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Da fome humana surge sempre o rompimento da Paz social*

Por: Maurino Delgado e Lídio Silva

A pandemia veio agravar a situação da pobreza  e acentuar as desigualdades sociais, pelo que torna-se necessário reforçar as medidas  para  combater a pobreza extrema, evitar a desnutrição que tem custos sociais e económicos muito elevados, prevenir convulsões sociais, preservar  a democracia.    Por outro lado, veio demonstrar a grande importância da solidariedade e também, a importância de melhores políticas públicas para um desenvolvimento sustentável e inclusivo.

O Presidente da Assembleia Nacional, Engº Jorge Santos disse:  “a grande ameaça à democracia são a intolerância e a pobreza.”  (Intervenção na conferência sobre a transição democrática em África, o caso de Cabo Verde).

O Presidente da Câmara de Comercio de Sotavento, no noticiário da RCV do dia 12 de Agosto de 2020, disse que o País corre o risco de instabilidade social. Temos que nos prevenir contra essas eventualidades.

Por isso, com esta conferência, vimos sugerir a criação de um imposto solidário sobre a importação de bens não essenciais, destinado à compra de alimentos, medicamentos e outros artigos de primeira necessidade para se  colocar à disposição das instituições de ação social, os recursos necessários para que  possam prestar uma melhor ajuda às famílias necessitadas, caso  o Governo e as Câmaras Municipais não tenham outros meios disponíveis para combater a pobreza extrema.

Com esta conferência, também chamamos à  atenção do Governo, das Câmaras Municipais, das Empresas Públicas, dos Institutos e de todos os Serviços que, de uma forma ou de outra, dirigem o País no dia- a -dia e lidam com os recursos públicos,  para uma gestão criteriosa que tenha em conta o momento que se vive e o desenvolvimento sustentável e inclusivo.

As dificuldades sociais são muitas e estão a aumentar.

O grito de alerta vem de vários organismos de ação social.

A responsável da OM/ São Vicente, disse aos órgãos da Comunicação Social que os pedidos de ajuda aumentam e os donativos diminuem.

A responsável da Loja Social da Câmara Municipal de São Vicente constatou a mesma situação.

A Remar Cabo Verde afirmou na Comunicação Social que as ajudas que vinham sobretudo de Portugal e da Espanha, por causa da Covid diminuíram.

A responsável da Casa Manuela Heger disse na Comunicação Social que as ajudas que recebia, sobretudo da Itália, por causa da Covid, também diminuíram.

Da Escola Salesiana vem alertas de que há alunos que precisam  de ajuda.

Do Centro de recuperação nutricional de crianças em São Vicente, ouvimos pedidos de ajuda,

Nhâ Balila disse no programa, opinião pública de 31 de março/RCV, “estou a passar fome”.

Uma dirigente de uma Associação de empregadas domésticas disse na Comunicação Social, que só na Praia, mais de cem empregadas domésticas foram despedidas por causa da covid e passam por grandes dificuldades.

Uma outra dirigente declarou na Comunicação Social: – “ em Cabo Verde as Associações de apoio às mulheres já sentem na pele os retrocessos sociais e económicos provocados pela pandemia e receiam que não venham a ser contempladas com medidas visando a retoma económica.”

Da Boavista, um dirigente associativo chamou à atenção pela difícil situação por que  passam os moradores do Bairro da Boa-Esperança, muitos deles com extrema dificuldade de comer uma refeição diária.

Do Sal, vimos na TCV, as empregadas do grupo hoteleiro TRG  desesperadas, manifestando-se  pela redução drástica dos salários com dificuldades de pagamento, em violação da lei e o medo de perder o emprego.

É preciso ter em conta que, em 2020, apesar de ter chovido, depois de três anos de seca severa, as  pragas destruíram completamente, a cultura do milho, base da nossa alimentação.

Ouvimos o relato  de uma emprega doméstica cuja filha, na escola, deu uma queda, levou-a ao Hospital e era preciso fazer um TAC que custa 25000$00. Ela não têm INPS, não tem recursos para assumir as despesas. Diz que não conta com o pai da criança e, mesmo que ele fosse um pai presente, trabalha em obras e com a pandemia está sem trabalho. Pediu auxílio nos serviços sociais da Câmara Municipal de São Vicente, a Câmara não pôde ajudá-la,    porque há tantos outros pedidos também à espera. Pediu à clínica privada, dona do aparelho de  TAC, porque o Hospital não dispõe desse  equipamento, para pagar o exame  a prestações, a Clínica desculpou-se porque já teve muitos calotes por causa dessa modalidade de pagamento.

Há outra mãe, com dois filhos menores, a mais nova, com problemas graves de saúde, sem onde morar, que correu atrás do Presidente da Câmara Municipal de São Vicente, a pedir auxílio, o Presidente nem sequer lhe respondeu. (Reportagem no jornal online “Mindelinsite” e a Nação – jovem com dois filhos menores pede ajuda à CMSV: “estamos a morar, no Quintal das Artes e a minha filha está doente”)

Temos os grupos vulneráveis que precisam de uma atenção especial e urgente. Referimo-nos às mulheres grávidas, às mães com filhos menores e aos velhos em situação de dificuldades.

Com esta situação social difícil é urgente mudar de políticas, redimensionar projetos e direcionar despesas orçamentadas que não são prioritárias para alocá-las aos encargos sociais. Por exemplo:  – é uma política errada    estar a comprar carros para os Conselhos de Administração de empresas do Estado, Institutos, viaturas de luxo para Câmaras Municipais   e outros Serviços, estando o país a viver uma grave crise sanitária, económica, social e financeira.

Um exemplo muito recente entre tantos: – Em 12 de fevereiro de 2021 o Banco e Cabo Verde, lançou um concurso para aquisição de cinco veículos de alto gama para os membros do Conselho de Administração. É assim que vamos cozinhando as convulsões sociais!

Em 2016, o Presidente da Câmara Municipal de São Miguel, um dos municípios mais pobres do país, logo nos primeiros dias do mandato, submeteu à Câmara e à Assembleia Municipal a proposta de compra de um automóvel de luxo, de uso pessoal, 6500 contos como disse o próprio. Estranhamente, a proposta foi aprovada pelos Vereadores e Eleitos Municipais, passando-se por cima da extrema pobreza do Município. E em 2020, como o tal carro não servia para fazer campanha, compra uma carrinha, cabine duplo para esse fim.  De onde vem esse dinheiro? Que prioridades os dirigentes traçam para o Município?

Um outro exemplo: – A primeira coisa que o Conselho de Administração da ENAPOR, saído das eleições de 2016 fez – foi comprar viaturas para os seus membros.  Um país pobre, com tanta miséria, a esbanjar dinheiro em viaturas.

Um outro exemplo de esbanjamento, de má gestão do dinheiro público: – A Câmara Municipal de São Vicente, recorrendo ao endividamento bancário, continua a deitar asfalto sobre calçada. Um crime ambiental, económico e financeiro. No mês de março de 2021 deitou asfalto sobre a calçada da Avenida Abílio Duarte. Em finais de 2020 fez o mesmo, do mercado da Ribeirinha a Chã de Faneco, gastando milhares de contos, enquanto essa verba, em tempo de crise, devia ser reservada para auxílios emergenciais às populações.  Isso é imoral, uma bomba silenciosa, provocadora da instabilidade social, um atentado contra a democracia.

No entanto, aqui em São Vicente, há cada vez, mais crianças na rua a pedir quando deviam estar a aprender numa escola ou numa oficina! Isso é o resultado de políticas erradas.  Por exemplo: – alguma vez os Órgãos dirigentes do Município atribuíram um subsídio à Escola do Tio Nené para garantir a sua sustentabilidade na capacitação profissional dos jovens?    

É preciso governar o País com mais consciência, mais competência e mais seriedade, para todos os cabo-verdianos! É a mensagem que deixamos aos novos dirigentes saídos das eleições de 25 de outubro de 2020 e 18 de abril de 2021. Que assim seja, para o bem e o sossego de todos nós!

*Texto de conferência de Imprensa, apresentado na Pracinha do Liceu, em Mindelo, a 18 de Maio de 2021.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 717, de 27 de Maio de 2021

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