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Economia

Bestfly: Donos da companhia referenciados em processos de lavagem de capitais

O acordo de concessão estabelecido entre o Governo e a BestFly Angola para a exploração do serviço público de transporte aéreo interno de passageiros, carga e correio, por um período de seis meses, pode acarretar riscos reputacionais para o país. Os supostos accionistas dessa companhia aérea estão referenciados em processos de lavagem de capitais e de corrupção, inclusive em Cabo Verde.

O negócio com a Bestfly pode perigar a imagem do sector financeiro cabo-verdiano em matéria de prevenção de lavagem de capitais e criminalidade conexa. Nomeadamente, corrupção, participação económica em negócio, peculato, fraude na obtenção de subsídios e subvenções, entre vários outros.

É de domínio público que o negócio entre o Governo de Cabo Verde e a Binter para a concessão das rotas domésticas de transportes aéreos sempre pecou por falta de transparência. Até hoje não se conhecem os meandros desse negócio, perante a inércia do Ministério Público e cumplicidade de várias outras entidades nacionais.

Sem contrato de serviço público, a Binter (TICV), perante uma situação financeira difícil, provocada pela pandemia da covid-19, resolveu “chantagear” o Palácio da Várzea informando que iria cessar as suas operações no dia 17 deste mês. Aliás, nem sequer era a primeira vez que recorria a esse meio para impor as suas posições a um governo aflito com a situação do sector dos transportes, tanto aéreos quanto marítimos.

Perante o cenário de paralisação da TICV, e na impossibilidade de levar os donos da companhia, a Binter de Canárias, a rever a sua posição, o Governo, em tempo recorde, foi buscar a BestFly Angola para garantir o serviço público de transporte aéreo regular interno de passageiros, carga e correio.

Como a pressa é inimiga da perfeição, neste negócio, a cidade da Praia não se acautelou dos aspectos reputacionais dos novos parceiros, como por exemplo a origem do dinheiro investido nessa companhia de capitais angolanos. Nem tão-pouco da imagem que a mesma goza nos meios de Angola.

A entrada “abrupta” da BestFly no mercado cabo-verdiano fez soar alarmes no sistema financeiro nacional. É que, fazendo o escrutínio dos accionistas dessa transportadora, depara-se que são indivíduos e partes relacionadas com entidades (empresas financeiras e não financeiras) referenciados em processos relacionados com lavagem de capitais e crimes conexos em Portugal, Angola e Cabo Verde, como se pode constar em diversas fontes consultadas pelo A NAÇÃO.

No site do Banco de Cabo Verde (BCV), por exemplo, pode-se encontrar uma contraordenação, de Dezembro de 2019, aplicada ao Banco Privado Internacional (BPI), cujo sócio maioritário é o actual presidente da BestFly, Mário Palhares. (Este milionário, casado com a cabo-verdiana Teresa Teixeira), é tida como testa de ferro de alguns generais hoje condenados à desgraça pelo presidente João Lourenço.

Nos autos de contraordenação instaurado ao BPI, Instituição de Crédito de Autorização Restrita, S.A. (arguido), o BCV aplica uma coima única de 48 mil contos por infrações relativas aos deveres de comunicação e prestação de informações devidas ao Banco Central e aos procedimentos concernentes à prevenção e repressão do crime de lavagem de capitais, verificadas na ação inspetiva, do DSF, ocorrida no período de junho de 2014 a junho de 2016.

Em Portugal, o canal de televisão SIC fez uma investigação com foco no BNI, BAI Europa e Banco Atlântico, que têm em comum os sócios da companhia aérea BestFly. A investigação, de Janeiro de 2020, revela que a banca angolana levanta sérias dúvidas ao Banco de Portugal desde, pelo menos, 2004.

Nos últimos cinco anos, o Banco de Portugal identificou os riscos que três bancos angolanos com filiais em Portugal corriam, em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Em três inspeções, o supervisor percebeu que o BIC, o BNI e o BPA tinham a porta aberta para lavar dinheiro proveniente de Angola.

Os mecanismos de controlo eram escassos ou inexistentes. Para os três bancos, os inspectores propuseram 38 contraordenações. Dois dos visados dizem nunca as ter recebido. A nível internacional, o consórcio de jornalistas OCCRP concluiu numa investigação, de Abril de 2020, que um grupo de funcionários do governo angolano e executivos bancários seniores canalizou centenas de milhões de dólares para fora do país com pouca supervisão, criando a sua própria rede bancária privada através da qual enviavam o dinheiro para Portugal, para outras partes da União Europeia e Cabo Verde.

A referida investigação revela ainda que as sucursais estrangeiras- duas em Portugal e uma em Cabo Verde – não implementaram controlos padronizados de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo e não realizaram quaisquer diligências devidas aos clientes identificados como suspeitos pelos reguladores internacionais. “Os bancos tinham muito poucos clientes, muitas vezes ganhando pouco dinheiro ou mesmo operando com prejuízo, sugerindo que a lucratividade não era seu objetivo principal”.

Porém, na sequência da publicação da investigação Luanda Leaks pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, que expôs a corrupção massiva por Isabel dos Santos e seus associados, os reguladores estão a dar atenção renovada às elites angolanas.

Accionistas
Em Angola, o quadro de suspeita em relação aos donos do Bestfly repete-se. O Kwanza News, numa matéria de Outubro de 2018, identifica os verdadeiros accionistas da companhia. Conforme este site, o governo de João Lourenço afastou recentemente do terminal militar, uma empresa de aviação executiva que tem como accionistas o PCA do Banco Internacional de Negócios (BNI), Mário Palhares, Lourenço Duarte (através de seus filhos gémeos), testa de ferro de Silva Cardoso ministro de Estado e Chefe Casa Civil, e Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes.

Uma outra fonte jornalística em Angola também identifica os supostos accionistas da BestFly: o mesmo Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes (exonerado por João Lourenço depois de uma polémica em torno da anunciada parceria público-privada para a constituição de uma companhia aérea, Air Connection Express, que incluía a BestFly).

Tido como a cabeça de um grande polvo, que nasceu e cresceu no tempo de José Eduardo dos Santos, Augusto Tomás foi condenado em Agosto de 2019 a 14 anos de prisão pelo Supremo Tribunal de Angola pelos crimes de peculato, associação criminosa, abuso de poder, violação das normas de execução do plano do orçamento, participação económica em negócio, branqueamento de capitais, recebimento indevido de vantagem e compulsão.

Mário Palhares, ex-dirigente do Banco de Angola, PCA do Banco Internacional de Negócios – BNI, accionista do BNI Europa (instituição reprovada em auditoria do Banco de Portugal e que operava apenas com uma secretária), accionista do banco cabo-verdiano BPI juntamente com Manuel Vicente e general João de Matos (que apenas tem/tinha uma caixa postal na cidade da Praia e não existem sequer relatórios financeiros anuais).

E finalmente Lourenço Duarte, angolano, ex-administrador da empresa de aviação civil “Air 26” (que teve três dos seus aviões penhorados e teve de cessar actividade em 2017). Constata-se que as personalidades associadas à BestFly, que em tempos foram grandes investidores em Portugal, e pesos pesados no sistema financeiro angolano, estão agora sob forte escrutínio das autoridades lusas, com processos de investigação ao abrigo de pedidos de cooperação das autoridades judiciais angolanas.

Da parte de Angola, com a moralização encetada por João Lourenço, muitos desses milionários tiveram
que devolver fortunas que tinham no exterior. Com o aperto do cerco, esses alegados investidores procuram agora Cabo Verde para “drenar” dinheiros em Portugal via do sistema bancário cabo-verdiano através da facilidade de acesso à divisas e da relação da banca correspondente.

A vinda também da Bestfly a Cabo Verde é vista também como uma forma dessa companhia ganhar algum ar, já que em Angola tem os aeroportos praticamente vedados.

Descaso perigoso
O alegado descaso do Governo cabo-verdiano em relação aos accionistas da BestFly pode ser interpretado pela indiferença em relação ao compromisso, a nível regional e internacional, na prevenção à lavagem de capitais ao não se preocupar com a idoneidade daqueles com que o Estado faz negócios.

Por outro lado, a “morte lenta” da Unidade de Informação Financeira (UIF), conforme uma fonte do A NAÇÃO, tem tido impacto directo na investigação de crimes de lavagem de capitais e financiamento do terrorismo em Cabo Verde. Esse alegado descaso, repetimos, acaba por tornar Cabo Verde num “terreno fértil para investidores do tipo dos que estão associados à BestFly”.

Bestfly na Lista negra
A BestFly, uma empresa recente no sector da aviação civil em Angola, já tem cadastro no seu histórico. Ela consta da lista negra de companhias aéreas da União Europeia, com a proibição de voar
para o espaço europeu.

Este impedimento, de acordo com as nossas fontes, deveria ser levado em conta pela Agência de Aviação Civil de Cabo Verde, que, ao longo dos anos, tem primado pelo seguimento das boas práticas internacionais. A forma célere com que a Bestfly passou a operar nos céus deste arquipélago é algo que suscita alguma apreensão quanto ao funcionamento da AAC.

Acresce ainda, conforme o nosso interlocutor, que em relação à União Europeia há a parceria especial estabelece o princípio da convergência normativa com um dos seus pilares.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 716, de 20 de Maio de 2021)

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