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Economia

Santo Antão: Ecofarm vai produzir 2,5 hectares só com produtos orgânicos

 

Ecofarm, empresa cabo-verdiana recentemente criada, em Santo Antão, tem em curso um ousado projecto agrícola, no Vale da Garça, próximo de Chã de Igreja, na Ribeira Grande, para produzir 2,5 hectares de terreno, só com produtos 100% naturais. O promotor do projecto é Lucas Leite Monteiro, que quer agregar valor ao mercado agrícola, com foco nas novas tecnologias e trazer mais segurança alimentar e nutricional.

Formado em comunicação social, Lucas Leite Monteiro, de 43 anos, espelha aquilo que chama o conceito do “novo agricultor”, um pouco por todo o mundo. Apesar da crise pandémica, há cerca de um ano e 10 meses, decidiu seguir a tradição agrícola da família e dar um rumo a uma herança do avô materno, que era português, Júlio Augusto Leite.

“Abracei a agricultura por ser tradição na família. Os meus avós tinham grandes áreas em Santo Antão e onde o projecto está sediado, é uma delas. Neste caso veio por herança. E para não deixar morrer a terra resolvi entrar nesta área”, começou por explicar Lucas, sobre a motivação que leva alguém formado na área da

Comunicação Social, residente em São Vicente, a abraçar a agricultura.

“Vendo a potencialidade da área optei por avançar com um projecto de empresa agrícola para explorar a referida área, quase 22.500 m2”.

A iniciativa tem apenas um ano e 10 meses de “pesquisa e implementação faseada”, e, até agora, Lucas diz ter explorado “mais ou menos” um terço do terreno, em regime experimental com produtos como mandioca, batata doce, batata comum, abóbora, abacate, tomate, feijão ervilha e fava, couve, manga e maracujá.

Como explica, algo ainda “insipiente”, pois, com os investimentos agora previstos, “é que a produção vai disparar”.

Tecnologia de ponta Investimentos esses que passam pela mobilização de água. “Por haver falta de chuva nos últimos três a quatro anos, aqui no norte, não se consegue produções em toneladas, por isso a necessidade de se investir na mobilização de água”, elucidou, quando confrontado com os níveis de produção conseguidos até agora.

Nesse contexto, como explica o promotor da Ecofarm, esta fazenda agrícola, “terá um sistema de irrigação gota a gota de alta tecnologia e de controlo de solos”, que irá recorrer a drones “para uso agrícola, para mapeamento, fertilização e sementeira (os Plant Drones) do solo, em parceria com a PRIMEBOTICS e com a GESTAGROSYSTEM (premiada pela STARTUP CHALLENGE –aplicando tecnologias IoT”.

Traduzindo em linguagem mais simples, equipamentos modernos, que vão trazer maior eficiência à produção e gestão agrícola.

Isto, pese embora o projecto fique localizado a 800 metros da barragem de Canto Cagarra que, segundo Lucas, “embora não retenha água suficiente, permite sempre o reforço do lençol freático da bacia hidrográfica da região”.

A iniciativa comtempla ainda a construção de dois a três reservatórios de água, com capacidade de 150 m3, cada, e a aquisição de uma ou duas estações meteorológicas, para determinar “leituras precisas de tempo”. O investimento, garante o entrevistado ao A NAÇÃO, é “100%” nacional. “Não tenho sócios directos, nem pretendo ter. Podemos ter sim, parceiros”.

40 milhões de escudos
O volume do investimento, entre a propriedade agrícola (avaliada tecnicamente), e devidamente registada na Conservatória e Câmara Municipal de Ribeira Grande de Santo Antão e a implementação do projecto total, será de aproximadamente 40 milhões de escudos.

“Até agora, não fomos à banca. Mas, devido ao investimento num Campus experimental inicial de 2000 m2, já aproximamos da Banca. Estamos a aguardar parecer”, revela.

Neste momento, o projecto já emprega uma família “a trabalhar localmente”, mas, pela dimensão, “deveremos vir a precisar de quase 15 a 20 pessoas inicialmente”.

Lucas garante ainda que o objectivo, a curto-médio prazo é, também, instalar um Centro de Processamento de Alimentos, por forma a garantir a sua “qualidade a 100% no mercado”. Relativamente às embalagens a serem utilizadas, avança que a Ecofarm está a “estudar parcerias” com empresas locais que já existem no ramo.

Tudo 100% orgânico
Inicialmente a Ecofarm irá produzir legumes 100% orgânicos, como batata-doce, batata comum, cebola, cebolinho, cenoura, abóbora, mandioca, tomate (Kiara; Savana; Anaya), gengibre biológico, alho, alho francês, pimento verde/vermelho, berinjela, beterraba, feijão ervilha (grão), feijão fava) e, também, verduras 100% orgânicas, entre elas, coentro, salsa, alface, couve, repolho, espinafre).

As frutas 100% orgânicas também integram a lista de produção: abacate, banana, papaia, manga, maracujá, côco. A Ecofarm pretende ainda entrar no sector da svicultura, através da criação de aves – galinhas, perus, e produção de ovos orgânicos, 100% Bio, em embalagens de 6 unidades.

Paralelamente, a Ecofarm processa cana de açúcar, para produção de aguardente de “elevada qualidade” com a marca Páia d’Cana e Licores – da marca Licores d’ Avó. Além de já ter desenvolvido uma marca para transformados de produtos orgânicos – Delícias d’Avó.

Quadro legal e falta de mão de obra
Tratando-se de um projecto que abrange uma grande extensão de produção 100% orgânica, Lucas Leite Monteiro não esconde que tem enfrentando vários constrangimentos e desafios, até agora, na implementação do mesmo.

“Um dos maiores constrangimentos está na legislação suporte a esse tipo de actividade, que certifique o produto final, como tal. Isto, embora as técnicas que o projeto irá usar, com apoio a expertise nacional e estrangeira, possam levar a se ter maior confiança no nosso produto”.

Nesse contexto, o empresário garante que os produtos, por exemplo, transformados, têm todos um Selo de Origem. “Já fizemos testes com alguns poucos produtos e, tivemos um excelente feedback dos consumidores”.

Além do quadro legal, outro “grande” constrangimento, apontado é a falta de mão-de-obra. “Neste momento, há um total desinteresse da juventude para esse sector que, bem trabalhado, será um dos que mais contributo ao PIB pode dar ao país”, lamenta.

Para driblar a falta de mão de obra, Lucas conta que a intenção é apostar em formações a jovens mulheres, e jovens, no geral, em tecnologia agrária e praxis agrícola moderna. “Visto que temos técnicos altamente qualificados para fazer isso acontecer”.

Um dos riscos associados à agricultura orgânica, que é mais saudável e amiga do ambiente, é por exemplo, o facto de não poderem usar pesticidas químicos, para combater as pragas.

“Os riscos existem, mas, podem ser minimizados aplicando “pesticidas” orgânicos ou usando técnicas de cultivo que permitem às plantas defenderem umas às outras das pragas. Também, pode-se usar predadores naturais”, esclarece.

Questionado se é viável, em Cabo Verde, agricultura orgânica em grande escala, tendo em conta a dimensão do mercado, o empresário é optimista.

“É viável sim. Visto que queremos abastecer o mercado alimentício e o hoteleiro. Mas temos a pretensão de exportar transformados, nomeadamente para os EUA – onde já fizemos a inscrição na plataforma do FDA – Food, Drugs Administration (autoridade que controla a entrada de bens de consumo EUA) e Europa.

Segurança alimentar e ambiental
Além da questão financeira, inerente a qualquer negócio, ou investimento, que quer ter sucesso, e dar lucro, a Ecofarm tem uma visão que vai mais além e que abraça as preocupações ambientais e as mudanças climáticas.

“A nossa visão é ser reconhecida como uma empresa que possui um papel ativo no equilíbrio ambiental, através da sensibilização para o consumo crescente de produtos orgânicos pela população cabo-Verdiana, num período de três a cinco anos”.

Mas, segundo Lucas, o objectivo final maior é a “segurança alimentar e nutricional da população”, totalmente baseada em frutas, legumes e verduras da terra. “Produzindo com qualidade e usando tecnologia agrária de ponta, mas que não agrida o meio ambiente”.

Para pôr o projecto de pé, essa fonte esclarece que a Ecofarm está a ultimar uma parceria com a UFES – Universidade Federal do Espírito Santo – Brasil, mais precisamente com o NIDA – Núcleo de Investigação de Tecnologias para Desenvolvimento da África, para “transferência de know how e tecnologia agrária”.

Ainda, juntamente com a UTA – Universidade Técnica do Atlântico, no âmbito da criação do polo de Ciências Agrárias, em Santo Antão, vão assinar um protocolo para desenvolver programas que potencializam a investigação científica agrária, associada ao empreendedorismo, “rumo ao desenvolvimento sustentável do país”.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 742, de 18 de Novembro de 2021

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