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Sociedade

Gravidez na adolescência: Um assunto “clichê” que ainda precisa ser muito trabalhado

O controlo e a prevenção da gravidez na adolescência continuam a ser um desafio importante para os serviços competentes dessa área da sociedade cabo-verdiana. O início de novo ano escolar é momento de voltar a tocar neste assunto, por si recorrente, tendo em vista a tendência para a “normalização” da gravidez precoce no país.

Os últimos dados oficiais sobre a saúde sexual e reprodutiva em Cabo Verde, inclusive a gravidez na adolescência, são de 2018 embora o relatório estatístico que contém esses números devesse ser realizado anualmente.

Há três anos os estudos revelaram que foram identificadas 9.593 grávidas, entre os 10 e os 19 anos. A maior parte na cidade da Praia e no Mindelo, com 3.213 e 1.292,  espectivamente.

Mesmo depois deste período, e com todas as intervenções dos profissionais de saúde, no sentido de oferecerem o máximo de informações aos mais jovens, a realidade não se apresenta de forma muito diferente. Tome-se como exemplo o caso da Escola Técnica João Varela, no Porto Novo, Santo Antão, que registou, recentemente, um total de 24 alunas grávidas. Muitas frequentavam o 9o ano de escolaridade. Ou seja, adolescentes emtenra idade.

Apesar da gravidez na adolescência ser um problema social, dados os seus impactos na vida da jovem mãe e até da criança, ela está a transformar-se em uma situação cada vez mais “normal” para o grosso da sociedade. Aliás, é de se perguntar a partir de quando é que foi diferente? A partir de quando, também, os “ganhos” começaram a ceder ao velho hábito de as jovens engravidarem muito cedo?

Independentemente dessa discussão, a “normalização” da gravidez precoce, segundo a ginecologista e obstetra Nilce Santos, da ilha de São Vicente, “não é algo que devemos ou podemos aceitar”.

“Vem se notando um aumento significativo em relação aos casos de gravidez nesta fase. Isso é algo que precisa ser avaliado com maior cuidado. Isso precisa ser visto, conversado. Precisamos de dados para que se possa mostrar que é um problema com consequências”, acrescenta.

Além das conhecidas implicações na vida dos adolescentes, “as responsabilidades que um filho acarreta, os riscos de não continuar os estudos, não conseguir um trabalho com um rendimento suficiente para uma boa qualidade de vida”, a gravidez na adolescência significa consequências para o corpo e para a saúde da jovem mãe.

“Quando se tem uma gravidez na adolescência há um maior risco de complicação, de mortalidade materna e infantil, maior risco de interrupções não programadas, clandestinas que colocam em risco a vida da paciente. Há um maior risco de complicações no pós-parto.

Maior risco de depressão, problemas sociais e isso traz implicações na família e no núcleo social”, elucida a médica que as segura que, nisso tudo, há sempre o risco de uma segunda gravidez não programada.

Áreas de actuação e melhorias

De acordo com a médica Vaneusa Rodrigues, coordenadora do Programa Nacional de Saúde Sexual e Reprodutiva e Saúde do Adolescente, da Direcção

Nacional de Saúde, a adolescência “tem merecido uma atenção especial”. Por este motivo, desde 2017, foi criado um programa de saúde dos adolescentes.

O objectivo do programa é, então, “promover o acesso dos adolescentes a cuidados de saúde, com implementação de estratégias tais como readequação dos cuidados primários com espaços específicos de atenção aos adolescentes, capacitação dos prestadores de cuidados em atenção à saúde dos adolescentes, educação de pares

nas escolas e outras ações que visam a promoção de estilo de vida saudável e escolhas responsáveis na sua vida sexual e reprodutiva”.

Contudo, esses esforços mostram-se insuficientes sendo que esta temática ainda se constitui num “desafio”. Para tentar ultrapassar esta questão será necessária uma “aposta na educação e sensibilização dos pais e encarregados de educação para a abordagem de temas relacionados à saúde sexual e reprodutiva com os adolescentes”.

Esta ideia é igualmente defendida por Nilce Santos, médica também, que acredita que a conscientização da camada mais ovem passa por diversos factores e, mais do que respostas do sistema de saúde e das instituições de ensino, a questão exige um esforço e maior engajamento das famílias, das comunidades e da comunicação social.

“A educação sexual, ao contrário do que muitos pensam, não é para incentivar à prática do sexo. Há a necessidade que se fale com os adolescentes sobre a sexualidade, para que eles entendam que as atitudes têm consequências. Isto ainda é um tabu e vemos muitas famílias que preferem não falar sobre isso, não levam os filhos para uma conversa ou orientação. A adolescência já é uma idade difícil, com novos desafios e formação pessoal que exige a presença dos pais”, considera.

Além de uma gravidez indesejada, os jovens e adolescentes, ao ignorarem o uso dos métodos contraceptivos, principalmente o preservativo, ficam expostos às doenças sexualmente transmissíveis, que também têm vindo a aumentar, consideravelmente, em Cabo Verde.

Ainda sobre este problema social, têm-se observado muitas intervenções, como a retirada do foco da gravidez precoce das meninas, passando a ser uma questão que chama à responsabilidade a ambas as partes, meninas e rapazes. Além disso, há também a campanha a ser desenvolvida pelo Instituto Cabo-verdiano para Igualdade e Equidade de Género (ICIEG), “Adolescência primeiro, gravidez depois”.

Como forma de minimizar o problema, a ginecologista/obstetra considera que é “necessário também que se tenha dados para que possamos controlar e saber como trabalhar a gravidez na adolescência”. Além disso, será indispensável que esses “dados venham para o conhecimento das comunidades para que possamos, juntos, agir, pois em as suas consequências e é uma responsabilidade é de todos”, finaliza.

Saúde Sexual e Reprodutiva

Segundo os dados e as declarações da coordenadora do Programa Nacional de Saúde Sexual e Reprodutiva e Saúde do Adolescente, Vaneusa Rodrigues, nos últimos 10 anos foram muitos os ganhos e melhorias significativas nos indicadores da saúde sexual e reprodutiva, principalmente no que concerne à de mortalidade infantil, que tem tido uma tendência decrescente.

“Foram 98,8% das mulheres beneficiaram de cuidados pré-natais realizado por um profissional de saúde qualificado, onde cerca de 9 em cada 10 mulheres (86%) fizeram, pelo menos, 4 consultas pré-natais recomendadas, um aumento significativo de 14% face ao ano de 2005. Tivemos também melhoria das condições de parto e 97 % do nascimentos foram assistidos por um profissional qualificado”, enumera.

“Um total de 97% dos nascimentos ocorreram nas estruturas de saúde, contra 78% em 2005. No mesmo sentido, 87% das mulheres receberam cuidados pós-parto nos dois dias que seguiram o nascimento. De acrescentar que de 1988 a 2018, a fecundidade das mulheres cabo-verdianas diminuiu significativamente. O Índice Sintético de Fecundidade passou de sete crianças em média, por mulher, em 1988, para 2,5 crianças em média, por mulher, em 2018”, finalizou.

Nilce Santos aproveita, na mesma linha, para acrescentar um outro progresso que se prende com a diminuição considerável é a transmissão vertical de HIV, de mãe para filho, que tem sido possível identificar logo no pré-natal, permitindo o tratamento e acompanhamento adequado da mãe e do fecto.

Desafios da área

Apesar dos ganhos e progressos verificados ao longo dos anos, tanto Nilce Santos como Vaneusa Rodrigues concordam que ainda há desafios e mais por fazer no sentido de manter e garantir a melhoria dos serviços prestados.

Para isso será, então, necessário “o reforço institucional em equipamentos e materiais, que facilitem as intervenções, garantir a melhoria continua do acesso dos jovens adolescentes aos serviços de SSR (saúde sexual e reprodutiva), entre outras estratégias”.

Do mesmo modo, há que se investir na “capacitação de profissionais, quer dos que estão actuando, no sentido de actualizá-los e como forma de incentivo, e também inserir mais profissionais”.

Nilce Santos defende ainda que é preciso “aumentar a capacidade para o rastreio de câncer de colo, a nível de serviço público para que se possa descentralizar dos hospitais e fazer, pelo menos, a colheita em centros de saúde. É algo necessário para que possamos prevenir cada vez mais”, considera.

Da mesma forma sublinha que é também necessário criar condições para rastrear outros tipos de câncer, principalmente para as mulheres. Uma maior abrangência do rastreio, também é indispensável, principalmente mamografias, nas classes sociais que não têm como arcar com estas despesas.

De acrescentar que há “necessidade de se falar nas doenças sexualmente transmissíveis, pois fala-se muito em HIV, mas pouco se fala em hepatite, sífilis, herpes e outras doenças sexualmente transmissíveis com consequências lesivas para pacientes e caso estiverem grávidas podem trazer consequências também para os fetos”, conclui.

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