma alocação eficiente de recursos através das forças do mercado. O mecanismo de mercado perde, nestas circunstâncias, a sua força reguladora.

Por causa dessas falhas dos mecanismos de mercado, é desígnio do Estado – em representação da sociedade – satisfazer necessidades que, sendo individuais e sentidas por todos, só têm resposta numa provisão coletiva – por via direta, como empresário, ou indireta através de um sector produtivo regulado.

Outrossim, é inquestionável que, no atual contexto de crise, compete ao Estado desempenhar um papel fundamental na recuperação da economia e na promoção do desenvolvimento. Neste quadro, o investimento público e as medidas de apoio ao investimento privado assumem um papel crucial na recuperação da economia, permitindo a realização do investimento e a manutenção e criação de emprego.

No entanto, para que o investimento público não se torne em mais um fardo adicional (mais dívida) para a economia deve ter o retorno esperado. Para o efeito, deverá existir uma política de investimento público criteriosa, em que a rentabilidade económica e financeira dos projetos de investimento seja escrutinada de forma adequada e estes são financiados com recursos com perfil adequado, de forma a não criar problemas graves de endividamento ao país.

Uma das condições necessárias à realização de qualquer investimento é a existência do financiamento à sua execução, ou seja, a existência de recursos necessários para garantir a realização das despesas decorrentes da execução do projeto. Para Cabo Verde, a inexistência de recursos/poupança interna em quantidade suficiente faz com que o recurso à poupança externa, particularmente sob a forma de ajuda pública ao desenvolvimento, para acelerar o processo de recuperação económica e de desenvolvimento seja, praticamente, uma fatalidade. Esta matéria será desenvolvida no próximo artigo, tal qual referido inicialmente.

A Constituição de 1992, revista em 1999, identifica as diferentes funções do Estado na organização do processo económico, competindo-lhe, designadamente, garantir as condições de realização da democracia económica. Neste particular, o Estado surge como garante do interesse geral e regulador, competindo-lhe, nomeadamente, condicionar, fiscalizar, planear e promover as atividades de terceiros.

De um modo geral, a Constituição da República não impede que o Estado surja como empresário, isto é, como Estado produtor de bens ou prestador de serviços.

Neste quadro, os tipos de intervenção do Estado na economia são distintos e feitos através de instrumentos com natureza diferente, consoante a posição do Governo em funções perante a atividade económica em geral, podendo intervir diretamente na economia do país e/ou ter um papel de agente externo ao mercado (Estado regulador), incentivando ou limitando a atividade de terceiros, através de meios de natureza político-legal ou contratuais.

O maior ou menor peso do Estado na economia é definido pelas políticas económicas dos Governos, com influência das suas origens ideológicas. No entanto, é notório que o Estado produtor tem vindo a perder importância, particularmente na década de noventa do século passado com os processos de desintervenção do Estado, designadamente de privatizações das empresas públicas antes consideradas estratégicas ou desassociáveis do domínio público. Por contrapeso, o Estado regulador tem assumido uma crescente importância, impulsionado pela importante dimensão da regulação económica.

Não obstante isso e apesar das políticas de liberalização e de primazia atribuída ao sector privado e ao mercado que vêm sendo implementadas desde a década de 90 do século XX, o Estado continua sendo um importante agente económico em Cabo Verde, sendo responsável por mais de 25% do PIB e mais de 20% do total do emprego formal.

Cabo Verde é um pequeno país em vias de desenvolvimento, com limitações próprias de uma economia de reduzida dimensão, com um mercado territorialmente disperso e sem uma adequada fluidez na circulação de bens, trabalhadores e prestadores de serviços e com acentuadas desigualdades sociais e entre as próprias ilhas. Neste contexto, reveste-se de uma importância acrescida que o estímulo ao crescimento económico seja consentâneo com um modelo social igualmente robusto e que seja promotor da coesão social e geográfica. É aqui que surge a chamada “economia social de mercado”, modelo económico que tem sido adotado, de forma pragmática, desde a abertura política de 1991, embora com algumas nuances, em função da ideologia de cada um dos dois partidos que vêm governando o país desde então.

Na génese da “economia social de mercado”, mantida há décadas com sucesso nos países da Europa de Norte, bem como na Alemanha e Áustria, está uma simbiose entre os fundamentais do mercado livre e a equidade social.

Enraizada na tradição social cristã, a “economia social de mercado” aponta para um incremento global da sociedade, considerando os indicadores tradicionais de desenvolvimento, mas também indicadores complementares, como os que se referem à desigualdade e à pobreza.

Neste quadro, o Estado intervém na economia com medidas reguladoras de políticas públicas nas áreas social, económica e do mercado de trabalho, corrigindo excessos e eventuais arbitrariedades, podendo, inclusive, desempenhar, em determinadas circunstâncias, o papel de Estado produtor de bens e serviços. É o que tem acontecido em Cabo Verde onde o Estado esteve, está e, certamente, estará sempre por detrás do impulsionamento de políticas e de reformas para a consecução dos objetivos de interesse geral que, doutro modo, não seriam atingidos apenas pela “mão invisível” do mercado.

Concluo esta primeira parte do artigo, dizendo que o mais importante, neste momento difícil, é não radicalizar. Antes de encarar uma visão neoliberal ou mais intervencionista, devemos encarar a realidade muito adversa, exacerbada por uma dívida pública elevada, para ver as alternativas que nos levem a superar o desafio de financiarmos a diversificação da nossa economia, tornando-a mais resiliente e com maior capacidade para tirar proveito das novas oportunidades, nomeadamente nas áreas que têm que ver com a economia azul, a economia digital, a transição energética e uma agricultura e pecuária de maior produtividade e rendimento.

Praia, 29 de Março de 2021

*Doutor em Economia 

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 709, de 01 de Abril de 2021)

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