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Economia

Polémica voos inter-ilhas: Agências negam irregularidades e querem taxas clarificadas

A Associação das Agências de Viagens e Turismo em Cabo Verde (AAVTCV) diz que não identificou nenhuma irregularidade na venda de bilhetes de passagens áreas inter-ilhas. Mário Sanches, seu presidente, esclarece que o preço da passagem não é só aquele que é publicado pelo Governo, mas sim com todas as taxas acrescidas. Por sua vez, a CVConnect, intermediária da Bestfly, condena o facto de a comissão das agências estar “encapsulada” no preço final dos bilhetes.

Depois do Governo e da Agência de Aviação (AAC) terem descartado responsabilidades em relação ao suposto elevado preço das passagens áreas inter-ilhas, que estaria a ser praticado pelas agências de viagens, Mário Sanches, presidente da AAVTCV, nega também qualquer irregularidade na venda dos bilhetes.

Em entrevista ao A NAÇÃO, Sanches confirma que foi feita uma investigação às agências para apurar os factos. Investigação essa, como diz, surgiu de uma comunicação da Bestfly, na qual admitia a possibilidade de as agências estarem a “empolar” o preço dos bilhetes das viagens aéreas inter-ilhas.

 Sistema novo

Quando muito, segundo diz, o que poderá ter acontecido, tendo em conta que o sistema é novo, é que “alguns agentes podem não estar tão aprimorados com a situação”.

Nesse sentido, “o que poderá haver, não de forma propositada”, é “algum agente que não saiba aplicar os preços, particularmente nas tarifas via”.

As “tarifas via” são aquelas em que, por exemplo, um passageiro sai do Fogo com destino a São Vicente, e tem de fazer escala na Praia, ou sai da Praia com destino a São Nicolau e tem de fazer escala no Sal.

“A questão coloca-se mais quando há dois percursos”, avança.

“Num único percurso existem quatro tarifas: promocional, social, referência e flexível. No caso da Bestfly, ela aplica a promocional, social, flex e flex +. É claro que no caso, por exemplo, da flex +, o

preço pode ir até 25% acima da tarifa de referência, o que tem causado nos passageiros normais alguma dificuldade em perceberem porque é que um preço é 11 mil agora e, mais logo, é 12 mil.

Isto porque a própria lei nº 54/2019 diz que a tarifa pode ir até 25%”, elucida.

 Explicação aos utentes

Essa fonte explica ainda que “é preciso que os agentes expliquem também isso às pessoas, para perceberem quando dizem, por exemplo, que uma pessoa pagou 12.920 para São Vicente, quando um colega tinha pago 11 mil. Aqui a diferença reside no preço da tarifa, que o passageiro encontrou na agência”, sublinha.

“Há 40% de desconto nos percursos ‘via’, mas que só é aplicável quando o percurso não excede as 24h. Ou seja, um passageiro que vem do Fogo e fica na Praia 28h, antes de ir para São Vicente, tem de pagar dois percursos. Mas o passageiro que fica até 24h, no máximo, só paga 60% dos dois percursos.

É aqui que pode ter havido algum problema”, admite.

 Parceira Bestfly-agências

Mário Sanches reitera que a Bestfly é uma parceira das agências e congratula-se com o facto dessa companhia só vender as passagens nas agências, e em mais nenhuma outra plataforma.

“Nos últimos tempos, estando a Bestfly apenas a vender as passagens nas agências, é um fôlego financeiro para nós”, reconhece.

Por isso, diante da celeuma criada, o presidente da AAVTCV diz já ter-se reunido com a Bestfly para sanar os constrangimentos e mal-entendidos.

“Nos próximos dias, a Bestfly vai agendar mais um encontro, com todas as agências, precisamente, para uma sessão de esclarecimento (do novo sistema), porque, neste momento, se alguns agentes de viagens já estão totalmente esclarecidos, há outros que ainda não estão”, acrescenta.

Essa fonte elucida que a associação não quer, com isso, “dizer que a CVConnect/Bestfly não está a fazer todos os esclarecimentos”, mas sim, que, “tratando-se de um sistema novo, é necessário fazer com que os agentes de viagens comecem, digamos assim, a entrar no processo do sistema novo de venda de passagens”.

Antes vendiam no sistema RTS – Amadeus, agora é outro.

“Neste novo sistema os bilhetes vêm em euros e ainda não há um modelo, que neste momento já está a ser preparado”, com mais “transparência” e especificação das taxas.

“O preço da passagem não é só aquilo que foi publicado pelo Governo”

“Porque, por exemplo, as queixas relativas aos preços dos utentes que dizem que o Governo publicou uma tarifa (por exemplo, Praia–Maio–Praia por três mil escudos, mas que pagaram quatro mil e tal escudos).

Ora, existem taxas mandatórias, obrigatórias, como a taxa de segurança e de embarque e a taxa de serviço da própria agência. A essas taxas acresce o preço daquilo que foi publicado pelo Governo, e, agora, republicado para novo esclarecimento”.

Na prática, o preço final é, então, o preço das duas taxas mandatórias, mais as taxas de serviço das agências. A essas taxas acresce o preço das passagens conforme aquilo que foi publicado pelo Governo.

“Já falamos com a Bestfly para republicar um documento, e disseram que vão fazer isso, para mostrar, num quadro discriminado, o que é que, por exemplo, um passageiro que faz Praia-São Vicente-Praia está a pagar.

Está a pagar o bilhete, a tarifa de referência, mais o preço das taxas, mas também está a pagar a tarifa, que é social? É promocional? É flex ou flex plus? Portanto, é preciso referenciar isso”, admite o presidente da AAVTCV, para relembrar que é “preciso esclarecer o cliente que o preço da passagem não é só aquilo que foi publicado pelo Governo”.

Nesse contexto, para esclarecer de vez os utentes, Mário Sanches diz que está a ser criado, com a “transparência total”, um modelo de entrega de bilhete, que existia no sistema antigo (Amadeus), mas que no sistema novo não existe.

“Porque, neste momento, eu dou-lhe um bilhete e nesse bilhete está lá tudo incluído. E você, por não ver lá as tais taxas descriminadas, vai pensar que o agente está a cobrar a mais”.

 Necessidade de mais voos

Essa fonte concluiu que, apesar de a Bestfly já ter aumentado o número de voos para fazer face à demanda do mês de Agosto devido às férias dos emigrantes, há necessidade de aumentar, “ainda mais”, o número de voos inter-ilhas.

“Mais voos, mais mobilidade, para garantir sustentabilidade na retoma, que passa por mais voos.

Sabemos que haverá mais voos para Maio e São Nicolau. Já foram colocados mais voos para Fogo e São Vicente”.

Numa ronda desta reportagem pelas agências de viagens, neste momento, há voos disponíveis para Praia-Fogo a partir de 10 de Agosto, em preços que rondam, só ida, os 10.500 escudos, e, para São Vicente, a partir de 14 de Agosto, também só ida, a 12.900$00.

A demanda, garantem, é muita, especialmente nestes dois destinos. Praia-Fogo está com voos diários, menos quartas e sábados, enquanto para São Vicente, há, agora, voos todos os dias.

Comissão das agências “encapsulada” no valor final do bilhete

A CV Connect, encabeçada pelo cabo-verdiano Mário Almeida, e entidade intermediária da Bestfly na venda dos bilhetes das passagens áreas inter-ilhas, descarta qualquer responsabilidade em relação à polémica que envolve o alegado elevado preço das passagens que as agências de viagens cabo-verdianas estariam a cobrar.

 Bestfly garante cumprimento das tarifas decretadas pelo Governo

O mesmo garante que a Bestfly está a cumprir tudo o que está patente no decreto-lei 54/2019, publicado pelo Governo, e no qual a companhia “baseia o seu tarifário”.

“Tomámos conhecimento através das redes sociais e outros canais que havia informações de que os preços estavam elevados, facto que nos surpreendeu, pois, as tarifas Bestfly são baseadas no decreto-lei 54/2019 e não atingem o escalão máximo previsto pelo mesmo decreto-lei.

A Bestfly, mesmo sabendo que esta é uma época alta, em que as companhias habitualmente fecham as classes mais baixas, não o fez, e em todos os voos tem disponível todas as classes, a saber Social, Promo, Flex, Flex Plus, Criança e Infant”, esclareceu ao A NAÇÃO.

O mesmo descarta ainda problemas que tenham a ver com a melhor compreensão do sistema e diz que a Connect Services tem um contacto “permanente” com as agências e com a AAVT, dando-lhes “todo” o suporte e informação necessária.

“O sistema utilizado não carece de nenhuma formação especifica, pois é web base e similar a milhares de aplicações de compra on-line utilizadas nos dias de hoje. Apesar disto, toda a informação sobre as tarifas e o próprio decreto-lei 54/2019 estão na página principal para que o agente possa efetuar a reserva com toda a segurança e conforto”, argumenta.

 Tarifas e taxas do decreto-lei 54/2019

Essa fonte esclarece ainda que a Bestfly, em todas as tarifas previstas pelo decreto-lei 54/2019, cobra os valores base das tarifas, mais as taxas de embarque e segurança, como já referimos acima, também previstas na referida lei.

“É mandatório que as companhias cobrem as referidas taxas que, posteriormente, são pagas à ASA, a saber 600$00, de taxa embarque e 150$00 da taxa de segurança, valores por percurso (IDA, pois o decreto-lei define tarifas IDA (One Way). É necessário explicar que uma ida e volta é o dobro do valor publicado no decreto-lei, tanto em relação às tarifas como taxas (exemplo RAI-MMO são 3000$00 + 600$00 + 150$00 = 3750$00 (valor este que a Bestfly cobra na tarifa flex ida e volta que custa 7 500$00)”.

Por motivos de transparência e facilitar qualquer auditoria, Almeida diz que a Bestfly utiliza as tarifas referência, por linha, previstas no decreto-lei 54/2019, como sendo a sua Flex e, a partir daí, define as tarifas.

“Promo 20% de desconto em relação à flex, a social 40% de desconto em relação a Flex, Criança 50% de desconto em relação a Flex, Infant 90% em relação a Flex”.

A Flex, elucida, segundo o decreto-lei pode ser até 25% mais elevado que a tarifa referência e a Bestfly “em benefício do consumidor e para não ter uma grande oscilação dos preços” tem a subclasse Flex Plus que, mesmo assim, “não atinge o máximo previsto que é 125% da tarifa referência/flex”.

 Comissão das agências não especificada no bilhete

O nosso interlocutor chama atenção, contudo, para a comissão das agências, que não está a ser especificada no bilhete, ou seja, a taxa de serviço denominada de XP, que, conforme o regulamento, é de 1200$00 para voos domésticos, por passageiro.

“Esta taxa não é definida, nem cobrada pela Bestfly, e não faz parte das tarifas publicadas pela Bestfly. Esta empresa considera por isso incorreto e não compactua com as agências que estão a entregar aos clientes um documento em que a referida taxa de serviço, que é 100% para a agência, seja “encapsulada” no valor total cobrado pela Bestfly, que inclui unicamente 3 componentes (taxas) e todas previstas pelo decreto-lei 54/2019, ou seja, Tarifa, Taxa Embarque e Taxa Segurança.

Mário Almeida clarifica ainda que, em termos económicos, a própria economia beneficia dos 1200$00 cobrados pelas agências, pois, sendo uma taxa de serviço, está sujeita ao pagamento do IVA.

“Neste momento, em termos globais, o consumidor está a pagar menos, pois, como disse anteriormente, a Bestfly abre todos os voos com promoção, todas as tarifas, curiosamente, a tarifa Flex e Flex Plus são as que mais vendem, pois, o cliente pode cancelar ou alterar a viagem a qualquer momento e nós reembolsamos na integra se o cliente não for no-show , se for no-show retemos 1 650$00 taxa no-show”.

 Percentagens das tarifas

Questionado sobre qual é, neste momento, a percentagem de cada tarifa disponível nos voos da Bestfly, Mário Almeida explica que o decreto-lei prevê que as companhias devem ter, pelo menos, “20% dos lugares disponibilizados em Promo e 10% em Social, anualmente, por linha (ano civil)”.

“É importante esclarecer a opinião pública que, anualmente, não define um período, e, mais uma vez, a Bestfly programou e definiu a distribuição dos lugares para cumprir os rácios definidos pelo decreto-lei”.

Em relação aos voos “via”, Almeida reitera que a Bestfly cumpre o decreto-lei e aplica um desconto de 40%, ou o valor previsto na tabela de exceção, publicada para algumas rotas, como São Nicolau.

“A Bestfly vai mais longe e aplica a redução prevista pelo decreto-lei a todos os voos via, em que a escala seja de até 24 horas. Inicialmente, não tínhamos voos diários para o Sal, o que tecnicamente impedia as agências de aplicar o desconto, pois, apesar do passageiro fazer um trânsito na Praia, o seu voo de ligação acontecia com mais de 24 horas (relembro a lei prevê uma escala de poucas horas, a Bestfly alargou a aplicação até 24 horas, o que beneficia o consumidor”.

A CV Connect reitera ainda que, além do contacto diário que faz, de forma individual, com cada agência/agente, e que ainda “há poucos dias”, fez uma sessão de esclarecimento com 59 participantes, está a coordenar com AAVT, outra sessão, para os próximos dias.

Quanto à falta de voos para dar resposta à demanda, Mário Almeida garante que desde 2 de Agosto que a companhia aumentou os voos em 56%. “Neste momento estamos a fazer 78 voos semanais, ou seja, aproximadamente 312 voos mensais”. Recorde-se que a Bestfly Angola comprou a TICV, que deverá retomar operações em breve.

 Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 727, de 05 de Agosto de 2021

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