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Economia

Voos inter-ilhas – Ou tudo, ou nada

Em poucos dias Cabo Verde passou do risco de não ter nenhuma companhia aérea a operar voos inter-ilhas, para a iminência de ter duas empresas a funcionar ao mesmo tempo, a TICV e a Bestfly. Quem pode sair a ganhar é o público que poderá ver os preços baixarem.

A semana passada os cabo-verdianos foram surpreendidos pelo anúncio do Governo, em comunicado, da retirada da Binter (TICV) do mercado nacional, a partir do dia 17 de Maio (devido à falta de consenso entre o Governo e os accionistas espanhóis relativamente a apoios públicos para a continuidade das operações) e pela entrada, repentina, da companhia angolana Bestfly.

A transportadora angolana, que começou a operar na passada segunda-feira, 17, num voo entre Praia e São Vicente, tem um contrato de seis meses assinado com o Estado de Cabo Verde para operar no mercado interno. Segundo justificativa do Governo, esse período é o horizonte temporal “para que sejam criadas as condições suficientes para a montagem de soluções estruturantes e viáveis que garantam a prestação de serviço público de transporte regular doméstico por um ou mais operadores de transporte aéreo”.

Segundo a mesma fonte, o Contrato de Concessão está previsto no quadro do Código Aeronáutico de Cabo Verde pelo se rege por regulamentos que se situam dentro das bitolas de fiscalização e regulação a cargo da Agência da Aviação Civil, estando por essa razão, salvaguardada o bem maior que é a segurança”.

Lei prevê operar sem OAC cabo-verdiano

Sabe o A NAÇÃO que, ao abrigo do contrato emergencial, a regulamentação permite que a companhia opere com o seu Certificado Aéreo de Operadora (OAC) do país de origem, neste caso Angola, mesmo não estando ainda certificada com um OAC emitido pela AAC.

Diz o ponto 1, do artigo 134º, da Aeronáutica Civil, relativamente à Matrícula de Aeronaves, que “as aeronaves afectas aos serviços de transporte aéreo interno, devem ter matrícula cabo-verdiana salvo o disposto no número seguinte”, ou seja, “porém, a autoridade aeronáutica, pode autorizar a utilização de aeronaves com matrícula estrangeira, por razões de interesse nacional, ou se tal se mostrar necessário para garantir a exploração dos serviços de transporte aéreo.

E foi precisamente isto que o Governo terá alegado junto da AAC, através do contrato emergencial com a Bestfly Angola, devido à alegada cessação de operações da Binter a partir de 17 de Maio.

Conforme fontes do A NAÇÃO, os primeiros voos da Bestfly estão a ser acompanhados por um técnico da AAC, o comandante Spínola, que fiscaliza “todos os procedimentos a bordo para perceber se a companhia está a cumprir, ou não, os requisitos de segurança”.

 

Processo de certificação

Passados os seis meses de contrato emergencial, é intenção da Bestfly operar no mercado cabo verdiano a “título permanente”, conforme avançou à RCV Nuno Pereira, presidente da Comissão Executiva da Bestfly Angola, enquanto Bestfly Cabo Verde, uma empresa de direito cabo-verdiano, que já existe. “Sou-lhe muito honesto”, confessou, na mesma entrevista, “nós não estávamos com projecção de vir para Cabo Verde nesta altura, relativamente há pouco tempo, começaram haver estes rumores da Binter (TICV) descontinuar as operações em Cabo Verde, nós fomos lendo nas notícias, de que haveria esse ‘gap’ e o Governo de Cabo Verde fez um apelo a entidades que estivessem interessadas em dar esse apoio, e nós, como já tínhamos interesse em entrar no mercado de Cabo Verde, fizemos a nossa demonstração de interesse, de que se o Governo precisasse do nosso auxílio estaríamos disponíveis, fizemos isso mais do que o negócio em si”.

Para já, a Bestfly Angola está a operar com uma aeronave de bandeira e tripulantes de cabine estrangeiros e, só depois de obtenção do OAC cabo-verdiano, da Bestfly Cabo Verde, é que poderá recrutar pilotes e restantes tripulantes de cabine nacionais.

 

Compensação financeira

 Para já também, a Bestfly Angola perspetivou, na primeira semana de operações, 30 voos, entre todas as ilhas do país, não voando às terças- feiras. As tarifas, dizem, prometem baixar, de acordo com a realidade e contexto que vive o país.

“O que nos comprometemos com o Governo de Cabo Verde foi em arranjar uma solução em que o Estado de Cabo Verde não tivesse despesa e nós, enquanto empresa, não tivéssemos despesa. Atingirmos o breakeven [equilíbrio financeiro], é o nosso objetivo”, disse numa entrevista à Lusa, Nuno Pereira.

Contudo, devido ao contrato emergencial, o Governo de Cabo Verde irá atribuir uma compensação financeira, em função da taxa de ocupação dos voos e da média das tarifas, à Bestfly Angola, segundo avançou o ministro dos Transportes e Turismo, Carlos Santos.

Conforme a Inforpress, cabe ao Governo pagar à concessionária 10 mil euros para uma taxa de ocupação entre os 70/75 %, 50 mil euros quando baixa de 70 a 65%, sendo que, quando se aproxima dos 55%, considerada uma taxa menor, será paga uma taxa à volta dos 13 mil contos mensais, mediante o preço do valor médio das tarifas.

Carlos Santos esclareceu que, “acima dos 55 por cento, até aos 85%, há uma escala de compensação financeira que é paga à concessionária que vai diminuindo à medida que houver maior ocupação”. Já a partir dos 85 %, será a Bestfly a fazer o pagamento ao Estado, quanto às tarifas, o governante admite a possibilidade de baixarem, ao abrigo da lei que define as tarifas no país, assim como a companhia que, no quadro da política tarifária e da lei nº54/2019, está obrigada a praticar preçários sociais para mais velhos e grupos desportivos.

 

CV Connect na parada

Entretanto, apoiar a Bestfly Angola na questão das vendas de passagens está a CV Connect, que também já chegou a entrar no negócio dos voos inter-ilhas em Cabo Verde, ainda que por escassos

meses. A mesma empresa que depois chegou a firmar uma parceria com a SATA para os voos internacionais, ligando Praia, Lisboa e Boston, devido à paragem da TACV/CVA, mas que se encontra também de rodas no chão.

Mário Almeida, da CV Connect, confirmou ao A NAÇÃO que a empresa tem um contrato com a Bestfly para as vendas das passagens, funcionando como uma GSA da Bestfly. “Encarregamo-nos da distribuição/venda junto das agências de viagens. Um dos serviços que prestamos em Cabo Verde às agências é a consolidação, ou seja, permitimos que emitam uma grande variedade de companhias IATA, e outras que representamos, como a Sata e Bestfly.”

A vantagem deste serviço, garantiu, é que as agências “com um depósito conseguem ter acesso a muitas companhias sem terem que ter grandes somas depositadas junto de diversas companhias.

Já trabalhamos com as agências em Cabo Verde há mais de 3 anos, e temos uma equipa de 8 pessoas em Cabo Verde e mais 6 em Portugal”, esclareceu.

 

Interesse na TICV ?

Entretanto, uma fonte da BestFly confirmou também à Lusa que há contactos por parte da espanhola Binter, que detém a TICV, para venda da operação em Cabo Verde. O próprio primeiro ministro, Ulisses Correia e Silva, disse esta semana à imprensa que está em negociações a continuidade, ou não, da espanhola Binter como accionista da TICV.

“É preciso ter em conta que a TICV é uma companhia que já está a operar e é bom que não haja descontinuidade. Outra coisa é se a Binter continuará ou não como accionista da TICV. Portanto, esta é a parte que está agora em negociação para fazer com que possamos cumprir o essencial”, afirmou.

Para o Governo, o “mais importante”, diz, é que possa haver continuidade e não haver situação de descontinuidade em relação aos voos. Estando assim, agora, em cima da mesa, uma eventual saída dos espanhóis da Binter do capital da TICV.

 

AAC em silêncio

Esta reportagem tentou ouvir a AAC, autoridade máxima da regulação da aviação civil em Cabo Verde, para questionar, entre outras questões, o processo de certificação do OAC da Bestfly, assim como o cumprimento das normas de segurança por parte da companhia mesmo operando como Bestfly Angola, tendo em conta, por exemplo, que a mesma está na lista negra das companhias que não podem voar para a Europa por questões de segurança.

Apesar das inúmeras tentativas via telefone e emails enviados, solicitando o esclarecimento do caso para maior e melhor informação da opinião pública, a AAC remeteu-se ao silêncio.

Binter de pedra e cal

A NAÇÃO apurou que a Binter (TICV) e os trabalhadores da empresa foram apanhados de surpresa pelo anúncio do Comunicado do Governo, dando conta de que a própria TICV esse cessar operações e que ia entrar na jogada a Bestfly Angola. “Sabíamos que estavam em negociações, mas não sabíamos que íamos cessar operações”, disse uma fonte dos trabalhadores ao A NAÇÃO, que garantiu ainda que na companhia tudo corre dentro da “normalidade”, “ninguém foi despedido”, “temos os salários em dia”. “Preparamo-nos, agora, para a retoma das ligações, o quanto antes “só falta o aval da AAC”.

A companhia entregou à Agência de Aviação Civil (AAC) a programação para a época de Verão, que devia vigorar precisamente a partir de 17 de Maio, altura em que o Governo disse que a companhia ia cessar operações e que a Bestfly começou a voar.

Citado pela Lusa, Luís Quinta, admitiu que durante a última semana decorreram “várias conversações” entre os accionistas da espanhola Binter, que detém a companhia cabo-verdiana, e representantes do Governo, mas garante que “nunca foi transmitido que a empresa iria cessar as operações”. “Já entregámos na AAC a nossa programação para a summer season de 2021, a partir deste mesmo dia [17 de Maio], e estamos agora a aguardar a autorização da AAC. Normalmente é um processo rápido”, reiterou. Esta programação de Verão prevê a realização de 32 ligações semanais.

Luís Quinta não quis comentar o comunicado do Governo dando conta da cessação das operações da Binter (TICV) e da entrada da BestFly. “Não posso dizer muito sobre isso porque esse comunicado não é nosso”, afirmou à mesma fonte.

Entretanto, depois, Carlos Santos, ministro do Transportes e Turismo, garantiu que os accionistas da companhia garantiram ao Governo que iam cessar as operações. O certo é que nos diz que disse, Cabo Verde poderá ter nos próximos dias duas companhias a operar no mercado aéreo internas, com vantagens, certamente para os passageiros.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 716, de 20 de Maio de 2021)

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